- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Japão, Brasil: Centenário da Imigração Japonesa

Categorias: América Latina, Leste da Ásia, Brasil, Japão, Arte e Cultura, Etnia e Raça, História, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Refugiados, Relações Internacionais, Trabalho

Em junho de 1908, o navio japonês Kasato Maru [1] (笠戸丸 ) [jp] atracou no Porto de Santos, em São Paulo, após 52 dias de viagem, trazendo as primeiras famílias japonesas ao Brasil. A jornada tinha começado em 28 de abril do mesmo ano, quando 781 fazendeiros japoneses deixaram o Porto de Kobe após decidirem se mudar para o outro lado do oceano em busca de melhores condições de vida.

Kasato Maru no Porto de Santos, foto da coleção de Laire José Giraud.

Desde aquele dia, a comunidade japonesa no Brasil [2] só cresceu, ano após ano, especialmente durante os anos de guerra. No entanto, o processo de integração dos imigrantes japoneses à cultura brasileira não foi apenas longo e difícil, as relações dentro da própria comunidade japonesa eram também muito complicadas, devido às formas diferentes como a distância da terra natal, a capacidade e vontade de se adaptar ao novo país afetaram cada indivíduo.

Parupalo Oyaji (パルパロおやじ) do blogue Paruparo Weblog [3] [ja] analisa alguns dos eventos históricos que descrevem bem a complexidade da situação dos imigrantes japoneses durante a guerra.

1941年に開戦した日米間の戦争、太平洋戦争ではブラジルに移民した日本人たちにとっても深刻な問題を引き起こしまし た。ブラジルが連合国側についたため、現地にいた日本人は敵性外国人になってしまったのです。ただ、不幸中の幸いは、米国やペルー在住の日本人たちのよう に強制収容所には収監されずに済んだことです。それでも、敵性外国語である日本語の使用は禁止され、日本語で書かれた新聞・雑誌の配布が禁止されました。

Em 1941, quando a Guerra do Pacífico [4] (Conflito Japão-EUA) tinha acabado de ser desencadeada, um problema sério surgiu para os imigrantes japoneses no Brasil. Como o Brasil ficou do lado dos Aliados, os japoneses vivendo no país começaram a ser vistos como inimigos. Bem-aventurados em seu infortúnio, eles pelo menos não acabaram nos campos de concentração [5] [en] como seus compatriotas presos nos Estados Unidos ou Peru. O idioma, no entanto, foi banido e a publicação e distribuição de jornais e revistas em japonês foram proibidas. […]

Em 1945, o Japão se rendeu aos Estados Unidos e a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim. Mas para 80% da comunidade japonesa no Brasil, o Japão tinha ganhado a guerra. Parupalo Oyaji continua explicando esse lado sombrio da história:

戦争の結果について、日系人社会が二分されてしまったのです。一つは「敵国からの情報を信じてどうする?日本が負けるわけ はない」という「勝ち組」。他方は、冷静に事実を受け止めて日本の敗戦を認識していた(ポルトガル語がわかる人たちで日本が不利な状況であるという途中経 過についても認識していた)という「負け組」でした。
「勝ち組」のなかでも特に過激だったのが「臣道聯盟」という国粋主義的団体で、ついには「負け組」のメンバーを「国賊」として処罰するという武力行使に及 んだのでした。この抗争は次第に激化し、翌年ブラジル軍事警察によって「臣道聯盟」が壊滅されるまで、23名もの死者を出してしまったのです。外国の地 で、本来は助け合わなければならない日本人同士が「殺し合い」をするという大変悲しい事件が起きてしまいました。

Como resultado da guerra, a comunidade japonesa se dividiu em dois grupos [6] [en, pdf file]. A facção dos kachigumi [7](vitoristas) [7] [jp] que pensava “como se pode acreditar nas notícias que recebidas dos inimigos? O Japão não pode ser derrotado” e, do outro lado, a facção makegumi (derrotistas) dos que aceitaram a derrota do Japão e entendiam que a situação tinha começado com a Guerra Fria (muitos deles na verdade entendiam português e podiam também compreender o processo que colocou um fim à guerra).
Dentre o grupo dos vitoristas, havia uma facção particularmente extremista e nacionalista chamada de Shindô Renmei [8] [literalmente “Liga do Caminho dos Súditos”] que considerava os membros do grupo derrotista traidores, e começou uma ação militar para eliminá-los. No ano seguinte, com a intensificação do conflito entre os grupos, a Liga do Caminho dos Súditos foi reprimida por intervenção militar brasileira. Vinte e três pessoas morreram. Coisa muito triste: em uma terra estrangeira, onde os compatriotas japoneses deveriam cuidar uns dos outros, eles estavam se matando.

