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Brasil: “A polícia só ataca quando a Globo está ao vivo”

Categorias: América Latina, Brasil, Desenvolvimento, Governança, Lei, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Protesto

Um confronto entre policiais militares e moradores de Paraisópolis, a segunda maior favelas de São Paulo, deixou quatro policiais e pelo menos dois moradores feridos na noite do dia 02 de fevereiro, levando cerca de 300 policiais militares a ocuparam a favela. Moradores teriam fechado ruas, montado barricadas e depredado veículos e casas, em um motim começou com protesto pela morte de um morador local no dia anterior, pela polícia. Até o momento de finalização desse artigo, a favela continua ocupada mas o clima era de tranquilidade.

A maior parte da população brasileira assistiu atônita pela televisão as imagens do confronto e a forma como o asunto foi tratado pela imprensa trouxe o debate para a blogofera. A começar pelo fato que o conflito parecia se desenrolar de maneiras diferentes, a depender de qual canal de televisão o mostrava. O ex-apresentador de TV e agora blogueiro independente [1] Paulo Henrique Amorim publica um comentário de um leitor [2] do seu blogue que tinha assistido o desenrolar do conflito por meio de vários canais e que concluiu que a polícia de São Paulo “só ataca quando a Globo está ao vivo”:

Um fato curioso: antes do choque chegar, um grupo de uns 10 policiais com alguns escudos se posicionaram em linha para avançar numa rua com os vândalos a uma boa distância bem a frente, e ali ficaram parados, e até o comentarista Percival estranhou aquela atitude da polícia, e como era horário do SPTV da Globo, coloquei a imagem da Globo ao lado da Record que transmitia o chamado “conflito” em tempo integral. Quando o SPTV entrou ao vivo, os policiais avançaram, e quando a imagem do SPTV foi cortada, os policiais recuaram correndo.

Rogério Pixote [3] ficou indignado com a manchete do telejornal citado acima:

Manchete do cretino jornal SPTV da Rede Globo em sua versão noturna do dia 02/02/2009:
Vandalismo em Paraisópolis, moradores queimaram carros…

Por quê? Essa pergunta eles não responderam.

Por outro lado, alguns blogueiros acreditam que a imprensa está sendo leniente e precisa urgentemente escolher um lado, como explica Ricardo Wagner [4].

Não dá para continuar mordendo e assoprando o tempo todo. Ficar em cima do muro não resolve situação nenhuma e não ajuda sociedade alguma.

Bandido tem que ser tratado como bandido e a vítima como vítima.

O que aconteceu em São Paulo foi vandalismo, foram saques e foi uma vergonha (aos moldes de Boris Casoy). Uma situação previsível e que pode se repetir. Roma caiu porque ignorou os povos bárbaros, estamos cometendo o mesmo erro.

Favelas são o câncer de uma cidade. E antes de se tornar maligno deve ser removido.

O escritor Ferréz [5] não concorda nem um pouco com o ponto de vista acima e publica uma carta da União de Moradores de Paraisópolis. Irritado com a forma como a imprensa rotulou os moradores da favela, ele conclama as pessoas a fazerem uso de seus próprios canais de informação para mostrarem o outro lado dos acontecimentos:

O Jornalismo canalha não para.
Expõe protesto como arruaça, como bagunça, e em nenhum canal, em nenhum jornal explicaram que tudo começou por um atropelamento.
Paraisópolis não pode se manifestar, manifesto é ter trailer lotado de gente fantasiada na Paulista.
Paraisópolis não pode achar ruim de ter mais um menino morto por causa de uma simples lombada ou um sinal, tá faltando farol em São Paulo? acho que não, vai pro Jardins, vai pro alto de Pinheiros e você vai ver onde eles se concentram, para evitar que o boy com a cara cheia de álcool, coca, maconha volte da balada e corra algum risco.
aqui! pancada, rojão, pneu queimado, tudo isso pra mostrar pro estado porco que agente dá valor pra uma vida.

Joildo Santos [6] não se surpreende que a imprensa brasileira prefira esconder a realidade da população, ao deixar entender que fatos como que os que ocorreram em Paraisópolis são casos isolados, que podem ser resolvidos apenas com ocupação policial:

A tese de muitos é exemplificada da seguinte maneira: “Ao encontrar sua filha transando no sofá, o sujeito joga fora o sofá”, resolvendo assim um problema eminentemente de educação sexual.

Não adianta virar a cara para o outro lado e achar que bloqueando a comunidade esses problemas vão ser resolvidos, fingir que se preocupa também não adianta, o problema continua lá. O que falta é comprometimento e descer do pedestal de senhores iluminados e buscar arregaçar as mangas em prol da população.

A ameaça do Morumbi é aumentar a pressão sobre Paraisópolis. Costumamos dizer que “Não existe Morumbi bom com Paraisópolis Ruim.”

O caro bairro do Morumbi e a favela Paraisópolis são bairros vizinhos. O contraste social pode ser visto bem claramente nessa foto [7], onde apartamentos de luxo e a pobreza da favela – lado a lado – fazem dessa uma imagem surreal nas inequalidades de São Paulo. É também uma ironia que Paraisópolis significa cidade do paraíso. Milton Jung [8] nos lembra há um outro lado da Paraisópolis que é sempre facilmente esquecido:

A Escola do Povo, o Barracões do Sonho, a Crescer Sempre, o projeto de capacitação de jovens na prevenção às violências e ao uso abusivo de álcool, os R$ 117 milhões para urbanizar a favela e mais um mundo de ações desenvolvidas neste complexo com mais de 80 mil pessoas serão esquecidos. E todos transformados “nestes bandidos” – expressão tão comum quanto injusta por igualar os diferentes.