Brasil: Contra o Aborto Ilegal, ou Contra as Mulheres?

O aborto é um tema muito complexo no Brasil (leia aqui – principalmente os comentários – e aqui), como em qualquer outro lugar da América Latina. É considerado crime no país, embora haja uma suspensão de punibilidade em casos provados de gravidez advinda de abuso sexual e de gestações que coloquem em risco a vida da mãe. Há um esforço por parte de alguns parlamentares para mudar esta lei, para diminuir a burocracia necessária para se obter a permissão para abortar nestes casos e aumentar o espectro de casos onde o aborto não é punível. Mas a possibilidade de que estas mudanças ocorram é pequena, tendo em vista a força política dos grupos pró-vida que planejam erradicar o aborto no Brasil.

Apesar da proibição, acredita-se que a cada ano mais de 1 milhão de abortos clandestinos sejam realizados, e mais de 70 mil mulheres morram por causa de complicações provenientes de abortos mal-sucedidos no Brasil. Em alguns estados brasileiros, como o da Bahia, as taxas de mortalidade feminina são cinco vezes maiores que o limite máximo fixado pela Organização Mundial de Saúde [En], e a maioria destas mortes é causada por complicações resultantes de abortos ilegais realizados no estado.

Crucified Woman, by Eric Drooker, All Rights ReservedCrucified Woman, por Eric Drooker. Usada sob permissão. Todos os Direitos Reservados.

Enterrem os mortos. Persigam os sobreviventes.

Em novembro passado, mais de 1.500 mulheres foram processadas e 30 delas condenadas pelo crime de aborto no mesmo dia na cidade de Campo Grande, no Centro-Oeste brasileiro. Ironicamente, corre o rumor de que algumas destas mulheres seriam sentenciadas a fazer trabalho comunitário em creches. Ou isso, ou iriam para a cadeia. Elyana, do blogue Rosa e Radical, desabafou sobre isso em seu blogue:

“Fizeram as contas? Em cerca de 4 horas e meia o juiz condenou 4 mulheres e acusou mais 1.070.
Nunca antes nessa minha vida vi a justiça trabalhar tão rápido.
As acusadas entraram com habeas-corpus, mas todos eles foram negados.”

Em outro post, Elyana cita uma entrevista sobre o tema do aborto, cedida pelo Ministro da Saúde brasileiro, José G. Temporão, a uma popular revista brasileira de popularização científica. Na entrevista, Temporão diz que o aborto é uma questão de saúde pública e aponta que a oposição à sua legalização é ligada a questões de gênero. Abaixo, citamos um trecho da entrevista citada por Elyana:

“[…] como as classes de menor renda não têm acesso à informação e aos métodos anticoncepcionais, são as mulheres pobres que realizam aborto em condições inseguras. Para as mulheres ricas, o aborto é uma questão que não se coloca. Elas fazem. Em condições seguras. Pagam R$ 2 000, R$ 5 000. As mulheres pobres não. Existe também uma questão de gênero. Eu pergunto: se os homens engravidassem, será que essa questão já teria sido resolvida? Como é que alguns setores têm coragem de dizer que essa é uma questão que não pode ser discutida? Não vamos discutir que as pessoas estão morrendo? A realidade está batendo na nossa cara.”

Mothers of the World, by Eric Drooker, All Rigths Reserved
Mothers of the World, por Eric Drooker. Usada sob permissão. Todos os Direitos Reservados.

Um Inquérito sobre Mulheres… digo… sobre Aborto Ilegal

O ponto de vista do ministro Temporão, contudo, não parece ser partilhado por muitas pessoas no Governo Brasileiro e na blogosfera do país. No da 8 de dezembro último, Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Aborto Ilegal no Brasil.

A criação desta comissão foi peticionada por um grande grupo de deputados pró-vida liderados pelo parlamentar Luiz Bassuma, que coletou mais de 220 assinaturas de colegas congressistas para apoiar a sua criação. Bassuma é membro do Partido dos Trabalhadores (PT), o mesmo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e foi eleito deputado federal pelo estado da Bahia. O Partido dos Trabalhadores, que decidiu em sua última convenção tomar uma postura pró-escolha sobre o tema do aborto no Brasil, está agora ameaçando expulsar Bassuma por conta de suas movimentações que levaram à criação da CPI sobre o Aborto Ilegal.

Muitos blogueiros que se declaram pró-vida festejaram a iniciativa de Chinaglia.

