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Brasil: Reflexões sobre a nossa própria Faixa de Gaza

Categorias: América Latina, Brasil, Israel, Palestina, Desastre, Esforços Humanitários, Governança, Lei, Mídia Cidadã

No Morro do Samba, no Rio de Janeiro, “Notório pelo tráfico de drogas e a violência, o Morro do Samba é conhecido como uma das comunidades mais perigosas de nossa região”, foto de carf [1] usada sob a doutrina de: Creative Commons License

Assim como no resto do mundo, os blogueiros brasileiros estão acompanhando atentamente as notícias sobre o conflito Israel-Palestina [2]. As opiniões divergem entre si, no entanto, o conflito está fazendo muitos blogueiros refletirem sobre uma mesma coisa: o que está acontecendo em Gaza lembra muito a guerra e a violência cotidiana que assola as favelas brasileiras, o que nos faz pensar em nossa própria Faixa de Gaza, onde muitas vidas inocentes [3] são perdidas todos os dias. Sérgio Vaz [4] explica:

Aqui no Brasil, na Baixa do Sapateiro, faixa de gaza baiana, menino Matheus morreu com um tiro de Fuzil quando saía de casa para comprar pão, no mesmo momento em que a polícia invadia sua favela.
Mera coincidência ou são sempre os mesmos que sangram nas calçadas, quer seja na faixa de Gaza brasileira ou na Faixa de Gaza Palestina? Será que a sede de sangue nunca cessa?
A Periferia debaixo de tiros, a Palestina debaixo de bombas. Será que deus foi passar o réveillon em Copacabana?

Sobre as fotos chocantes que vê sobre o conflito na internet, Anderson Vieira [5] não pode deixar de lembrar da época em que ele costumava visitar uma favela no Rio de Janeiro. Ele disse que era normal ver traficantes pesadamente armados andando ao lado de crianças, mulheres grávidas, idosos e que, de vez em quando, a polícia fazia aparições desastrosas:

Acontece que não foram poucas as vezes que em incursões da polícia em morros e favelas cariocas, na troca de tiros, no fogo cruzado, pessoas inocentes acabavam sendo atingidas pelas famosas balas perdidas, que de perdidas não têm absolutamente nada.
A situação da Faixa de Gaza é de certa forma parecida com a das favelas e morros cariocas. Ali em meio aos terroristas do Hamas há crianças, mulheres, homens, cidadãos palestinos inocentes e desprotegidos. À semelhança dos traficantes que se escondem em barracos e casas de moradores a fim de fugir da polícia, os terroristas do Hamas também se valem dessa estratégia no mínimo covarde e se infiltram em casas de inocentes.

Aparecido José do Rosário [6] [pt] concorda e adiciona que, nesses casos, os fins justificam os meios:

Mas voltando a questão sobre o que Israel deve fazer contra esses ataques, e faço um paralelo com o problema dos morros no Rio de Janeiro. Desculpem-me mas sou um tanto radical nesse sentido. Tenho a minha opinião de que a polícia e/ou exército deve atacar os morros a todo custo. Aqueles que nada tem a ver com os traficantes, que são inocentes devem sair de lá e deixar que as forças militares façam o serviço completo, agora, aqueles que protegem tais traficantes, são cúmplices e tão criminosos quanto eles, e portanto que sofram as conseqüências. Estarei eu sendo insensível?

[7]

“27/07/2005 – A polícia encontra três corpos queimados em Inhaúma. As vítimas podem ter sido mortas quando entravam na favela para tentar recuperar um veículo roubado por traficantes da Favela do Alemão.” Foto de Andréa Farias [8], usada sob a doutrina de Creative Commons License.

Sonia Fancine [9], uma jovem política em ascenção na cidade de São Paulo, diz que culpar o Hamas pela morte de civis é o que a polícia brasileira faz ao justificar suas causalidades dizendo que estava protegendo a população, e “se uma criança morre de um tiro de bala perdida é um efeito colateral de uma operação de sucesso”:

As mortes “acidentais” freqüentemente são justificadas como decorrentes de “autos de resistência” (aquelas trocas de tiros que, curiosamente, só deixam marcas de um dos lados) ou como sendo de ” pessoas ligadas ao tráfico” (aí fica fácil – se mora na favela, é ligado ao tráfico, pronto). Então ficamos assim: as crianças palestinas e das favelas do Rio morreram porque tiveram a idéia de jerico de estar em um lugar cheio de terroristas/ traficantes. E ainda foram botar o corpo bem na frente dos mísseis/ fuzis… Foi mal aê. Mas da próxima vez, as vítimas que tomem mais cuidado, pô!

Em um comentário à postagem acima, um leitor chamado Fernando [10] sente-se impotente frente a ambos os conflitos:

E como acabar com tudo isso? Seja no Rio ou lá em Gaza é a mesma coisa: desrespeito ao comum – incompreensão do diferente! E como eu posso ajudar para acabar com tudo isso?

Alberto Ricardo Präss [11] acha que o Brasil deveria boicotar os produtos israelenses para ajudar, lembrando da situação que ele testemunhou quando viveu lá durante seis meses, em 1985, e concluiu que o Brasil não está muito diferente disso:

Não é de se espantar que homens bombas surjam sem parar naquelas bandas. É muito evidente que pessoas acuadas tendem a ter reações radicais para sobreviver. Mais ou menos como os moradores das favelas do Rio, que reagem por estar sem muita saída.

Por outro lado, Mr X [12] [pt], um partidário de Israel, acredita que Israel e Palestina não mereçam tanta atenção da mídia [13] ou mesmo comoção popular se comparados com outros conflitos no mundo, inclusive o do Brasil:

Mata muito menos do que qualquer conflito na África hoje em dia, menos do que a cólera no Zimbabwe, menos até do que os tiroteios nas favelas do Rio de Janeiro.

Tania Celidonio [14] diz que está chocada com as notícias diárias que assiste sobre a violência no Oriente Médio, mas que a violência tornou-se um clichê no Rio de Janeiro:

Motorista da ONU assassinado, trinta civis palestinos mortos num abrigo, fim da ajuda humanitária…. Juro que travei. E ainda por cima, aqui na faixa tupiniquim do Rio de Janeiro, os tiros não esperaram passar a primeira semana de 2009. Os morros da Babilônia e Chapéu Mangueira foram sacudidos por várias saraivadas. Nós, do asfalto, ficamos torcendo para que nada de muito ruim aconteça por lá. O pior são as centenas de trabalhadores que voltam para suas casas, no cair da noite, e são recebidos por esse ambiente de terror que já virou rotina nos morros da cidade.

Um charge do Blog do Bonitão [15] ambienta o conflito Israel-Palestina num violento bairro do Rio de Janeiro que é cercado de favelas.

Em Pernambuco [16], a contagem de homicídios do PEBodyCount [17], um blog que fornece estatísticas diárias sobre o índice de mortes relacionada à crimes, contabiliza que, a partir de hoje, somente 11 dias após o início do ano de 2009, 81 homicídios já ocorreram naquele Estado. O blog contabilizou 4.525 homicídios em 2008, em 2007 foram 4.592 e em 2006 foram 4.638. Os números vêm caindo, mas:

“Raciocinar que 78 pessoas a menos (pelas contas do Governo, pelas nossas, foram 67) perderam a vida não quer dizer que foram salvos 78 seres humanos. Continuamos tendo mais de 4.500 assassinatos. É um patamar que coloca nosso estado entre os locais mais violentos do mundo. São poucos os países que tem tantos crimes de morte por ano. A mudança tão apregoada precisa começar de verdade.”

Escrito em colaboração com Deborah Icamiaba [18].