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Brasil: Lula e Obama se reúnem enquanto a crise chega ao Brasil

Categorias: América do Norte, América Latina, Brasil, Estados Unidos, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Governança, Humor, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, Relações Internacionais

O presidente Luiz Inacio Lula da Silva é o primeiro chefe de estado da América Latina a conhecer o presidente americano Barack Obama. O encontro aconteceu em Washington [1] [en], no sábado 14 de março. Os líderes conversaram sobre a crise econômica global, comércio, meio-ambiente, energia e tecnologia para combustíveis limpos, além do estabelecimento de um relacionamento mais construtivo com países vizinhos — em especial com a Venezuela e Bolívia.

A reunião foi descrita por Obama [1] [en] como um “um maravilhoso encontro de mentes”. Lula foi o terceiro líder a ser convidado à Casa Branca, na sequência dos encontros com o Primeiro-Ministro Japonês Taro Aso e o britânico Gordon Brown. Isso demonstra como as relações dos Estados Unidos com a maior economia da América do Sul — o Brasil está entre os 10 principais parceiros comerciais dos E.U.A e é um país que se mantêm em uma posição melhor que muitos outros países nesses tempos de crise — parecem agora ser prioridade. No passado, durante a administração de Bush, as relações entre os dois países eram amistosas, mas acredita-se que ambos países poderiam se beneficiar de uma maior parceria.

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O presidente Barack Obama saúda o Presidente Lula no sábado, 14 de março de 2009 na Casa Oval. Foto: White House/Pete Souza [1], publicada sob licença do Creative Commons

Após quase duas horas de conversa a portas fechadas, a última meia hora da reunião foi aberta à imprensa e transmitida ao vivo no Brasil. Muitos blogueiros reagiram de imediato ao encontro, sem deixar de lado o sarcasmo. Esse tem sido o tom predominante quando se fala da crise financeira desde que o Presidente Lula alegou que a a pior crise econômica mundial desde os anos 30 passaria como um tsunami em outros países, mas que no Brasil ela seria nada mais que uma marolinha. José Pires [2] está entre esse grupo de blogueiros, comentando as “lições que Lula ensinou a Obama”:

Eu estava bastante preocupado com a crise econômica global, mas acho que a partir do encontro de hoje as coisas vão melhorar. Vejam o que o Lula foi fazer lá. São palavras dele: “Nós não podemos esperar 10 anos. Essa crise tem que terminar este ano. Portanto, tem coisas que precisam ser feitas com urgência. Eu sei algumas coisas que precisam ser feitas, vou conversar com Obama”.

Ufa! Até que enfim apareceu alguém para dar jeito nessa marolinha. A pessoa que vem logo atrás de Lula é o tradutor dele. Espero que ele tenha passado direito as determinações de Lula para o presidente Barack Obama.

Antônio Santos [3] traz um resumo do encontro, que de acordo com os dois presidentes foi bastante positivo:

Na coversa com Barack Obama, o presidente Lula disse que a economia brasileira foi a última a entrar na crise e será a primeira a sair. Por sua vez Obama defende também a manutenção da demanda entre os países afetados pelo desmoronamente financeiro. O presidente americano quer, notoriamente, nações submissas, porém com condições de resolver seus problemas, principalmente os econômicos. O tão falado Etanol também foi tocado no encontro entre Lula e Obama. Nos parece que o americano ficou um tanto entusiasmado com a idéia de fazer parcerias no sentido da utilização do biocombustível. Isso é bom para o Brasil.

Uma semana de notícias ruins – A crise acaba de chegar

Enquanto isso, as piores notícias desde o início da crise econômica no ano passado começaram a dominar as manchetes no país a partir da semana passada. Depois de apresentar um crescimento impressionante em 2008 e apesar das políticas econômicas cautelosas que têm ajudado o Brasil a manter uma posição melhor do que a maioria das grandes potencias mundiais, tudo indica que a crise econômica global começou, por fim, a morder o Brasil.

A imprensa noticiou uma queda da produção industrial, enquanto o desemprego aumenta. Mais de meio milhão de pessoas perderam seus empregos desde dezembro, com o índice de desemprego chegando a 8,2% em janeiro. Já não há crédito. Segundo notícias divulgadas pela Federação da Indústria de São Paulo, o Brasil é o segundo país mais afetado pela crise. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgou seus últimos índices econômicos, os piores resultados em 10 anos: a economia registrou uma queda de 3,6% no produto interno bruto de outubro a dezembro.