Jorge Ferraz, do blogue cristão Deus Lo Vult, parabenizou Arlindo Chinaglia pela instalação da CPI do Aborto Ilegal neste post:

“Já não era sem tempo; desde fevereiro que se fala nisso. Rezemos para que o crime seja combatido, e o assassinato de crianças inocentes não seja tratado pela sociedade com indiferença e impunidade.”

Hermes Rodrigues Nery, Diretor Executivo do Movimento Nacional por um Brasil Sem Aborto, é citado no blogue O Possível e o Extraordinário sobre os “perversos interesses internacionais sobre o aborto na América Latina“:

“Há décadas querem impor e generalizar a prática do aborto nos países da América Latina, torná-lo inclusive um direito humano, o direito da mulher torturar e matar um ser humano inocente e indefeso dentro de seu próprio ventre […] A questão do aborto está inserida no contexto do controle demográfico. Os especialistas que fundaram o Conselho Populacional da ONU (em 1952), entre eles, Warren Thompson, já indicavam o aborto como estratégia pragmática para conter e até diminuir as populações pobres do mundo. […] Como vemos, a “conjura contra a vida” é um processo de um poderoso sistema (cultural, político e econômico) que age sem que muitos não se dêem conta de estarem sendo vítimas de alienação e manipulação. Agora, temos a oportunidade – com a CPI do Aborto – recém-criada no Congresso Nacional – de apresentar documentos, relatórios e depoimentos para expor e erradicar essa “chaga social”, com isso, trabalhando na defesa do direito à vida dos milhões de excluídos, barbaramente torturados e assassinados, para atender a lógica perversa dos poderosos, que agem contrariando o princípio universal de que a plenitude da vida é um direito de todos e um bem para todos.”

Contudo, muitos blogueiros discordam da criação da CPI, e pensam que ela irá apenas expor e intimidar as mulheres, e atacar ainda mais os direitos das mesmas.

Alessandra do Blog Terribili acredita que Bassuma tenha alguma coisa contra as mulheres, e que a CPI é uma manobra religiosa dentro do Estado brasileiro, tradicionalmente laico:

““CPI do Aborto” parece brincadeira de mau gosto. Vem do Bassuma, aquele deputado que é contra as mulheres, que parece que elege as mulheres como inimigas número um. Ele quer vê-las na cadeia, como criminosas, por terem cometido o terrível equívoco de tomar para si as rédeas de seu corpo e de sua vida. Ele se esquece de que o Estado é laico, que as pessoas têm direito de ter ou de não ter crenças e de que ele não pode impor sua fé religiosa sobre todos e todas.”

Jandira Queiroz, ativista dos direitos da mulher e blogueira que escreve no blogue Sapataria-DF, afirma que a CPI do Aborto Ilegal é uma forma de perseguir as mulheres e atacar seus direitos:

“Como sabem, no ano de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e às vésperas da realização da 11ª Conferência de Direitos Humanos, vivemos a intensificação da perseguição e criminalização das mulheres […] Mais do que nunca, precisamos denunciar a violação explícita aos direitos humanos das mulheres […] Os direitos das mulheres são direitos humanos!”

Foto de um cartaz no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, Brasil, da autoria de Gabby de Cicco e usada sob uma licença Creative Commons.

Pedro Cross, do blogue Multi-Eu, nos conta um pouco mais sobre a oposição que está sendo feita pela bancada feminina da Câmara dos Deputados contra a CPI:

“A exposição da vida privada das mulheres é o principal argumento que a bancada feminina na Câmara dos Deputados apresenta para se posicionar contrária a instalação da CPI do Aborto. […] A deputadas se queixam de não terem sido ouvidas em um assunto que é de interesse da bancada e vão questionar o Presidente da Casa sobre o fato da CPI do Aborto ter sido instalada antes da CPI do Trabalho Infantil, que estava na frente na lista das comissões a serem instaladas.”

Uma questão muito complexa

Alguns blogueiros estão muito preocupados com o movimento pró-escolha no Brasil, visto por eles como uma cruzada homicida, anti-vida, contra os direitos das crianças não nascidas. Estes blogueiros não apenas apóiam a CPI do Aborto Ilegal, mas um deles chega a afirmar que o povo brasileiro “pode se extinguir da mesma forma que a população russa” se o Governo Brasileiro não combater o aborto ilegal no país ou, pior ainda, se o Governo o tornar legal. Marcelo, do blogue Quadro Conservador, diz:

“A Rússia é o paraíso dos abortistas. Como todo país comunista, o aborto é totalmente liberado e publicamente custeado. Como o ateísmo também foi incentivado durante o século em que era comunista, barreiras morais também não existem por lá. O resultado é este: um país desesperado diante do declínio de sua população. Os russos entrarão em extinção? Como havia dito, uma política cuja conseqüência é o declínio da população humana é má por natureza.”