これだけの騒動を起こしてしまったのですから、当然のこと「日本人移民の受け入れ」は禁止されましたが、1952年から再び解禁となり、その後も1970年頃まで移民が続けられました。
日本から移民した総数は25万人、今でも6万人を少し下回る数の一世(日本人)がブラジルに暮らしています。
また、ブラジルのいわゆる日系人と言われる人たちは、2世から5世まで含めて150万人という海外日系社会最大規模を誇っています。

Por causa desses acontecimentos, a admissão de imigrantes japoneses foi interrompida; ela recomeçou em 1952 e continuou até os anos 70.
No total, o número de imigrantes japoneses no Brasil chega a 250 mil e mesmo agora há cerca de 60 mil japoneses da primeira geração ainda morando no Brasil.
Mas se você levar em consideração os Nipo Brasileiros, da segunda à quinta geração, são 1,5 milhão de pessoas que orgulhosamente formam a maior comunidade japonesa do mundo.

Ano do Intercâmbio Brasil-Japão

Como acordado em 2004 [9] pelo ex-primeiro ministro japonês Junichiro Koizumi e presidente brasileiro Lula da Silva, 2008 foi escolhido o Ano do Intercâmbio Brasil-Japão e durante esse perído vários eventos culturais foram promovidos para celebrar o centenário da imigração japonesa no Brasil.

Takanori Kurokawa, blogueiro japonês morando no Recife para estudar português, descreve um festival japonês [10] organizado em comemoração ao Centenário da Imigração Japonesa no Brasil.

11月最後の日曜日でした。
毎年この日にはレシーフェのフェイラ・ジャポネーザ(日本語では日本市になります)というが開催されるのですが、今年も盛大に開かれました。
今年は日系移民100周年ということでレシーフェの日本人会や日本人、日系人が関わる団体、会社など力を入れていたようです。
レシーフェに住む日系人の数はサンパウロ、パラナーに比べれば圧倒的に少ないので、このお祭りもたいしたことないんじゃないかと思っていたんですが、これが結構すごかったんですよ!

No último domingo de novembro, como acontece todos os anos nesse dia, aconteceu a Feira Japonesa in Recife, mas esse ano foi mesmo em grande estilo.
Como nesse ano estamos celebrando o centenário da imigração japonesa no Brasil, muitas organizações japonesas, grupos e empresas nipo-brasileiros deram suas contribuições.
A quantidade de nipo-brasileiros morando no Recife, em comparação com São Paulo ou Paraná, é muito pequena, então achei que esse festival não seria tão especial, mas tive que mudar de idéia, foi bem impressionante!

会場となった旧市街地の一角は所狭しと屋台が並び、入り口には大きな鳥居が。
日本文化を紹介するコーナー、食べ物のコーナー、手芸品やお土産のコーナーの3つに分かれていました。
[…]あとすごかったのはアニメのコーナーです。日本のサブカルチャーとして大人気のアニメですが、当日はマンガを売る屋台や、コスプレグッズの屋台、ゲームの屋台もありました。
僕の知っているマンガのコスプレ、知らないマンガのコスプレをしたブラジル人でいっぱいでした。

No centro antigo da cidade, onde o festival aconteceu, estandes foram alinhados um atrás do outro, e um torii [portal na entrada do tempo xintoísta] foi colocado na entrada principal… depois três esquinas: a esquina da cultura japonesa, a da comida e a do artesanato. […] A esquina do anime estava também bem bacana. Anime parece ser um produto muito popular da sub-cultura japonesa e naquele dia tinha barracas vendendo mangá [11] ou cosplay [12] [literalmente “fantasia”] ou jogos e tinha um monte de brasileiros vestidos em fantasias inspiradas por mangás, alguns que eu conhecia, outros não.

Imigração Brasileira no Japão

Enquanto nas primeiras décadas do século XX muitos japoneses imigraram para o Brasil em busca de trabalho, a tendência migratória [13] [en, pdf] mudou nos anos 90 e muitos nipo-brasileiros imigraram do Brasil para o Japão, vindo a formar a categoria chamada de dekassegui [14] (出稼ぎ, literalmente “trabalhando distante de casa”). No final dos anos 80, quando o Japão já tinha se tornado um dos países mais ricos do mundo, o ministro do trabalho japonês começou a facilitar a entrada de trabalhadores descendentes de japoneses, garantindo a eles vistos de trabalho para suprir a falta de trabalhadores para as chamadas profissões “sujas, perigosas e degradantes [15]” [en].

