Angola: Entrevista com Feliciano Cangüe, do blogue Hukalilile

Feliciano J. R. Cangüe é autor do blogue Hukalilile (Don't cry for me Angola). Colaborador involuntário do Global Voices, ele é um dos muitos blogueiros que ajuda esta jornalista a escrever e a partilhar com os leitores episódios da sociedade angolana.

Feliciano é o primeiro de vários blogueiros angolanos que farão parte de uma série de entrevistas a serem publicadas no GV. Este professor e engenheiro de profissão, que divide o seu tempo entre Angola e o Brasil, respondeu às nossas perguntas sem camuflagens e rodeios.

Feliciano J. R. Cangüe

Feliciano J. R. Cangüe

O que o levou a ter um blogue?

Agradeço em primeiro lugar a oportunidade que a Global Voices me concede ao abrir-me este espaço.

Foram vários factores que fizeram com que eu tivesse um blogue. Em algum momento da minha vida pensei ser jornalista. Como não foi possível realizar o sonho, vi no blogue a oportunidade de fazer jornalismo cívico ou mais precisamente, jornalismo grassroots, de inclusão, contribuindo para a informação plural. Isso ajudou a popularizar o meu blogue, principalmente quando o Canal de Notícias Club-K passou a reproduzir muitos dos meus artigos. Esta é sem dúvida uma das formas de contribuir para a quebra de monotonia da imprensa oficial, no nosso caso, que só toca uma nota ou da grande mídia que toca repertório do seu interesse. Por outro lado, quando resolvi ter o blogue havia poucas páginas pessoais angolanas. Havia muitas lacunas que precisavam ser ocupadas. E pessoalmente, precisava de uma “margem de Ipiranga” onde pudesse apresentar os meus protestos, um “cry for freedom” para apresentar as minhas ideias, para ajudar a melhorar a sociedade. Afinal de contas, faço parte dela. Achei que Angola poderia chorar por mim se o seu filho fugisse à luta.

Há quanto tempo tem o blogue?

Desde o primeiro trimestre de 2007.

Já estava familiarizado com a utilização de páginas pessoais?

Era um “mar nunca antes navegado” por mim. Hoje no entanto, faço tudo de olhos fechados.

Como encara a blogosfera?

Parafraseando algum pensador, eu diria que a mídia tradicional é boa demais para ser verdadeira. No entanto, a blogosfera é verdadeira demais para ser boa. Não há dúvidas de que é uma alternativa de manancial inesgotável de informações capazes de mudarem para melhor o nosso mundo “vox populi vox dei”. (nota da jornalista: “A voz do povo é a voz de Deus).

Acha que os blogues podem ser considerados como armas de protesto? Porquê?

Nós os angolanos temos trauma da palavra arma e o governo da palavra protesto. Yoani Sánchez por exemplo, consegue fazer do blogue Generaciony Y uma justa metralhadora de protesto contra o governo cubano. Ela procura sempre mostrar o lixo debaixo do tapete praticado pelo sistema político vigente e aquilo que considera injustiças e cerceamento à liberdade dos seus conterrâneos. Os protestos dela fizeram com que fosse distinguida por inúmeros prémios por receber. Para mim, os blogues são verdadeiros instrumentos de justiça social, harmonia e paz. Vieram para quebrar paradigmas.

Aponte um ou dois blogues formadores de opinião.

Posso apontar três blogues angolanos: Pululu, Morro da Maianga e Alto Hama.

O que acha da blogosfera angolana? Os angolanos fazem uso dos blogues como armas de contestação? Considera-os activos?

Em termos gerais, os “Blogues que falam de Angola” são em menor número. Não somos tantos quanto os argentinos que são mais de 260 mil e na sua maioria, dirigidos por menores de 20 anos.

Em termos de organização ainda vai demorar para que tenhamos uma conferência de blogueiros como as que ocorrem em Marrocos com a Blogama, na Bolívia com os Bloguivianos e etc. Entretanto já estamos a marcar presença e esta não deve ser ignorada. Recentemente, o Jornal de Angola curvou-se, bateu continência e reconheceu a força dos blogues angolanos. Infelizmente há muitos factores que contribuem para o estrangulamento do desenvolvimento dos blogues a partir de Angola, nomeadamente o difícil acesso à internet ou o preço elevado dos computadores. As pessoas dão preferência às questões de sobrevivência, relegando as novas tecnologias para segundo plano. Além disso, devido ao prolongado tempo de chumbo que o país viveu, primeiro com os efeitos da inquisição, depois com os 500 anos de dominação portuguesa, seguidos por 14 anos de guerra de libertação nacional e terminando com 30 anos de guerra civil, é natural que a cultura de livre expressão não faça parte do nosso quotidiano. Nesse cenário ser blogueiro é fazer a epopeia de Odisseu.

Na prática vemos poucos blogues com extintores em acção, no epicentro do fogo como é o caso do blogue Alto Hama. Alguns testam e outros apreciam a beleza dos extintores. O importante nisso é que muitos estão a apresentar-se para a corrida e muitos deles já com bons conteúdos e excelentes instrumentos de navegação. Hoje temos blogues com condições para cobrir uma cúpula do G8, por exemplo.

Em relação à segunda parte da pergunta, poucos são os angolanos que usam os blogues como armas de contestação de forma directa. Normalmente os que o fazem são residentes fora do país. Outros fazem-no com a utilização de recursos da intertextualidade. Tudo “debaixo dos caracóis entre os cabelos”. E usam-se parábolas e contestam-se situações que ocorrem noutros países ou atribuem ideias a “entidades amorfas”, como diz Max Gehringer. Muitas vezes isso exige um leitor mais atento ou seja um degustador de bebidas para perceber se o cálice está com vinho tinto ou alguma bebida amarga.

Que perspectiva tem desta Angola em movimento?

Só sei de que o país vai aprovar uma constituição de sistema presidencialista parlamentar. Não sei se isso é bom ou não. Seja como for, se tivéssemos a cultura de mudanças, se os novos quadros e os jovens tivessem a oportunidade de substituir os mais velhos, acredito que teríamos em pouco um país com muitas orquestras ao invés de estarmos sempre a escutar a mesma nota musical rubro-negra, “uma vez ministro, ministro até morrer; mesmo depois da morte, ministro eu sempre hei-de ser.” Se o país apostasse mais na educação como prioridade em vez de obras faraónicas, talvez em pouco tempo, saíssemos do fosso em que nos encontramos. Não há como mudar o país com pessoas de hoje e com a mentalidade de ontem.

Qual foi para si o momento mais marcante dos últimos 10 anos em Angola?

O momento mais marcante ocorreu este neste ano de 2009 quando se anunciou a criação de seis universidades públicas que se juntarão à única existente para totalizar sete.

HUKALILILE (Don't cry for me Angola)

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