Se a população russa está realmente entrando em extinção, e se as leis russas sobre o aborto seriam a causa de tal vertiginoso declínio populacional, são ainda temas em discussão [En].

Helder Moraes, do blogue Doa A Quem Doer, também acha que o aborto é ligado à falta de barreiras morais, e afirma que se trata de um crime que é cometido por pessoas “que não tem moral, responsabilidade nem controle sobre os próprios desejos sexuais”, mas apóia a realização de aborto em casos de violência sexual:

”Sou CONTRA o aborto. Só sou a favor de aborto em caso de gravidez de RISCO e em caso de ESTUPRO, pois a mulher não pode ser obrigada a gerar um filho que ela NÃO DESEJOU, ainda mais vindo de um ato HEDIONDO desse. Do contrário, excluindo essas duas possibilidades, o aborto deve ser PROIBIDO SIM !!! Em vez de abortar, tem que se fazer a campanha: “FECHEM AS PERNAS MULHERES”. O que falta é muita vergonha na cara. Falta MORAl, falta RESPONSABILIDADE, falta EDUCAÇÃO, falta tudo !!! Por isso, fazem filho de penca, a torto e a direito e depois ficam aí… lamentando e procurando clínicas clandestinas de aborto !!!”

Ao final de seu post, Helder nos diz qual seria, na sua opinião, a solução definitiva para o problema:

“Sou a favor da esterilização OBRGATÓRIA de pessoas POBRES que tenham de 3 a mais filhos, e a favor de aborto somente em casos de gravidez de risco e de estupro.”

Muitos outros blogueiros e usuários do Orkut concordam com as idéias de Helder, seja por abertamente blogar ou publicar comentários semelhantes na blogosfera, ou simplesmente por expressar concordância e parabenizar aqueles que o fazem.

Por outro lado, grupos de defesa dos direitos da mulher, como a Frente Pelo Direito ao Aborto, afirmam que o aborto é um direito das mulheres, no contexto dos direitos de escolha das mesmas sobre os próprios corpos e sobre as próprias vidas. Márcia Silva, do blogue Márcia e suas leituras, publica o manifesto da Frente, o qual reproduzimos parcialmente abaixo:

“A criminalização das mulheres e de todas as lutas libertárias é mais uma expressão do contexto reacionário, criado e sustentado pelo patriarcado capitalista globalizado em associação com setores religiosos fundamentalistas. Querem retirar direitos conquistados e manter o controle sobre as pessoas, especialmente sobre os corpos e a sexualidade das mulheres. […] A maternidade deve ser uma decisão livre e desejada e não uma obrigação das mulheres. Deve ser compreendida como função social e, portanto, o Estado deve prover todas as condições para que as mulheres decidam soberanamente se querem ou não ser mães, e quando querem. Para aquelas que desejam ser mães devem ser asseguradas condições econômicas e sociais, através de políticas públicas universais que garantam assistência à gestação, parto e puerpério, assim como os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno de uma criança: creche, escola, lazer, saúde. […] Nenhuma mulher deve ser presa, maltratada ou humilhada por ter feito aborto!
Dignidade, autonomia, cidadania para as mulheres!
Pelo fim da criminalização das mulheres e pela legalização do aborto!”

Imagem disponibilizada pela Frente Pelo Direito ao Aborto.

Como pudemos ver neste artigo, o aborto é uma questão muito complexa no Brasil, misturando questões de moral religiosa e secular, direitos humanos, conflitos políticos e questões de gênero. Não há grande concordância nem entre aqueles que lutam do mesmo lado da fronteira pró-escolha / pró-vida. É difícil não tomar lados nesta discussão que parece não ter fim, e que cresce a cada dia no Brasil. Blogueiros e ativistas mais exaltados dos dois lados trocam palavras agressivas e acusações, e alguns auto-proclamados ativistas pró-vida chegam ao ponto de dizer em comunidades de defesa da vida no Orkut que toda abortista deveria morrer de forma terrível, em uma contradição que seria cômica se não fosse tão grave a situação.

Afirmações contraditórias a parte, nós continuaremos ouvindo e amplificando as vozes que falam sobre os Direitos Humanos — mulheres ou fetos não-nascidos — no Brasil, e esperar que a melhor solução seja encontrada.

