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Tradutor da semana: Boukary Konaté, do Mali

Categorias: África Subsaariana, Mali, Desenvolvimento, Educação, Língua, Mídia Cidadã, Tecnologia, Blogueiros

Boukary KonatéBoukary Konaté [1] [fr], 31 anos, ensina francês e inglês em uma escola secundária em Bamako [2], capital do Mali [3].

Fé, e muito trabalho, trouxeram o rapaz da zona rural do Mali a Bamako, onde descobriu e se apaixonou pela a World Wide Web.

Entrar para a equipe de tradutores do Global Voices em Francês [4] [fr] abriu um novo horizonte para ele. Boukary agora está envolvido em vários projetos para promover sua língua materna, bambara [5], na Web, e para trazer mais acesso à internet para a zona rural de Mali.

Se você estiver no lado do iPhone e da “sobrecarga de informação” do abismo digital, perceberá que Boukary tem uma história séria, inspiradora e até mesmo mágica para contar nesta entrevista.

P: Como você descobriu o Global Voices em Francêse decidiu fazer parte da equipe de tradutores?

Aconteceu em dezembro de 2008. Um dia, por volta das 8 horas da noite, eu estava sentado sozinho no meu quarto em Bamako, quando fui tomado pelo desejo de aprender mais. As seguintes palavras formaram-se em minha mente: “eu quero”. Estas são palavras poderosas para mim. Levantei-me, fui a uma internet café, reservei um computador e digitei: “Eu quero” na barra de pesquisa do Google. Consultei os resultados e encontrei o Global Voices en Français. No dia seguinte, me inscrevi como tradutor voluntário.

P: Sua aldeia natal, Sanogola-Bamoussobougou, não tem nem eletricidade quanto mais conexão à internet. Conte-nos um pouco sobre sua vida.

Eu sou o filho de Négué, um fazendeiro, e de Kane Djeneba, uma dona de casa. Cresci na fazenda, ajudando meus pais. Uma noite, estava pastoreando vacas com outras crianças quando conheci um homem na estrada, uma sargento. Sua motocicleta Suzuki tinha quebrado. Seu nome era Lassinè Traoré. Enquanto nós o ajudávamos, ele me perguntou se eu ia para a escola. Eu respondi “não”. Ele foi ver o meu pai e o aconselhou a me colocar para estudar. Voltou uma semanas após a outra, até que meu pai deu o seu consentimento. O sargento Traoré me disse: “Deixo você ali. Você tem agora o dever de se sair bem nos estudos para honrar a mim, e mais tarde para cuidar de si mesmo e dos seus pais”.

Passei seis anos andando seis quilômetros até a escola mais próxima até que me mudei para Bamako para entrar no ensino médio. Trabalhei de pedreiro e fiz bicos nos fins de semana para dar conta das despesas que a bolsa do governo não cobria. Minha mãe queria que eu fosse bem-sucedido na escola, ela fez tudo o que estava ao seu alcance. Fui para o magistério. Gostaria de ter ido para a universidade, mas não tenho condições para isso. Então aprendi por conta própria a usar um computador e a navegar em ciber-cafés em Bamako. A internet acalmou minha sede de conhecimento.

Boukary (left) and his father in hunting gear

Boukary (à esquerda) com seu pai e uma foto dele vestindo sua roupa de caçador. Foto: Toujours Pas Sages, no Flickr

Q: Como é conexão à interent em Mali hoje em dia?

O Mali fez muito para promover novas tecnologias na administração desse governo, mas há muito a se fazer para conectar as pessoas, especialmente nas áreas rurais. O interesse em novas tecnologias é enorme, mas as pessoas não podem acessá-las. O custo de computadores pessoais, capacitação e conexão à internet são muito elevados. Um computador portátil novo custa o equivalente a seis meses de salário de um professor. Em Bamako, uma hora em um cyber café custa em torno de 500 francos CFA (1 dólar) ou até 1.000 francos CFA em cidades menores. Compare isto ao preço de um saco de 50kg de arroz, que é 17.500 francos CFA (cerca de US$ 38,00), é bem fora do alcance da maioria das pessoas.

Q: Você não apenas começou a blogar desde que se juntou ao Global Voices, o idioma do seu blog é Bambara!

Aconteceu porque o Maneno.org [6], uma plataforma de blogs para África co-fundada pela autora e tradutora do Global Voices Elia Varela Serra [7] precisava de tradutores africanos. Falo e escrevo em bambara, a principal língua do Mali. Bambara possui fontes especiais [veja este post [8]] e nenhum teclado. Nós resolvemos esse problema com um teclado virtual [9]. Eu localizei a plataforma em bambara [10] e abri meu blog, o Fasokan [11]. Blogo em bambara e francês sobre o Mali, os problemas dos agricultores e os meus pensamentos.

Agora tenho uma grande vontade de promover as línguas africanas na Web, de modo que o povo africano possa se relacionar e compartilhar em todo o continente. Na área rural do Mali, muitas pessoas falam e aprendem a escrever apenas bambara na escola primária. Eu quero que elas sejam capazes de acessar a Web em bambara também.

Boukary treina moradores de vilarejos em Mali a usar a internet. Foto: Toujours Pas Sages no Flickr [12]

Boukary treina moradores de vilarejos em Mali a usar a internet. Foto: Toujours Pas Sages no Flickr

Q: Esse sonho se tornou realidade neste verão?

Meu sonho era trazer a internet para minha aldeia, para introduzir a minha família e os agricultores à web. Através da Global Voices em francês, eu conheci Albertine Meunier, que realiza oficinas de internet com os idosos na França [13]. Lançamos o projeto Toujours Pas Sages [14] (Ainda Não Sábios) no Maneno, em francês e bambara. Graças à Fundação Orange Mali [15], temos uma conexão de internet móvel para lugares remotos.

Com laptops e telefones com câmera doados, Albertine, sua amiga Caroline e eu treinamos crianças e adultos durante duas semanas em Ségou [16] e minha aldeia sobre como usar o Google para encontrar informações, e como usar a web para fazer upload de fotos e vídeos digitais. Os aldeões ficaram tão surpresos que eles sabiam ler e escrever em bambara na Web! Foi um grande sucesso.

Meu pai é caçador e estava muito curioso sobre os caçadores na América e como eles caçam. No Google, ele finalmente descobriu como. E também aprendi que é possível para carregar um telemóvel com um dínamo preso a uma bicicleta. Agora, vamos tentar treinar os meus alunos em Bamako.