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Timor-Leste: O Petróleo e a Sobrevivência Nacional

Categorias: Leste da Ásia, Timor Leste, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Governança, Meio Ambiente, Mídia Cidadã

O Timor-Leste possui apenas 0,04% das conhecidas reservas de petróleo do mundo – suas reservas são do conhecimento de apenas metade das pessoas de Brunei, de acordo com uma estimativa [1] [en]. Mas para um país pequeno e pobre, de aproximadamente 1 milhão de pessoas, isto é muito significativo.

Quando o país ganhou sua independência em 2002, a receita já estava fluindo para os cofres timorenses da área sul da ilha chamado “Timor Gap”. Mesmo que a Austrália e o Timor-Leste ainda têm de chegar num acordo sobre as fronteiras marítimas [2] [en], o óleo proveniente de campos de petróleo timorense já é a maior fonte de receita do país.(Existe também – ainda a ser explorado – gás natural no “Timor Gap”.)

Imagem de SkyTruth compartilhada sob uma licença CC [3]

Imagem de SkyTruth compartilhada sob uma licença CC

Os doadores e os líderes timorenses estavam entusiasmados em provar que fontes de petróleo poderiam ser uma bênção e não uma maldição. Por esta razão, chamaram especialistas da Noruega para aprender com o famoso Fundo Soberano daquele país [4] [en].

A ideia básica era: anular a afluência massiva da receita e gastar apenas o que é obtido com o cuidadoso investimento daquela mesma receita. Existe ainda uma alusão à criação de um fundo soberano – chamado Fundo Petrolífero [5] -, na Constituição de Timor-Leste [6] [en].  A subsequente Lei do Fundo Petrolífero [5] tem uma formulação muito rígida e específica em relação ao que pode ser retirado do fundo.

Como Lu Olo, ex-líder de uma resistência, disse em sua (mal-sucedida) campanha presidencial [7]em 2007 [tet]:

Osan ne‘e foin maka iha tinan ida ne‘e, liu husi Orsamentu Jeral do Estado, nebé hasai husi Fundo Mina Rai. Osan mira rai nian, fahe tuir kanal estadu nian, la‘os fahe arbiru deit, hanesan esmola ne’eb’e ema riku fó ba ema kiak. Osan Mina Rai nian pertense ba povu.. Povu iha direito ba hetan benefísius dezenvolvimentu nian. Timor-Leste nia. ósan, fo tuir Fundu Komunitáriu nian, la‘os halo karidade. La halo hanesan, foin dadaun ema balu fahe mantas nebé mai husi rai seluk. Fundu Komunitáriu simu osan nebé transfere tuir leis, tuir direitos povu nian, hahú kedas hó Asembleia Konstituinte. Ne‘e osan povo nian ba ajuda povu. Ne maka independénsia. Hamrik no tani nafatin prinsipius nebé hamanas ita nia laran no halu ita luta ho brani iha Frente Armada, iha Frente Klandestina nor Frente Diplomatika Ne‘‘e maka nasionalismu lolós, ne maka independensia lolós.

“O dinheiro vai para as pessoas do nível de base, para projetos sustentáveis no desenvolvimento agrícola. Esse dinheiro só ficou disponível no orçamento deste ano por causa do Fundo Petrolífero. Esse dinheiro está sendo distribuído através de canais institucionais adequados, e não distribuídos como se fossem um presente dos ricos para os pobres. Esse dinheiro pertence ao povo. Desenvolvimento é um direito do povo. Isto não é caridade, como doar cobertores que vêm de potências estrangeiras. Esta é a transferência de fundos de forma legal e constitucional, de acordo com os direitos que o nosso povo tem nos termos da Constituição I, adquiridos através da Assembleia Constituinte. Trata-se de recursos que são do povo retornando ao próprio povo.  Isso é o que é a independência. Continuamos fiéis aos princípios que nos inspiraram e nos fizeram corajosos na nossa luta na Frente Armada, na Frente Clandestina e a Frente Diplomática.  Isto é nacionalismo de verdade, esta é a verdadeira independência.”

A Lei do Petróleo estabelece que não mais do que o estimado Rendimento Sustentável (ESI) deve ser retirado por ano do Fundo Petrolífero. A lei só permite a retirada do excedente com aprovação parlamentar. O ESI é o principal mecanismo pelo qual as gerações futuras têm garantido os benefícios dos recursos naturais muito depois de terem sido esgotados. Em qualquer ano, o valor da ESI vai depender do preço do petróleo e outros fatores.

A atual coligação do governo no Timor, que chegou ao poder em 2007, de forma duvidosa, retirou mais do que o “rendimento sustentável” em 2008 e 2009 – invocando uma cláusula da Lei do Fundo Petrolífero que permitia a transferência do Fundo Excepcional. A questão foi levada ao mais alto nível do sistema judicial timorense no final de 2008.

Aumentos nos gastos recorrentes, como os subsídios de alimentos, os salários dos funcionários públicos e parlamentares, juntamente com grandes projetos de infra-estrutura, aumentaram drasticamente os orçamentos do governo.

Estação de petróleo do Timor Oeste, por Ernst Neumeister [8]

Estação de petróleo do Timor Oeste, por Ernst Neumeister

No seu relatório anual de 2009, a ONG local Luta Hamutuk [9], faz referência a pessoas do distrito de Ermera fazendo perguntas sobre o dinheiro do petróleo durante uma reunião comunitária:

Participants asked for clarification in respect of petroleum fund law […] since reality had showed that government had taken beyond 3% [ESI] to be put into state general budget. Why after such money being taken, still that many of infrastructure projects like roads, schools, and clinics have been performed inappropriately? Where does the money go? Is there any indication of corruption?