19 comentários

  • Alessandra Terribili

    Parabéns Daniel, pela iniciativa de buscra compreender os diálogos que estão dados nessa difícil discussão em torno à legalização do aborto. Nós, do movimento de mulheres, achamos que nenhuma mulher deve ser acusada como criminosa por ter praticado o aborto. E também achamos que ninguém pode impor sua crença sobre todos(as). Estamos aqui em defesa das mulheres.

  • […] para se obter a permissão para abortar nestes casos e aumentar o espe Veja o post completo clicando aqui. Post indexado de: […]

  • […] para se obter a permissão para abortar nestes casos e aumentar o espe Veja o post completo clicando aqui. Post indexado de: […]

  • Daniel, Parabéns pelo excelente artigo. O tema não deveria ser tão complexo assim se seguíssemos os preceitos da laicidade do Estado brasileiro, da República. O exercício da sexualidade não pode ser vigiado nem cerceado, o direito das mulheres ao próprio corpo não pode ser criminalizado, especialmente não pode ser criminalizado por uma comissão de homens que não entendem, sequer refletem sobre, a vida, a sexualidade e a corporalidade femininas. Tô blogando esse artigo no blog da Sapataria.
    Há braços!! Jandira

  • Muito obrigado pelos elogios, Alessandra e Jandira. Concordo plenamente que o tema não deveria ser tão complexo, nem o diálogo sobre ele tão marcado por distorções e absurdos. Ninguém disse que é fácil a Democracia. Mas quando os atores do jogo político se rebaixam a atos de deslealdade e pervertem o ordenamento democrático do país para avançar sua agenda, damos passos para trás em nossa busca por esta mesma democracia. E não há a menor possibilidade de alcançá-la enquanto um sexo está sob o jugo de outro, enquanto algumas classes tem pouco ou nenhum acesso à formação de qualidade que as permitiria perceber quais são suas reais necessidades e direitos, e como poderiam lutar por eles, e enquanto instituições de reputação duvidosa utilizarem do poder político que arrebanham para tentar virar — literalmente passar o trator — no tabuleiro da democracia brasileira. Em resumo, o que está em jogo também em toda esta discussão é a nossa capacidade enquanto povo de perceber e respeitar os direitos e necessidades de cada um, e de lutar honestamente pelo que acreditamos ser o certo, e o melhor, para todos.

    Quando uma comissão de homens, todos ligados a interesses religiosos particulares, se arvora na posição de decidir sobre as vidas e direitos de mulheres — de todas as religiões e crenças — algo está muito errado. Quando um estado leigo toma posturas claramente pautadas em interesses religiosos hegemônicos — mas nem por isso comuns a todos e democráticos, sendo inclusive particularmente sexistas — algo está muito errado. Quando se faz política perseguindo e intimidando, algo está muito errado. Quando será que vamos aprender? Espero que um dia possamos ser melhores do que isso.

    Abraços do Verde.

  • rony

    Toda mulher tem direito de fazer o que quizer de seu corpo, mas quem disse que tem direito de destruir outro corpo?
    Devemos ter conciência que a diferença de mim para você e para um feto é apenas tempo e nutrição!
    Que culpa uma goven ou uma mulher tem de ser abusada sexualmente e ingravidar? Mas lhe pergunto também, que culpa tem uma criança indefeza que não fez nada pra gente?
    É intereçante observar que existe defençores do mico-leão-dourado, boto-cor-de-rosa, panda, tartaruga de pente, entre muitos outros.(eu sou contra matança de qualquer animal de forma desordenada ou sem necessidade) mas são muito poucos que defendem os seus semelhantes!

  • Uma vez perguntei ao Daniel Duende: “Imagine um mundo ainda sem leis sobre aborto. Se uma mulher engravidasse, tendo todo o apoio e condições, e não desejasse o filho, mas o pai o quisesse, o que seria eticamente correto: continuar a gestação, e após o nascimento, entregá-lo ao pai, ou, fazer o aborto e permitir a escolha da mulher de não passar pela gestação e suas complicações?”

    Eu não queria uma resposta. Queria o debate. Cheguei a brincar: “se fosse *comigo*, gostaria que a lei me permitisse ter meu filho, afinal foi feito 50% por mim”, mas de fato, seria muito mais difícil para mim decidir num caso hipotético e RARÍSSIMO como esse. Isso porque, na minha visão, o aborto envolve duas questões diferentes, mas que estão inexoravelmente ligadas:

    (1) a responsabilidade pela gestação, totalmente a cargo da mãe e seus apoiadores, e (2) o direito do feto à vida e à liberdade como futuro indivíduo em potencial, e a devida criação por quem quer que seja.