Embora o Presidente Lula continue confiante e tenha dito que o “pior da crise já passou”, blogueiros como Ligia Muccillo [4] declaram o fim do otimismo:

De repente, toda aquela história que Deus é brasileiro e que a crise está longe de chegar aqui acabou, o otimismo do governo diminui a cada índice.

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Uma charge do Benett [6], usado com permissão do artista

O sociólogo Rudá Ricci [7] diz que até agora era apenas uma questão de interpretações de números, mas que as notícias dessa semana confirmam que o gigante sul-americano também está às portas da recessão. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) divulgou uma queda na produção, em baixa de 4.3% de um nível já baixo em dezembro. Ele publica alguns números:

(A crise) Já atinge parte significativa da indústria e afetou a percepção dos empresários brasileiros. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou nesta quinta que, entre as 431 empresas consultadas, 80% disseram ter adotado alguma ação em relação a seus trabalhadores por conta da crise. Desse total, 54% (43% do total de entrevistados) informaram ter demitido empregados ou suspendido serviços terceirizados. Mais da metade (53%) disseram que suspenderam contratações planejadas, 32% informaram que concederam férias coletivas e 27% disseram ter adotado banco de horas. Sobre a possibilidade de adoção de outras ações para conter os efeitos da crise, 36% das que informaram que vão adotar alguma precaução responderam que vão demitir empregados ou suspender serviços terceirizados. Outros 24% disseram que vão diminuir a jornada de trabalho e os salários e 22% responderam que vão suspender contratações planejadas.

De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o produto interno bruto brasileiro caiu mais no ano passado do que em praticamente todos os outros países do mundo. A organização comparou o desempenho do PIB em vários países, dentre os quais os Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Canadá, Coréia do Sul, China e México, e concluiu que o Brasil teve a segunda maior redução do produto interno bruto desde o início da desaceleração mundial, atrás apenas da Coréia do Sul. Jesse [8] contesta a veracidade de manchetes que dizem que, por causa disso, o Brasil é o segundo país mais afetado pela crise [9]:

Qualquer que seja a notícia negativa, ganha logo as headlines dos sites e jornais, diferente das positivas. A FIESP declarou que o Brasil é o 2º país a mais sentir a crise. Então essa crise tá menos que marola mundo afora, hein? Curioso é ver a crise nos EUA. Acampamentos enormes de pessoas que tinham casa, carro, família e dignidade e agora não conseguem nem carregar seus pertences. Empresas especializadas não conseguem dar conta da quantidade de coisas que as pessoas largam em casas desapropriadas. Uma fatalidade. Mas, segundo a FIESP, o Brasil sentiu bem mais a crise. A nova do dia é que SP perdeu 200 mil postos de trabalho em 5 meses. Bora fazer o levantamento desse primeiro trimestre? Uma coisa que eu não entendo, de verdade, é a torcida para que a crise chegue com força. (…) TODOS os jornalistas, de TODOS os jornais, não escondem nada o tom de torcida, de ” olha, esa crise vem sim, pode esperar que se não for agora, mais tarde vem dicunforça”.

A parte Burra e imediatista do nosso empresariado, com certeza, torce pela crise. Um dos meus melhores amigos trabalha numa famosa empresa de cosméticos, e disse que a crise é boa para o setor; pois você, dona de casa, ao invés de comprar uma geladeira nas Casas Bahia, compra um batãozinho, um creminhu, uma coloniazinha; porque, dinheirinho, a sra continuará tendo.

Sobre o mesmo assunto, Luiz Antonio Magalhães [10] também acredita em uma forte manipulação das notícias por parte da mídia. Ele diz, sarcasticamente:

É um absurdo tão grande que só rindo mesmo para aguentar tamanha manipulação. Não demora e a grande imprensa vai começar a vender a coisa direito: a crise no Brasil é a mais grave no planeta e é tudo culpa do Lula. Se colar, colou (…) O ridículo tem limites, mas a mídia os desconhece.