Hoje em dia, existem 300 mil nipo-brasileiros (日系人, Nikkei-jin) morando no Japão e a maioria deles trabalha na indústria automobilística [16] [en] normalmente como empregados temporários e sob condições insalubres.


Trailer do documentário Brazil Kara Kita Ojiichan [17] (ブラジルから来たおじいちゃん, “Um Senhor do Brasil: visitando brasileiros no Japão”), sobre Ken’ichi Konno (紺野堅一), um japonês de 92 anos que imigrou ao Brasil 73 anos atrás.

No blogue Raten Nikkei Ryugakusei [18] (ラテン日系留学生), que junta vozes de nipo-americanos, Patricia Yano (矢野パトリシア) escreve suas reflexões quanto à identidade nipo-brasileira que carrega.

私は日系2世です。小さい頃から日系人社会とブラジル人社会の両方を経験しています。日本人の祖父母からいろいろ学んで、日系人であることを誇りに思っています。

Eu sou nissei [19] [segunda geração] e desde criança convivo tanto com a cultura japonesa quando a brasileira. Aprendi muito com meus avós japoneses, e tenho orgulho de ser nipo-brasileira.

[…]ブラジルでは日系人コミュニティは2%を超えませんが、日系人コミュニティをポジティブな少数派として認められてい る。しかし、日本にいるブラ ジル人は、ネガティブな少数派の特集を抱えている。この両面的な特徴を抱えている日系ブラジル人のアイデンティティはどうなるであろう。
自分自身は、日本とブラジルの文化を自分のアイデンティティに統合しました。しかし、両アイデンティティを統合するプロセスは簡単なものではありませ ん。ブラジルにいると「日本人」と呼ばれます。日本に来ると「ガイジン」と呼ばれます。つまり、ポジティブな少数派からネガティブな少数派に変わります。
留学生として来日する日系ブラジル人は、もしかしたら、このアイデンティティの変化を特に感じないかも知れません。しかし、デカセギとして来日する日系 ブラジル人はもっと感じる傾向があります。[…]

No Brasil, a comunidade nipo-brasileira representa apenas 2% [de toda a população] mas é reconhecida como minoria de uma forma positiva. Por outro lado, não é o mesmo para os brasileiros morando no Japão. Me pergunto por que a identidade nipo-brasileira tem duas caras…
Pessoalmente, minha identidade consiste de ambas as culturas, japonesa e brasileira. No entanto, o processo que me trouxe a pensar dessa forma não foi fácil. Quando estou no Brasil, sou chamada de “Japonesa” e quando estou no Japão sou chamada de “gaijin” [forasteira]. Em outras palavras, a forma como me consideram um indivíduo pertencente a uma minoria muda de positiva para negativa.
Os nipo-brasileiros que vêm ao Japão estudar talvez não se sintam dessa forma, mas os dekasegis, gente que vem para trabalhar, se sentem. […]

ブラジルに移住した日本人は、ブラジルで努力をして、ブラジルの社会でポジティブなイメージを形成しました。それで、日本 に住んでいる日系ブラジル人は、どのように日本でポジティブなイメージを形成できるであろう。それで私は感じました。日系人は様々なアイデンティティを 持っており、多様性のあるグループだと思います。 […]
日本人移民の百周年記念の今年に、教育を通じて、様々なことを学ぶべきだと思います。例えば、日本人の子どもに移住の歴史を教えることは重要です。[…]

No Brasil, os japoneses, através de seu esforço, conseguiram criar uma imagem positiva deles dentro da sociedade brasileira. Como os brasileiros no Japão poderiam fazer o mesmo aqui?
Foi isso que pensei. Os Nipo-Brasileiros têm várias identidades e representam inúmeros grupos. Nesse ano, que é o centenário da imigração japonesa no Brasil, a gente deveria focalisar na educação e aproveitar a oportunidade para aprender. Para começar, em minha opinião, é muito importante que os filhos daqueles imigrantes japoneses conheçam essa história.

No mesmo blogue, Neide Ayumi Kuzuo (葛尾 あゆみ ネイデ), apresenta o último livro que ilustrou, chamado “Me, EU” (ぼく・EU), cujo protagonista é um garoto sansei [terceira geração] que se interroga sobre sua identidade, onde ela descreve suas memórias como filha de imigrantes japoneses.