    Pensando a partir disso, deixo uma pergunta. Se coubesse a você escolher a quem dar o direito de interromper a gravidez, para qual caso seria: (1) o caso da garota baladeira rica e irresponsável que vai para a terceira vez abortando com Cytotec, ou (2) o caso da mulher favelada e cansada – oprimida e desapaixonada pelo marido cristão – que não quer ter o sexto filho, tão desejado por ele?

    Seja qual for a sua reposta, MUITAS mulheres continuarão a abortar e MUITAS delas vão continuar morrendo, de um jeito ou de outro. Seja Pró-Vida ou Pró-Escolha, o tempo URGE por um pouco de realismo.

    Cada caso é um caso. E aborto, ANTES de tudo, é uma questão de saúde pública.

  • hjkgh

    um conselho para vc: aborte-se!!!!

  • Olá Rony,

    Obrigado por ajudar a ilustrar a complexidade do tema. Devo dizer que tenho algumas discordâncias pessoais a respeito de suas colocações, e gostaria de aproveitar para expô-las aqui. Antes de mais nada, em que momento o feto ao qual se refere torna-se outro corpo? Se este momento é a concepção, não teria a mulher — que tem o direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo — retirar este corpo “estranho” de dentro de si? Eu sei que a pergunta é capciosa, mas ela ajuda a mostrar a complexidade do tema, que nos priva de respostas tão fáceis.

    É também questionável se a diferença entre eu, você e o feto “ideal” ao qual você se refere é apenas tempo e nutrição. No ponto de vista biológico, esta afirmação tem mais facilidade de se sustentar. Mas não é o ponto de vista biológico que costuma contar em muitas de nossas ações do dia a dia. Por quê, então, recorremos a ele quando achamos confortável? Ou será que você percebe cada pessoa que vê na rua como “igual a você” em seu dia a dia? Será que você trata todos como iguais, ou só somos iguais enquanto “idéias” para você?

    Eu concordo com você quando você diz que uma mulher, jovem ou não tão jovem, raramente tem alguma culpa por ser violentada. De fato, na maior parte das vezes, elas não poderiam sequer ter feito algo para evitá-lo. Que culpa ela tem, então? Nenhuma, não é? Mas mesmo sem ter culpa, e sendo vítimas, continuam na maior parte dos casos sendo forçadas não apenas a carregar o estigma e o trauma da violência sexual, mas também um filho indesejado que será para sempre a lembrança deste trauma. É claro que a criança não tem culpa, e muito menos a mulher. Mas uma vez que ninguém tem “culpa” você apenas dá de ombros e deixa que cada um viva com seus problemas? Se sim, deixe que a mulher decida o que quer fazer da vida dela. Se não, o que vai fazer para ajudá-la, em vez de apenas dar conselhos?

    Eu sou forçado também a discordar a respeito da sua afirmação sobre existirem mais defensores dos direitos animais do que defensores da vida humana. Antes de mais nada, há muito mais membros de entidades e grupos políticos ligados à defesa de direitos humanos no mundo do que defensores dos direitos animais — feliz ou infelizmente. Além disso, conheço muito mais pessoas preocupadas em pensar sobre o aborto — sejam elas “pró-escolha” ou “pró-vida” — do que pessoas dispostas a refletir sobre seu consumo de carne animal, uso de utensílios de couro, boicote a empresas que se utilizam de crueldade contra animais. No mais, afirmar que se defende os micos-leão-dourados é bonitinho, mas poucas pessoas que se declaram seus defensores dificilmente fazem algo além de comprar uma camisa com dizeres a respeito.

    Mas muito além disso, o que muitos “anti-aborto” não conseguem perceber, é que estamos todos discutindo direitos humanos aqui. O direito de viver com dignidade, de decidir sobre seu próprio corpo e sobre a própria reprodução versus o direito à vida de um ser vivo ainda em gestação, incapaz de viver de outra forma senão como um embrião no corpo da mulher. É uma falácia e uma ignorância acreditar que aqueles que apóiam a escolha por parte da mulher são anti-humanos ou assassinos. Mas parece ser mais fácil conferir humanidade e direitos a um feto do que respeitar a dignidade e a autonomia de uma mulher. Mais fácil, então, seria acreditar que todos os anti-abortistas são machistas que não se importam com os direitos da mulher. Será que é verdade?

