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Angola: Celebrando o mês da mulher angolana com poesia

Categorias: África Subsaariana, Angola, Arte e Cultura, Literatura, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

Estamos no mês de Março. Mês de cariz feminino e dedicado às mulheres deste mundo [1] [en]. Mas também dedicado à mulher angolana. Aquela que sofre, ama e luta de sorriso aberto e garra no olhar. Mês das mulheres zungueiras [2] que carregam a mercadoria na cabeça e os filhos às costas. Mês da mulher empresária que desbrava caminho nesta sociedade machista e implacável. Março – mulher. Da esposa espancada por um marido [3] sem alma. Março. Mês dedicado a estas mulheres e a todas as outras que fazem de Angola um país mais forte e mais caloroso.

Celebra-se o Dia da Mulher Angolana a 2 de Março, devido à coragem de quatro mulheres que lutaram pela independência de Angola (Deolinda Rodrigues, Irene Cohen, Engrácia dos Santos e Lucrécia Paim) e que supostamente foram capturadas numa emboscada armada pela FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), no norte de Angola. Foram presas e mortas, mas os nomes destas mulheres continuam presentes na memória dos angolanos.

Como seria de prever, os blogues angolanos não deixaram passar esta data em branco. No blogue Conde de Angola [4] o autor faz um retrato fiel da mulher angolana e dá início à sua prosa com um bonito poema de Décio Mateus Bettencourt:

“O miúdo nas costas, faminto

O sol queimando

O sol assando

O miúdo nas costas, faminto de alimento

As moscas acariciando-o

E o lixo distraindo-o!

A zungueira zunga, cansada

Na cabeça, o negócio e o sustento

E nos pés empoeirados

O cansaço dos quilómetros galgados

O cansaço da distância percorrida

A zungueira zunga, o miúdo nas costas faminto!”

Este pequeno excerto do poema de Bettencourt retrata o “espírito guerreiro” das mulheres angolanas, também conhecidas por zungueiras. Começo assim o texto desta semana, dedicado a todas as mulheres de Angola, que no passado dia 2 de Março receberam homenagem com a comemoração do Dia da Mulher Angolana… e bem que elas o merecem, são umas autênticas leoas, especialmente as mulheres do pré-guerra. Gordas, magras, altas, baixas, convencem pela conversa transformando um perfume da Avon num perfume Channel. Em média têm sete filhos cada uma, há quem diga que este fenómeno se deva ao facto de só cerca de 6% usarem métodos contraceptivos, o certo é que a programação da TPA (Televisão Pública de Angola) também não ajuda a que este número baixe e por outro lado temos o ego masculino que pode ser rejeitado socialmente senão procriar. Enfim, é tudo a ajudar.

Longe estão os tempos em que o ganha-pão era responsabilidade só dos homens. Agora a sobrevivência passa a ser uma questão de igualdade, mas onde a mulher carrega tudo: carrega a criança às costas, muitas vezes carrega uma às costas e outra dentro da barriga, carrega as robustas cargas para a venda do dia, carrega o sol na cabeça quando sai e retorna com ele, carrega a ingratidão do marido com os copos, carrega as lamentações das crianças, carrega, carrega, carrega…”

António Spíndola [5] expôs a sua opinião sobre este dia, realçando a importância e a luta travada pelas mulheres angolanas:

“Em Angola as mulheres pretendem chamar a atenção para o seu papel e a sua dignidade, bem como levar a sociedade a ter uma consciência social do valor da pessoa, a perceber o seu papel e contestar e rever preconceitos e limitações que têm sido impostos à mulher. Como mães, esposas, filhas, ou simplesmente como mulheres, elas têm lutado pela sua emancipação, combatendo o analfabetismo e os actos de violência no género e na família. Elas estão, sobretudo, firmemente inseridas no processo de reconciliação e reconstrução nacional”.

E para terminarmos este texto dedicado à mulher angolana, eis um poema retirado do blogue Universal [6]:

“Aguardo sempre a infinita espera da demora
Como na magia das margens do meu céu
desespera um anjo

Nunca esquecerei o meu gesto de ternura
Sempre dedicado ao meu filho
no longínquo abandonado
Por promessas que nunca serão cumpridas

Nunca esquecerei as esperas
das minhas incontáveis bichas

Filas humanas para conseguir o essencial
de todos os dias
Séculos e séculos desesperados
para me afirmar como mulher

Com dignidade de escrava
habituei-me a suportar
Os desprezos que sobre mim tem lançado
E nesta condição humana provocada
Renasce-me a negra existência
e medito, reafirmo:

Sou negra como o sol castanho
amarelecido das tardes
Como o luar das noites, naturais
Manchada das alvas amarelas do anual
malmequer

Porque sou bela, como o amanhecer
de todos os dias
Sou negra, digna descendente
da nobreza africana”

euridicedeangola [7]
Foto de uma angolana chamada Eurídica, tirada pela usuária do Flickr ccarriconde [8] publicadas no Global Voices com permissão da autora.