“Os participantes pediram esclarecimentos em relação a lei do Fundo Petrolífero, […] já que a realidade mostrou que o governo tomou mais que os 3% [ESI], para ser colocado em orçamento geral do Estado. Por que depois que esse dinheiro foi retirado, ainda existem projetos de infra-estrutura como estradas, escolas não foram realizados de forma adequada? Para onde foi o dinheiro? Existe algum indício de corrupção?”

Até instituições internacionais importantes acionaram o alarme cada um a sua maneira. La'o Hamutuk, de uma ONG, responsável pelo monitoramento do desenvolvimento pós-independência, citou o que o diretor do Banco Mundial do país disse em abril de 2009 [10] [en]:

If expenditure continued to expand at 25 percent per annum, and if medium-term oil prices were to stabilize at about $60 per barrel, which is not impossible, then the Petroleum Fund would be completely exhausted within 8-10 years.

“Se os gastos continuarem a se expandir em 25% ao ano, e se o preço médio do petróleo se estabilizar em $60 por barril, que não é impossível, aí o Fundo Petrolífero estará esgotado em 8 ou 10 anos.”

O Blog Loron Económico [11] salientou que o valor do Fundo Petrolífero realmente diminuiu pela primeira vez entre novembro e dezembro de 2009:

Por ele, se pode verificar que entre o fim de novembro e o fim de dezembro passados, o Fundo viu o seu capital baixar de 5.464,4 milhões de dólares para 5.376,6 milhões. Isto ficou a dever-se principalmente à combinação de dois fatores: uma perda de valor dos títulos que constituem o Fundo Petrolífero devido à queda das bolsas internacionais, por um lado, e e à transferência para o Orçamento Geral do Estado de um pouco mais de 150 mil dólares.

Verificou-se, pois, uma queda do valor do Fundo durante o mês de Dezembro de 2009.

Este ano, a Lei do Fundo Petrolífero é objeto de avaliação e isso pode levar a mudanças significativas na gestão da riqueza petrolífera do Timor.

Outra grande mudança potencial é a criação de uma Companhia Nacional de Petróleo. Pode haver um consenso político em torno da ideia, dado que o atual governo está avançando corajosamente na criação da Autoridade Nacional do Petróleo [12], e da oposição, enquanto o governo também parece favorecer uma Companhia Nacional de Petróleo.

No ano passado, o Vice Primeiro Ministro (e ex-governador do Timor indonésio) Mário Carrascalão, disse o seguinte em uma conferência internacional sobre o tema [13] [eng]:

80% of state revenues come from oil but those revenues are not produced by us. We are just watching other companies develop our resources. It is like before under the Portuguese occupation. It was the same; we just watched. It was also the same under the Indonesian occupation; we just watched. Now there is no occupation. But we are taking the rewards for work done by others.

For sure, we are lacking experience. But the time is right, now.

“80% da receita do Estado vem do petróleo, mas a receita não é produzida por nós. Estamos apenas assistindo outras empresas desenvolverem os nossos recursos. É como antes sob a ocupação portuguesa. Era o mesmo, apenas assistimos. Aconteceu a mesma coisa com a ocupação da Indonésia, apenas assistimos. Agora não há nenhuma ocupação. Mas nós estamos tendo a recompensa pelo trabalho realizado por outros.Com certeza, estamos sem experiência. Mas agora o momento é o correto.”

Uma das preocupações é que a Companhia Nacional de Petróleo, que é capaz de oferecer salários mais altos do que os organismos reguladores do governo, sugue todo o potencial do setor de exploração de petróleo e gás.  Além da falta de pessoal qualificado para trabalhar para a Companhia, uma outra questão é como a entidade irá encontrar capital para investimentos fixos necessários para o crescimento. (A sugestão de que o capital pode vir diretamente do Fundo Petrolífero gera alguma preocupação.)

Junto com a questão da distribuição de terras [14] [en], os debates sobre a Lei do Petróleo e da Companhia Nacional de Petróleo, irão provavelmente se aquecer em 2009, e continuarão a ganhar importância nos próximos anos.

(Des)envolvimentu, por Timor Cartoon, compartilhado sob um licença CC. [15]

"(Des)envolvimentu", por Timor Cartoon, compartilhado sob um licença CC

“Poeta minarai” (que significa “óleo” em tétum) compartilhou um sentimento solene sobre a poesia do grupo blog Timor Do Norte ao Sul [16]:

QUANDO O PETROLEO DORMIA
NO NOSSO TEMPO DE INFANCIA
PAZ E AMOR SEMPRE EXISTIA
POBREZA NAO TINHA IMPORTANCIA

AGORA LIQUIDO INFERNAL
QUE ACORDASTE EM TERRA MINHA
TROUXESTE GRANDE VENDAVAL
MATANDO O AMOR QUE A GENTE TINHA

Este post foi o primeiro de uma série de dois sobre a riqueza dos recursos naturais do Timor-Leste. O segundo post tratará das negociações em curso acerca das fronteiras marítimas, sobre a futura exploração de gás natural no mar do Timor, assim como a questão do oleoduto.