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Timor: 9 anos de internet, só um ISP e um grande abismo digital

Categorias: Leste da Ásia, Timor Leste, Ativismo Digital, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Educação, Governança, Mídia Cidadã, Tecnologia

Nove anos após a chegada da internet no Timor Leste [1], as grandes dificuldades enfrentadas pelo país não estão apenas relacionadas ao acesso físico à tecnologia, mas também à capacitação e ao acesso a recursos que aumentem a participação do “cidadão digital”. O país é limitado em termos de acesso a tecnologias da informação e comunicações (TIC) e também carece na aquisição de competências relacionadas a essa área.

Timor Leste enfrentou longos períodos de ocupação e teve que lutar pela sua independência com resultados trágicos. A violência que se alastrou após o referendo devastou a infra-estrutura social e de comunicação. Quando o país se tornou a primeira nação do século XXI, não havia praticamente nenhum aparato tecnológico.

Resumindo,

o primeiro computador só chegou no início dos anos 90 [2]. [en]

Em 1997, antes da independência de Timor, .tp foi registrado como domínio de país pela Connect-Ireland, em um gesto de apoio aos líderes timorenses exilados, Bispo Carlos Ximenes Belo [3] e José Ramos-Horta [4], que tinham ganhado o Prêmio Nobel da Paz em 1996. Martin Maguire, diretor de projeto na Connect, fez a seguinte declaração em 1999 [5] [en] depois que a empresa sofreu um ataque, aparentemente por parte de hackers na indonésia:

We noticed that the East Timor domain was available and assumed that the Indonesians would not wish to register it for political reasons. We made a suggestion to the East Timor Campaign and they were interested, so we set up the first virtual country on the Web as a platform for the East Timorese.

Percebemos que o domínio de Timor Leste estava disponível e presumimos que a Indonésia não quereria registrá-lo devido a motivos políticos. Sugerimos [o registro] à Campanha Timor Leste e eles se interessaram, então configuramos o primeiro país virtual da internet como uma plataforma para o povo de Timor.

Em um empreendimento com a Telstra da Asutrália, ao que consta

a primeira conexão à internet foi estabelecida em 2 de fevereiro de 2000 pela UNDP [6]. [en]

Isso foi há nove anos. Sendo o mais pobre dos países da Ásia [7], com mais de 40% da população analfabeta e desempregada [8], e enfrentando frequente instabilidade política, é o setor das telecomunicações que parece ser, no entanto, um fator vital para a reconstrução de Timor Leste.

Em 2003, o governo de Timor Leste estabeleceu a Timor Telecom (TT) [9] [en] como o provedor de todos os serviços de comunicação, em conjunção com a Portugal Telecom (a quem pertence 50,1% da TT). Além de atender à toda a população, através de um monopólio que durará pelo menos até 2017, TT é também responsável pela reconstrução da infraestrutura de dados e voz responsible, além de prover serviços de internet.

Até 2004, estimava-se que o governo possuia 1.000 computadores, embora apenas 70 deles estivessem conectados à nternet.

A internet é rara, lenta e cara, o que simplesmente acarreta a inexistência de serviços como e-commerce e até blogues. Em um país onde as pessoas vivem com menos de US$ 2,00 ao dia, o preço cobrado por 15 minutos de Internet chega a US$ 0,50 [10]. Até mesmo a Universidade Federal de Timor Leste encontra sérias restrições, já que sua conexão de 56 Kbps custa US$ 3.000,00 ao mês para ser dividida por 40 computadores. De acordo com uma usuária:

A ligação é muito lenta pelo que fica muito caro qualquer consulta na internet. [11] [pt]

“Sem…pre …que… você… fala… há… um… atra…so

Luis Ramos, um protuguês ex-professor de TI na Universidade Federal, escreveu em 2007 [12] [pt]:

Alguém me disse que o governo de Timor Leste tem no total 13Mbps de largura de banda para acesso ao backbone internacional, isto é, a ligação de todo o país à internet é de 13Mbps. Ora, destes 13Mbps: 6Mbps são reservados ao governo e os outros 7 para uso geral, isto é: toda a gente em Timor. Quanto é que se consegue ter numa casa Portuguesa? 4Mbps? Como tenho andado a ensinar aos meus alunos de redes, 13Mbps são pouco mais que 13300 kbps. Na universidade temos uma rede local com cerca de 40 computadores que partilham uma ligação de internet de 256kbps.
No bairro temos uma ligação à internet de 64kbps que é partilhada por todos os professores.
Ora vamos lá falar de Quality of Service (QoS). O QoS é um serviço que ajuda a garantir que todos os utilizadores tenham a largura de banda que subscreveram. Em Timor não deve haver isso. Lembram-se dos modems que se usavam em Portugal há uns anos? Esses modems tinham velocidades de 33kbps e depois de 56kbps, aqui temos um de 64kbps. Como não há QoS (suponho), esta ligação aqui em Timor é mais lenta que esses modems em Portugal. 13Mbps dá para 200 ligações de 64, e 5 eu já as conheço.

