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Saúde Global: Obama Suspende a “Regra Global da Mordaça”

Categorias: África Subsaariana, América do Norte, Leste da Ásia, África do Sul, Estados Unidos, Filipinas, Gana, Quênia, Uganda, Direitos Humanos, Juventude, Mulheres e Gênero, Saúde

Em sua primeira semana de atuação, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, suspendeu uma medida política conhecida, popularmente,  como  “Regra Global da Mordaça.” [1] [en] A mudança está sendo aplaudida por grupos ligados aos direitos das mulheres e à saúde pública, pois restabelecerá, globalmente, a ajuda financeira aos programas internacionais de planejamento familiar.

A medida, também conhecida como a “Política da Cidade do México”, proibe que fundos do governo americano sejam encaminhados a equipes e clínicas de  planejamento familiar fora dos EUA que realizam ou promovem abortos ou que fazem lobby para sua legalização. Obama suspendeu a proibição um dia depois do 36º aniversário do Roe contra Wade, o caso que levou à legalização do aborto nos EUA. A norma foi criada em 1984 e, desde então, foi várias vezes revogada e aprovada pelos presidentes que se seguiram. Uma postagem no blog South-South explica [2] [en]:

“The Global Gag Rule [also known as the “Mexico City Policy” or specifically, The Foreign Assistance Act of 1961 (22 U.S.C. 2151b(f)(1))] denied United States family planning funds to foreign NGOs that use their own private, non-U.S. dollars to counsel women, make referrals for abortion, or perform abortions. It even denied U.S. funds to NGOs that expressed support for laws to make abortion safe and legal. The Global Gag Rule was in effect from 1985 until 1993, when it was rescinded by President Clinton. President George W. Bush reinstated the policy in 2001, where it was in effect until Friday, 23 January 2009.”

A Regra Global da Mordaça [também conhecida como a “Política da Cidade do México” ou, especificamente, a Lei de Assistência aos Países Estrangeiros de 1961 (22 U.S.C. 2151b(f)(1))] impede que os recursos da cooperação norte-americana para financiamento de atividades de planejamento familiar sejam transferidos a ONGs estrangeiras que utilizem seus dólares para dar assistência a mulheres, elaborar orientações para abortos ou realizar abortos.  Nega recursos americanos até mesmo para ONGs que expressaram seu apoio a leis que tornam o aborto uma prática segura e legal. A Regra Global da Mordaça teve validade de 1985 até 1993, quando foi rescindida pelo Presidente Clinton. O Presidente George W.Bush re-introduziu a medida em 2001, que permaneceu ativa até sexta, 23 de janeiro de 2009.

Críticos apelidaram a proibição de “Regra Global da Mordaça” pela maneira como ela restringe as equipes lá fora de participar da discussão sobre o aborto em seus países. Texas in Africa, aponta para o fato [3] [en] de que um outro problema com a medida é que suas restrições são amplas demais.

“The Global Gag Rule doesn't take a country's policies on abortion into account. Instead, it blocks funding from any organization that supports abortion rights anywhere in the world. That means if Planned Parenthood operates a clinic in rural Uganda that gives advice on family planning and provides prenatal screening, it loses funding when the Global Gag Rule is in effect because of its pro-choice stance on policies in the U.S. This happens regardless of the fact that abortion is illegal in Uganda unless it involves preserving the mother's life or health.
When the Bush administration reinstated the Global Gag Rule in 2001, clinics all over Africa lost all of their funding. In many places, especially in Kenya and Ghana, it meant that tens of thousands of people lost their only access to health care. Period.”

A Regra Global da Mordaça não leva em conta as políticas voltadas para o aborto de cada país. No lugar disso, bloqueia o financiamento para qualquer organização que dá apoio aos direitos ao aborto qualquer que seja o lugar no mundo. Significa dizer que se o Planned Parenthood [Paternidade Planejada] opera uma clínica na região rural da Uganda que oferece assistência em planejamento familiar e em exames pré-natal, ela perde o financiamento quando a Regra Global da Mordaça entra em operação por causa de sua postura pró-escolha das medidas políticas americanas. Isto ocorre a despeito do fato de que o aborto é ilegal na Uganda, a não ser quando é feito para preservar a vida ou a saúde da mãe.
Quando o governo Bush re-introduziu a Regra Global da Mordaça em 2001, as clínicas por toda a África perderam todo o seu financiamento. Em muitos lugares, especialmente no Quênia e em Gana, isto significou a perda de acesso a cuidados médicos para milhares de pessoas. Ponto final.

