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Brasil: Quando mudanças climáticas e ciber-ativismo se encontram

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Desastre, Governança, Meio Ambiente

Na última terça-feira, dia 05 de maio de 2009, a cidade de Salvador, primeira capital do Brasil, experimentou momentos de desespero com a forte chuva que atingiu todo seu território. Centenas de ocorrências foram recebidas pela Defesa Civil, tendo registrado 392 solicitações de atendimento de emergência até as 19h desse dia. Além dos desabamentos de casas, quedas de árvores e deslizamentos de terra, houve o congestionamento do trânsito nas avenidas da cidade, causando transtorno para muitos motoristas e passageiros de ônibus.

Nas regiões onde existem habitações impróprias, condenadas por falta de estrutura e risco de desabamento, registrou-se a morte de 3 pessoas, no bairro de Pirajá. Além disso, mãe e filha sofreram um acidente em uma nas mediações da Avenida San Martins. Elas caíram em um canal de água e foram arrastadas pela forte corrente. O corpo da mãe foi encontrado na manhã da quarta-feira, enquanto que o da filha somente foi encontrado no dia seguinte, em 07 de Maio.

O fato considerado catastrófico para a população, denuncia mais uma vez a ocorrência de acontecimentos de ordem natural que em momentos anteriores atingiam a cidade com menor intensidade. Alia-se a isso, a falta de planejamento urbano e habitacional das maiores cidades brasileiras, uma vez que as autoridades locais negligenciam o crescimento descontrolado de casas e favelas em encostas, expondo os próprios moradores ao risco de acidentes e morte.

Photo do usuário do twitpic @danielvbo [1]

Foto do usuário do twitpic @danielvbo

Atualmente as regiões Norte e Nordeste do Brasil têm sido fortemente atingidas pela chuva. Milhares de pessoas estão desabrigadas e vários casos de morte já foram registrados. Wander Veroni, autor do blog Café com Notícias, denuncia [2] a situação de emergência. Ele diz:

“Ao lembrarmos da tragédia das chuvas de Santa Catarina parece que a situação do Norte e Nordeste é ainda mais grave, principalmente no interior. Só no Ceará, centenas de famílias estão completamente ilhadas na zona rural e sem acesso à água potável, devido a adutora que foi destruída pela enxurrada. Já no Piauí, o governo estadual pediu ajuda ao Exército para socorrer a população atingida pela chuva.”

Edigarde Rodrigues, do O Blog de Edigarde Rodrigues, questiona a situação com bastante criticismo. Destacando a atenção que não fora direcionada aos estados do Norte e Nordeste pela população e pelo governo, ele diz:

“As regiões Norte e Nordeste do Brasil, que estão sofrendo com as fortes chuvas nas últimas semanas contam com 20 mortos e mais de 700 mil desabrigadas. Dos dez estados atingidos pelas enchentes o Piauí é o mais afetado com 50 mil desabrigados e 40% do seu teritório comprometido pelas enchentes. O mais intrigante é a indiferença da população do resto do país que ao contrário do que aconteceu no ano passado com os estados do sul ainda não fizeram nenhum tipo de campanha pública para angariar fundos de auxílio aos desabrigados”

Foto do usuário do twitpic @danielvbo [3]

Foto do usuário do twitpic @danielvbo

Liberdade Digital [4], por sua vez, em um post dedicado às chuvas no Nordeste do país, solicita a ajuda dos usuários de redes sociais para difundir informações sobre a situação e pedir ajuda para as populações afetadas pelas enchentes:

“Esperando mais uma participação em massa da blogosfera brasileira, o L.D. faz um apelo: se você tem um blog, um site, uma lista de e-mail, participa de alguma rede social, ajude na divulgação desta informação. É fundamental que as empresas de transporte ajudem. É preciso sensibilizar também as companhias áreas e empresas de táxi aéreo para que emprestem helicópteros.”

Durante os eventos em Santa Catarina [5] nos últimos meses de 2008, especialmente em Novembro, os blogs brasileiros tiveram uma participação importante na real cobertura da catástrofe [6]. Informações sobre número de vítimas, enchentes, alagamentos, desaparecimentos e como ajudar as vítimas eram atualizadas constantemente em diversos blogs. Dessa vez, o mesmo tipo de reação tem se espalhado pelos blogs brasileiros e dentre os usuários de Twitter e outras redes sociais.

A jornalista Sarita Bastos [7] publicou recentemente um mapa [8] no Google Maps contendo informações sobre as enchentes na região, que inclui as formas de ajudar a população local. A idéia do mapa é promover a colaboração entre os usuários dessa tecnologia e fazer com que adcionem depoimentos pessoais sobre os eventos.


Visualizar Maranhão – mapa das enchentes [9] em um mapa maior

Angariação de verba também já começou. Balada Solidária [10] promovido por Cynthia Costa, que objetiva o direcionamento de parte da receita de bares e restaurantes da capital do Estado do Piauí, Teresina, para a compra de alimentos e recebimento de doações é destaque dentre as primeiras iniciativas.