  • gmail.com ao meio-dia: 30 segundos para poder por a password.
  • google.com? 10 segundos para carregar!

Se por um lado é necessário um grande esforço para reconstruir a infraestrutura de comunicação, por outro, a receita da Timor Telecom é tida alta, como Hilário Nolasco [13] [tet], trabalhador timorense da Timor Telecom, reclama:

Hau mak kiik liu compara ho trabalhador tomak TT nian iha tinan 2007 no 2008, colega balun bolu hau putu, balun dehan hau labarik maibe ida nee la iha diferencia iha servicu laran, hau gosta servico iha TT tamba iha ambiente nebe diak excepto valorizacao ba hau nia servico quando compara ho rendimento empresa nian ………..iha exploracao nebe bot la halimar!.

Fui a pessoa mais jovem a trabalhar para a TT em 2007 e 2008. Alguns colegas me chamam de “kid”, outros dizem que sou uma criança, mas isso não faz diferença nenhuma para o meu trabalho. Gosto de trabalhar para TT porque o ambiente é bom, embora meu trabalho não seja valorizado quando comparado ao rendimento da empresa… Tem muita exploração, na moral!

O mesmo blogueiro, em um comentário no Facebook no vídeo Tempo Semanal Vox Pop [14] [tet] onde uma mulher responde à pergunta “Timor Telecom, Boa ou Ruim?”, enfatiza a necessidade de se equilibrar pontos de vista sobre a infraestrutura de telecomunicações ao falar da reconstrução do país:

Ne'e Maluk Timor oan sira temke akompanha mos prosesu dezemvolvimento iha mos rai seluk para ita Timor Ne'e Lebele Ketingalan Imformasi…Labele Hare deit Parte ida maibe temke hare mos parte seluk….Obrigado…

Todos nós devemos passar por um processo de desenvolvimento, assim como todos os outros países precisam, para que o Timor não sofra de um abismo em termos de informação. Não podemos apenas olhar um lado da questão, devemos também olhar o outro.

Entretanto, começam a aparecer peças de zombaria [15] contra o monopólio da TT, como o vídeo “Timor Telecom Você é Uma Piada” publicado no YouTube pelo usuário kmfw72 [16], cujas imagens capturadas da tela ilustram esse artigo.

Jeremy Wagstaff expresa seu desapontamento [17] [en] quanto ao abismo digital formado em Timor Leste à época da crise timorense de 2006 [18]. Naquela época, apenas um site timorense tinha informações sobre o levante, Suara Timor Lorosae [19] (site que esteve inativo até recentemente), e que fora a fonte principal de notícias no país. Existe também uma boa quantidade de pontos de vista timorenses colhidos durante uma investigação da ONU sobre a crise. O relatório foi publicado em um grupo no Yahoo de Estudos sobre o Timor Leste [20].

I can find no East Timor site working out of East Timor that has any information about this uprising, the most important development in the country’s recent history. OK, so not many Timorese have access to the Internet but this is a vital link with the outside world, a chance for Timorese to convey what is going on to governments, exiled Timorese, interested readers and others. Now, in the midst of terrible violence and the humiliation of seeking outside military intervention, there is again no domestic media getting the story to the world’s most important medium.

Eu não consigo encontrar nenhum site do Timor Leste que funcione a partir do Timor Leste e que tenha informações sobre esse levante, o mais significante processo da recente história do país. OK, não são muitos os timorenses que têm acesso à internet mas esse é um link fundamental com o mundo lá fora, uma chance para o timorense expressar o que está acontecendo para governos, timorenses exilados, leitores interessados e outros. Agora, em meio a uma terrível violência e a humilhação de buscar intervenção militar exterior, mais uma vez, não tem nenhum organismo de imprensa nacional trazendo notícias para os veículos mais importantes do mundo.

Embora o número de usuários da internet [21] em 2006 fosse estimado em 1.200, a quantidade de sites apoiados pelos cidadãos timorenses, no idioma tetum, tem crescido. Alguns exemplos a serem destacados são a versão da Wikipedia [22] em tetum [23], e alguns sites de notícias, como Tempo Semanal [24] e Kla'ak Semanal [25]. Nove anos após a primeira conexão, em 2 de fevereiro de 2009, estão disponíveis apenas conexões analógicas discadas [26] e 285 servidores de internet.

…e ainda estamos aguardando a chegada da banda larga também!

No próximo artigo dessa série, você conhecerá Jen Hughes [27], fundadora do Suai Media Space [28] [en] – um projeto de mídia social conectando o povo de Suai [29] à comunidade internacional, cujo sonho é: “fazer que as vozes da juventude de Suai sejam ouvidas no mundo inteiro”. A documentarista australiana descreverá sua experiência tentando trazer a tecnologia a Suai [29], ao sul de Timor Leste.