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Brasil: Os homens da “Lei de Cybercrimes” vão ao acampamento dos “Cybercriminosos”

Categorias: América Latina, Brasil, Arte e Cultura, Ativismo Digital, Juventude, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia e Jornalismo, Música, Protesto, Tecnologia

Foto por Daniel Pádua [1]O projeto de lei de Cybercrimes [2] proposto pelo Senador Eduardo Azeredo [3] é sempre fonte de grande controvérsia (leia mais aqui [4] [En], aqui [5] [En], aqui [6], aqui [7], aqui [8], aqui [9], aqui [10] e aqui [11]). Não é nenhuma surpresa que a controvérsia seja ainda maior quando o projeto de lei é trazido a debate em um grande encontro de cybercultura [12]. E foi exatamente isso que aconteceu no Campus Party Brasil 2009 [13], quando o braço direito de Azeredo, José Henrique Portugal, e o desembargador mineiro Fernando Botelho foram convidados a defender o projeto de lei em um debate [14] com as multidões furiosas de geeks usuários de bit-torrent e viciados em p2p presentes no evento.

Alberto Marques, do blog gJOL, nos conta [15]:

“Portugal e Botelho tiveram muita dificuldade para apresentar seu ponto de vista sobre o projeto, sofrendo intensos protestos.”


José Henrique Portugal olhando para o público, que protestava contra as violações de privacidade e o autoritarismo do projeto de lei de cybercrimes

O blogue Meme de Carbono apresenta um longo post discutindo o projeto de lei de Cybercrimes em face da nova era de comunicação e tecnologia trazida pela internet, e lista algumas razões para concordar e muitas razões para discordar do projeto de lei de Azeredo. Ele explica em poucas palavras [16] porque o projeto de lei de Cybercrimes enfrenta uma oposição tão forte dos cidadãos digitais brasileiros:

“Caso o projeto de lei de cibercrimes seja aprovado você terá medo de se expressar.
A liberdade de expressão apoiada pela Internet é uma grande ameaça a uma estrutura de poder estabelecida entre mídia, governos e corporações.
O poder estabelecido está acostumado a comunicar e não a interagir com seu ouvinte, mas nós queremos ser interlocutores do nosso tempo.
A pressa em aprovar a criminalização dos cibercrimes não vem de um apelo popular, mas dos interesses do poder estabelecido que defende uma forma de democracia que não é mais suficiente.”


Da esquerda para a direita: Ronaldo Lemos, Sérgio Amadeu, o mediador do debate (no centro), Fernando Botelho e José Portugal.


O público aplaude o discurso de Sérgio Amadeu em defesa da anonimidade da rede e atacando a ‘Lei Azeredo’.


Cartazes defendendo a liberdade, neutralidade e anonimidade da rede, e atacando a ‘Lei Azeredo’ e criticando o seu principal defensor, o senador Eduardo Azeredo, foram exibidos pelo público durante todo o debate.


Mais um cartaz em defesa da liberdade da rede, exibido por um dos participantes da platéia do debate

Mas poucos minutos antes que o último participante da mesa terminasse sua exposição inicial, os organizadores do evento informaram ao público que não seria aberto espaço para perguntas feitas por quem assistia o debate aos participantes da mesa, pois o “debate” já havia tomado tempo demais e teria que ser encerrado por conta de outros eventos agendados para o mesmo local. Daniel Pádua reclama [17] da falta de verdadeiro debate público no “debate”:

“Debate sobre lei de cibercrimes poderia ter entrado para a história com a participação direta da sociedade (o que faltou à audiência pública): o evento foi interrompido pela presença do governador em exercício próximo ao debate.”


Tux, o pinguim do Linux, também se manifestou contra o projeto de lei.

Jorge Araújo, juiz e blogueiro brasileiro que escreve o blogue Direito e Trabalho, critica a intenção de se criar novos crimes no já obeso Código Penal Brasileiro:

“Os defensores da lei estão errados ao buscar que se emplaque mais uma norma ao nosso combalido sistema jurídico, prevendo penas de prisão, quando sabemos que ladrões e assassinos são soltos diariamente justamente em virtude da falência de nosso sistema prisional […] Por outro lado para que se criminalize um delito é necessário que ele traga à sociedade um verdadeiro clamor, do tipo que antes de ser considerado crime ele já receba a censura da sociedade. […] Não é o que ocorre com os delitos que se pretendem penalizar. Pelo contrário muitas práticas que se pretendem penalizas são adotadas pela grande maioria dos presentes na Campus Party e desconhecidas pelo restante da população para o qual o computador é, quando muito, uma máquina de escrever sem papel.”


Muitos participantes usavam narizes de palhaço e protestavam contra o projeto de lei que transformaria todos os presentes em criminosos.

No mesmo post, Araújo critica os argumentos usados por Sérgio Amadeu em sua defesa da anonimidade online:

“o anonimato que se permite, e até exige, em regimes de exceção, como os regimes autoritários da China, Cuba, mas também de subjugação como dos próprios países árabes, como o Iraque em face dos Estados Unidos, não se pode confundir com um anonimato interno, que se pode voltar contra os demais cidadãos. Até porque não se cogita que atue anonimamente em um regime democrático sem um propósito escuso.”

Em um comentário ao post de Araújo, Raquel Recuero [18] discute a questão da anonimidade e dos possíveis usos de toda a informação que se tornará disponível ao governo, e a quem mais puser as mãos nela, se a lei de cybercrimes for aprovada, forçando os provedores de acesso à internet e as LAN-houses a manter um registro das atividades de seus usuários:

“A lei prevê a obrigação dos provedores de registrar dados de navegação de todos os usuários. TODOS. Isso é, para mim, uma invasão de privacidade por presunção de que, ao navegar, estarei cometendo um crime. Dados esses que poderiam ser usados para outras coisas – penso, por exemplo, no valor publicitário de conhecer os hábitos de navegação das pessoas (eu detesto spam); nas investigações privadas de adultério (detetives); etc. etc.”

Araújo termina seu post criticando Eduardo Azeredo por não ter comparecido ao debate, enviando apenas seu braço direito José Portugal:

“achei desrespeitosa a ausência do Senador Azeredo. Não há justificativa para que um representante do povo deixe de comparecer para prestar a este os esclarecimentos sobre a sua atividade. Dificilmente o senador encontrará uma reunião com tantos interessados na sua atividade parlamentar quanto no CParty, e encará-los e ouvi-los, mais do que um ato de cortesia, seria a sua obrigação.”


Um participante segura seu laptop e exibe sua opinião a respeito da ausência de Azeredo, logo após a confirmação de última hora de que o senador não compareceria ao debate.

Ao final do debate, ao ser informado que não haveria espaço para perguntas do público a José Portugal e Fernando Botelho, o público virou as costas aos participantes da mesa e foi embora, como forma de protesto, enquanto Portugal ainda estava fazendo seu discurso final.

Todas as imagens deste artigo, com excessão da primeira, foram obtidas por Daniel Duende e publicadas por Daniel Pádua, e estão disponíveis aqui [19] sob licença Creative Commons.