O blog Observatório do Clima [11] enfatizou em um post recente a falta de estrutura que as cidades sofrem para se prevenir desse tipo de acontecimento:

“[…] medidas concretas para um programa de adaptação consistente não existem no Brasil. No mês de abril,  Ivone Maria Valente, diretora de Minimização de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil, afirmou em entrevista à Agência Brasil que o país não está preparado para lidar com fenômenos extremos ocasionados pelo clima. O máximo que se ouviu falar em repercussão sobre o assunto é que a Câmara dos Deputados voltou a discutir o estabelecimento de um Fundo de Catástrofes, mas sem grandes avanços e sem que esse esteja relacionado a uma Política Nacional de Mudanças Climáticas.”

Em contrapartida, no Estado de Santa Catarina, sul do país, cuja população sofreu com as enchentes e deslizamentos de terra no ano passado, agora é atingido pelas fortes secas. James Pizarro, do blog Antes que a Natureza Morra [12] completa a informação da Defesa Civil de Santa Catarina. Ele diz:

“A estiagem que castiga as regiões oeste e meio-oeste de Santa Catarina levou 31 municípios do Estado a decretarem situação de emergência, sendo que 11 deles em abril – Santa Helena, Maravilha, Princesa, Presidente Castello Branco, Seara, São José do Cedro, Descanso, Chapecó, Coronel Freitas, Sul Brasil e São João do Oeste. Todos esses municípios enfrentam problemas de seca desde o final do ano passado, mas a situação se agravou e as atividades agropecuárias estão bem prejudicadas, segundo informou a Defesa Civil.”

Foto tirada pelo usuário @kingars [13]

Foto tirada pelo usuário @kingars

O leitor e blogger Catarino, do Blog do Catarino [14], em resposta ao post no Café com Notícias [2], relatou sua indignação quanto ao prejuízo causado pelas variações climáticas que acontecem no Brasil. Segundo ele:

“As variações climáticas estão causando mais prejuízos para a população do que a crise econômica, pois são cidades inteiras em calamidade. Aqui no Rio Grande do Sul é a seca que acaba com as plantações e com o gado. Nesse ritmo logo a vida vai se tornar muito difícil em nosso planeta.”

Twitter: Jornalismo colaborativo e redes sociais

Em Salvador, no mesmo dia em que aconteceu a chuva que causou enchentes na cidade, foi a vez do Twitter surgir como uma ferramenta de rede social que ajudaria a mostrar um panorama detalhado do que aconteceu naquele dia, acompanhado por algumas emissoras de rádio. Em oposição, a mídia convencional e seus portais na Internet balbuciavam breves informações em horários fixos da programação.

Enquanto a mídia convencional se dedicava somente a cobertura superficial dos acontecimentos do dia, a twittersfera baiana agia rapidamente ao traçar o perfil da notícia de uma forma colaborativa. Informações sobre engarrafamentos, desabamentos, relatos de assaltos aos motoristas presos no tráfego, dicas sobre alternativas de trânsito, além de fotos das áreas que sofreram alagamentos em toda a cidade foram um exemplo do ciber-ativismo proporcionado pela rede social Twitter.

O professor associado da Faculdade de Comunicação e coodenador do Centro de Cibercultura da UFBA (Universidade Federal da Bahia [15]) André Lemos, que bloga no Carnet de Notes [16], relatou a experiência como um show de mídia alternativa e mostra de como os veículos comunicacionais atuais estão perdendo prestígio. Ele afirma:

“Fui ver alguns jornais online locais mas não achei nada muito…informativo, ou algo que me servisse imediatamente e localmente. Abandonei e voltei ao Twitter, muito mais intenso, rápido e detalhado. E não tinha mesmo como ser diferente. No Twitter, acompanhando a tag #chuva e #salvador eram inúmeras pessoas escrevendo em tempo real […]”

Ana F., do Blog da Ana F. [17], comentou no blog Jornalismo de Bolso [18] parte de sua experiência ao acompanhar as hashtags #chuva e #salvador pelo Twitter:

“[…] ilhada como fiquei em casa, pude acompanhar e participar da cobertura em tempo real proporcionada pelo Twitter. Como comentei em outro blog: hoje, sites e jornais de nada me serviram. As decisões tomadas o foram graças à interação no Twitter.”

Foto do usuário do twitpic @ksuella [19]

Foto do usuário do twitpic @ksuella

A velocidade da informação no Twitter ultrapassou a cobertura da mídia de massa. Em um exemplo de Jornalismo Colaborativo os usuários da rede social construíram a matéria que mais teria espaço nos telejornais posteriormente. Yuri Almeida, que também participou das discussões no Twitter, postou [20] em seu blog Herdeiro do Caos [21]:

“[…] os tuiteros de Salvador conseguiram mapear os principais problemas de alagamento, engarrafamento, arrastão e outras informações sobre o problema da capital baiana. O melhor: de forma colaborativa (textos e imagens [22]), dialógica e auto-organizada. A turma atendeu aos pedidos e os tweets marcados com as hashtag #chuva e #salvador, o que resultou em uma memória informacional do fato. Não há dúvida de que a cobertura via Twitter [23] foi a melhor da tragédia da cidade do Salvador.”

As fotos acima ilustram o caos que a chuva trouxe a Salvador. Tiradas por usuários do Twitpic e uma mostra do que acontece atualmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Além das fotos, alguns moradores enviaram vídeos da cidade após a chuva para o YouTube. EdTitoBa [24] enviou parte de um vídeo do bairro Itaigara que mostra como a água invadiu a avenida Antônio Carlos Magalhães, no centro da cidade.