Frente a esses fatos, muitos blogueiros estão elogiando a decisão de Obama e o impacto em potencial que terá nas questões de saúde reprodutiva e planejamento familiar pelo mundo afora. Danie, Danie, Danie acredita [4] [en] que deveríamos agradecer Obama, enquanto que Arash Kardan bloga [5] [en]:

“Desperately poor women with high risk pregnancies won’t have to die because their doctor can’t tell them about termination options. Many will have more access to safe abortion care, and won’t die or face permanent injury due to risky do-it-yourself procedures. Women won’t have to get pregnant because their local birth control clinic had to choose between no funding or substandard, dishonest care, and subsequently closed down…This is what change can mean. Thousands of women’s lives saved. And after the past 8 years of this deadly policy, it’s about time.”

Mulheres miseráveis com gravidez de alto risco não terão que morrer porque o médico está impedido de falar sobre opções de interrupção da gravidez. Muitas terão mais acesso a cuidados para aborto seguro e não morrerão ou terão que enfrentar danos permanentes devido a procedimentos do tipo faça-você-mesmo de alto risco. Mulheres não terão que engravidar porque suas clínicas locais de controle de natalidade tiveram que escolher entre financiamento ou cuidados desonestos, abaixo do padrão, e, em seguida fecharam as portas…É isto que mudança pode significar. As vidas de milhares de mulheres salvas. E já era tempo, após 8 anos dessa política de morte.

No entanto, muitos grupos contra o aborto condenaram a mudança, com o argumento, por exemplo, de que os dólares de impostos pagos pelos americanos não deveriam ser gastos em apoio ao aborto e que isto abre a porta para um número crescente de abortos mundo afora. O Vaticano posicionou-se [6] [en] contra a decisão de Obama e a mudança causou medos em alguns países que vivenciaram o impacto deste financiamento. O blogue Mike in Manila debate [7] [en] a reação nas Filipinas:

“There are fears that now US funds will be released here in Asia as well to fund programs towards a global legalization of abortion. Some pro-Abortion groups have lobbied to tie in US Aid to legalization of abortion in the developing world.
A move that greatly concerns members of the CBCP [Catholic Bishops’ Conference of the Philippines] in the country who have called on Philippine-Americans of all faiths to signify their voices against the new executive order as well as for a campaign by them to elected members of the house and senate to be emailed and called by Catholics all over to world to ensure that the ‘pro-death and pro-abortion’ stance of the extreme left of American politics is not pushing to impose abortion supportive or legalization policies to the rest of the world.”

Há receio de que agora os financiamentos americanos serão aplicados aqui na Ásia também para financiar programas em prol de uma legalização geral do aborto. Alguns grupos pró-aborto fizeram lobby para amarrar o US Aid para a legalização do aborto no mundo em desenvolvimento.
Uma decisão que preocupa bastante os membros do CBCP [Conferência Católica dos Bispos das Filipinas] no país que conclamou os Filipino-Americanos de todas as religiões a dar força às suas vozes contra a nova ordem executiva assim também como para uma campanha deles para os membros eleitos da Câmera e do Senado a ser enviada por email e invocada por Católicos de todos os cantos do mundo para certificar-se que a postura ‘a favor da morte e do aborto’ da esquerda radical da política americana não tente impor ao resto do mundo políticas de apoio e pela legalização.

Entretanto, Nicholas, blogando no Staying Left, Living and Driving in South Africa, chama a atenção [8][en] para o fato de que a escolha por fazer um aborto não fica sempre clara nos países que necessitam desse financiamento:

“When thinking about abortions, especially in developing countries, the arguments seem quite compelling. In sections of the KwaZulu Natal region of South Africa, up to 50% of pregnant women are HIV+. If my work were successful, we could reduce transmission of HIV from mother to baby into the single digits, instead of 30+% in most parts of the country. However, that means we'd have carefully execute a number of steps in a process without faltering. Given the fragility of the health system, the likelihood of passing HIV to the baby is quite high, and if I were the pregnant one, its not a roulette game I'd want to be playing.”

Quando se pensa sobre os abortos, em particular nos países em desenvolvimento, os argumentos parecem ser bem convincentes. Em setores da região KwaZulu Natal da África do Sul uma cifra de até 50% das mulheres grávidas são HIV soro-positivas. Se meu trabalho fosse bem sucedido, poderíamos reduzir a transmissão do HIV da mãe para o bebê a um dígito, no lugar dos mais de 30% positivos encontrados na maioria das regiões do país. No entanto, significa que teríamos que conseguir executar, com todo o cuidado, um número de ações no processo sem cometer um só erro. Dada a fragilidade do sistema de saúde, a probabilidade de transmitir o HIV para o bebê é muito alta, e se fosse eu a grávida, não seria uma roleta russa que gostaria de estar jogando.

Imagem do The Abortion Debate [9] [O Debate sobre o Aborto] de Better in the Basement [10] no Flickr.