    Abraços do Verde.

  • Daniel Pádua costuma ser um homem de grandes insights, e o comentário dele é mais uma amostra disso. Muito mais do que respostas prontas, o que precisamos é de perguntas e questionamentos honestos e bem formulados e uma verdadeira disposição para dialogar, rever posições e encontrar um ponto comum.

    Respondendo à pergunta colocada pelo Daniel: o direito deveria ser dado igualmente a ambas. Não se trata de discutir quem tem estatura moral, melhores razões ou permissão social para poder realizar um aborto — todas as mulheres sempre viveram escravizadas por estas demandas de aceitação e permissão do “outro”, e seguir com esta lógica não mudaria nada a situação. A questão aqui é de autonomia e responsabilidade. Não se trata de perguntar se a mulher A ou B tem ou não o direito de decidir sobre o próprio corpo ou sobre a própria vida, e sim se perguntar o que pode ser feito para que ambas tenham clareza sobre como exercer este direito. Não é exatamente a mesma questão que aparece no exercício de todos os direitos? Restringir direitos é um passo na direção contrária à Democracia. O desafio é capacitar as pessoas a decidirem como usufruirão de seus direitos.

    Concordo plenamente, e repito, que indiferente a todas estas discussões o aborto é um problema real de saúde pública, e indiferentes à discussão que ocorre, mulheres estão morrendo por conta deste problema. Quem se recusa a enxergar o problema de saúde pública por trás da discussão moral parece não se importar muito com o fato de que pessoas estão morrendo. Talvez secretamente desejem que morram, já que para alguns o direito à vida com dignidade parece se extinguir depois do nascimento, tendo em vista que parecem se importar mais com o nascimento das crianças indesejadas do que com a vida das mães ou das próprias crianças depois de seu nascimento.

    Abraços do Verde.

    • Estava procurando por outra coisa e acabei caindo aqui e como esse assunto me toca profundamente, não pude deixar de ler tudo e querer dar minha opinião à respeito. Concordo com você, Daniel Duende, o direito ao aborto não tem a ver com o caráter da mulher ou suas motivações, tem a ver com o direito soberano da pessoa (não apenas uma mulher, mas qualquer pessoa) sobre o seu próprio corpo e vida. As pessoas acham que é muito fácil para uma mulher tomar uma decisão dessas, porque as pessoas têm uma idéia maniqueísta do ser humano, que somos ou bons ou maus. Acho horrível que em nome de Deus as pessoas queiram julgar e condenar as pessoas. Engraçado que eu tenho uma formação super católica, apesar de hoje em dia não acreditar mais em Deus e nem seguir qualquer religião, os meus valores humanistas são basicamente fundamentados nos valores cristãos de amor ao próximo, de compaixão, de perdão (atire a primeira pedra aquele que não tiver pecados) e por ter esses valores é que eu sou a favor da livre escolha pela mulher. Eu me questiono como é que na cabeça fraca dessas pessoas elas se justificam perante Deus?
      Esse mesmo tipo de questionamento foi colocado para o Dalai Lama no livro “A Arte da Felicidade”: se um casal descobrir que seu neném vai nascer com algum tipo de doença grave é certo o aborto? O Dalai responde que não há certo e errado, há apenas uma decisão dificílima a ser feita e que as duas vão trazer dor para as pessoas envolvidas. O que nos cabe é ter compaixão e dar ao casal e principalmente à mãe o direito de fazer essa escolha, porque pelo resto de suas vidas eles vão carregar as conseqüências dela.
      Acho que isso é que falta às pessoas: compaixão.
      O Rony lá em cima está certo: que culpa tem a mulher estuprada e que culpa tem a criança? Mas ele está errado ao achar que o governo ou ele ou qualquer outra pessoa deva decidir pela mulher e puni-la. Porque se o aborto for proibido, nesse caso ele reconhecidamente está punindo a mãe injustamente, já que admite que ela não tem culpa. Então está faltando compaixão.
      Quanto ao dilema colocado pelo Daniel Pádua sobre o peso da opinião do pai numa decisão pelo aborto, acho que não tem jeito Daniel, mesmo que o homem exerça papel fundamental na concepção, a gestação é completamente com a mulher, o corpo é dela, portanto a decisão final é dela. Infelizmente ou felizmente a natureza é essa, as mulheres é que ficam grávidas.

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