三年間愛知県でブラジル人語学相談員をした時に、主に小学校と中学校合わせて40校以上を訪問しました。入学式から卒業式まで参加しました。

Eu trabalho como conselheira de idioma brasileiro há 3 anos na Prefeitura de Aichi e em meu trabalho já visitei mais de 40 escolas primárias e secundárias. Participo de cerimônias de entrada e graduação.

[…]

外国籍の子どもたちの相談に接していると、私自身の、子どものころの出来事が思い出されます。父が、「ブラジル人はすぐ嘘 をつく。理由なしに仕事を休んで は、次の日にわかりきった嘘をつく。借金が多くあっても平気だ。一年かけてためたお金をカーニバルの一週間で全部使ってしまう。借金までして遊びに行くな んて、信じられん。」とか、「手が早いのには参ったよ。置いてある物は全てもらっていいものだとおもっている。懸命に植えたものを平気で盗んでいく。文句 を言いに行ったら、『食べ物や果物は全て神の物であり、神の物は誰の物でもない、皆の物である』という。神だと、何を言っているのだ。俺が植えたんだ!」 とカッカして帰ってきたのを今でも忘れられません。

Falar com essas crianças me lembra de quando eu tinha a idade delas. Meu pai costumava reclamar e dizer: “Os brasileiros mentem facilmente. Eles faltam um dia de trabalho sem motivo nenhum e no dia seguinte dão desculpas que são obviamente mentiras. Eles não se importam se ficam endividados na semana de carnaval e acabam gastando o dinheiro ganho no ano inteiro. Se divertir a ponto de acumular dívidas. Não dá para acreditar”.
Ainda hoje me lembro quando ele voltou para casa um dia, incendiado de raiva, e disse: “Não sabia que eles tinham dedos tão leves. Basta colocar algo em algum lugar e eles acham que é deles. Roubam sem problema algum o que você plantou com o maior esforço e se você reclamar, dizem “Comida e frutas pertencem a Deus, as coisas de Deus não pertencem a ninguém mas a todos”. Deus?! Que diabos você está falando? Eu plantei aquelas coisas!”

このように、父がブラジルのことを悪く言うたびに、心の中で、その都度、
「ではなぜブラジルにいるの?何でブラジルに来たのよ?」
「私も日本人の顔や形をしているのだから、日本で生まれたかったよ。日本の小学校に通いたかったよ」
「『目を開けろよ、日本人!』なんて目の形のことで知らない人から歩道でからかわれたりしないですむのに・・・」
とずっと思っていましたが、一度もこの気持ちを打ち明けたことがありません。

Daí, toda vez que meu pai falava mal do Brasil, dentro de mim eu me perguntava “Por que você está no Brasil então? Por que veio” e pensava, “Eu mesma tenho uma aparência japonesa e preferiria ter nascido no Japão. Queria frequentar uma escola japonesa!”, ou “[Se eu tivesse morando no Japão] eu poderia andar nas ruas sem ser provocada por causa do formato de meus olhos por alguém completamente estranho dizendo “Abra os olhos, japa!”…. Mas nunca extravasei esses sentimentos.

又、学校でも「アクセントがおかしいよ。こう言うのよ。直しましょうね。と先生にいつも注意されるのいやだよ」「音読が一番きらいだよ」「学校で、年に一 回の祭り、参加したいよ」とも一度も訴えたことはありませんでした。[…]
もう一方では、ブラジルの文化や習慣などに触れることも多くありました。特に家族愛というような、愛情の表現のしかたが一番好きでした。それに、全てに臨機応変で、心で動き、感情豊かで、陽気さの中で育ちました。

E na escola quando eles [repetiam] “Seu sotaque é estranho. É assim que se pronuncia. Vamos corrigir.” Eu nunca reclamei com meus pais dizendo “Odeio tomar carão do professor todas as vezes”, “Odeio ler em voz alta”, “Também quero participar do festival anual da escola!”.
[…] Por outro lado, eu tive a oportunidade de conhecer a cultura e os costumes brasileiros. E o que eu mais gostei é a forma como eles expressam carinho, especialmente em suas famílias. Além disso, o ambiente onde cresci era alegre, cheio de emoções e era considerado normal demonstrar espontaneidade em todas as ocasiões.

Família de imigrantes japoneses no Brasil, imagem da Wikipédia [20].

Em colaboração com Paula Góes [21].