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Uma charge do Benett [6], usado com permissão do artista

Houve ainda mais notícias ruins na semana que passou. De acordo com o IBGE, o Brasil perdeu 3,6% de seu produto interno bruto no primeiro trimestre de 2008 e será difícil alcançar a meta de 4% de crescimento para 2009. Marcos V [11] confronta esses indicadores econômicos com as palavras de reconforto do presidente no início da crise:

Pois bem, ainda em setembro de 2008 ficou claro que a crise estava por aqui. As empresas e bancos brasileiros não conseguiam mais financiamentos no exterior e, por consequência, o crédito interno sumiu. E o pouco que havia era oferecido com taxas proibitivas. As exportações, como era de se esperar, cairam fortemente.

Deu em todos os lugares, o Brasil teve no último trimestre de 2008 um dos piores desempenhos do mundo e o PIB em relação ao trimeste anterior desabou 3,6%. A queda foi tão grande que se espera estabilização para o primeito trimestre de 2009. Como a variação é medida em relação ao trimestre anterior, o fato de já ter caido muito tende a fornecer um piso.

A questão principal é a reação do governo brasileiro ao longo da crise. Esse período de reajusto econômico teve seu momento filme-catástrofe com a quebra do banco americano de investimentos Lehman Brothers (setembro/2008), mas na verdade começa com a crise imobiliária americana ainda em 2007. Ou seja, estamos já há um ano e meio em crise. E qual foi a reação do messias de Garanhuns , da equipe econômica e da senhoura Dilma Rousseff? Desdenharam publicamente da crise.

chargebenettfsp [6]Uma charge do Benett [6], usado com permissão do artista

Bruno Kazuhiro [12] se pergunta se a atitude positiva com a qual o governo trata a crise tem interesses políticos como mote principal:

Se o Brasil não está sofrendo golpes mortais com a crise, também não está ileso. O governo deveria, simplesmente, admitir isso e partir para a ação possível. Nada de negar o que já é sabido. Nada de pensar em ganhos eleitorais e políticos desprestigiando o prejuízo já ocorre de verdade.

Parece que o governo ainda não entendeu que ele, de qualquer forma, não será culpado pela crise ter existido. Não se precisa ter medo de perder votos admitindo que ela existe. O que o povo quer ver, para não se decepcionar, é um governo que trabalha para minimizar os efeitos internos, assumindo o que está ocorrendo e jogando limpo. Se isso não for feito é que o governo será criticado. Como já está sendo.

Luiz Carlos Azenha [13] também acredita que o Presidente Lula não tem coragem de admitir o tamanho real da crise:

Eu vivia em Washington quando comecei a acompanhar a crise. E não é preciso ser um gênio para constatar que, diante da globalização e da financeirização do mundo — dois fenômenos que se entrelaçam — uma crise profunda nos países centrais afeta as economias ditas “periféricas”, por mais que elas estejam preparadas. O risco de os maiores bancos dos Estados Unidos falirem é um sinal da profundidade da crise.

Sim, o Brasil tem um mercado interno, mas não vive só dele. Vive, também, da exportação de seus produtos. A crise atingiu não apenas os Estados Unidos, mas também a União Européia. Dois grandes mercados brasileiros. Reduziu o crescimento na China, outro mercado importante. “Marolinha”, como definiu o presidente da República? Até entendo que Lula faça o papel de “dourar a pílula”. Nos Estados Unidos, Barack Obama tem sido criticado pelo tom catastrofista que adotou. O governo brasileiro já admite que o crescimento do Brasil não atingirá a meta de 4% em 2009. (…)

Vai ficar cada vez mais óbvio, no Brasil, que o governo Lula demorou a agir. Só posso especular que os quadros governamentais não se deram conta da gravidade da crise que teriam pela frente. O conservadorismo do Banco Central é típico de quem não se deu conta de que estamos vivendo um momento de transformação. Não se trata, apenas, de mais uma crise, mas “da crise” de nossa geração. Não dá para aplicar velhas receitas em problemas novos.

A doença que acometeu os governos Sarney e FHC também pegou o governo Lula: a falta de coragem política.

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Uma charge do Benett [6], usado com permissão do artista

Lula e Obama se encontrarão de novo na C úpula do G20 que reúne os principais países ricos e em desenvolvimento, em Londres, em 2 de abril. A maioria dos líderes latino-americanos terá a primeira chance de conhecer o novo presidente americano na 5ª Cúpula das Américas, que acontecerá entre 17 e 19 de abril em Trinidad e Tobago.