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Brasil: A “Bienal do Vazio” enche a blogosfera

Categorias: América Latina, Brasil, Arte e Cultura, Ideias, Mídia Cidadã

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Architecture Parallax: Book Histories”, 1995-2006. Autor da imagem manipulada: Alexander Pilis [2]

A 28ª Bienal São Paulo [3], que acontece até 6 de dezembro, promete ser a mais antagônica – e possivelmente a mais polêmica – de todos os tempos. Com ameaça de corte de 40% do orçamento (inicialmente de R$ 8 milhões, metade da verba da edição anterior), redução de 120 para 42 artistas convidados e ninguém disposto a assumir a curadoria, junto com o desafio de abrir as portas assim mesmo, a bienal propõe a observação e reflexão [4] sobre o sistema e sobre a cultura das bienais no circuito artístico internacional.

Para começar, o segundo andar do pavilhão projetado por Oscar Niemayer no Parque do Ibirapuera, que abriga a exposição, permanecerá completamente vazio. Em uma das instalações do terceiro andar, o próprio artista – ou melhor, sua nudez – vira peça de instalação. No terceiro piso estão ainda trabalhos que abordam, de alguma maneira, a história da Bienal de São Paulo, além de uma biblioteca e um espaço para conferências. A relevância dessa bienal, no entanto, tem sido francamente discutida por artistas, críticos, imprensa, e, claro, blogueiros.

Eduardo Ferreira [5] explica um pouco a mudança de formato, uma alteração do paradigma estabelecido desde a primeira Bienal de São Paulo in 1951, daquela que antes mesmo da inauguração já estava sendo chamada de “Bienal do Vazio”:

A exposição ficou conhecida como “bienal do vazio”, mas seu tema real é “em vivo contato”, muito pertinente para a proposta que se apresenta. Um evento das proporções da bienal, com sua importância mundial (no patamar próximo às gigantes Bienal de Veneza e Documenta Kassel), tem a função de revelar o que se tem feito de mais importante no mundo da arte, expor as “tendências” mundiais, criar diálogos regionais de modos de pensar a arte, de fazê-la, de entendê-la, e o que se faz na 28 bienal é justamente não só pensar essa produção contemporânea, mas pensar o modelo de exposição “bienal” no paradigma que vem sendo estruturado. Grandes feiras, proporções gigantescas, variedade espetacular, orçamentos monumentais, etc., a bienal desse ano vai quase que na contramão disso, chegando ao ponto de deixar um andar inteiro vazio (alvo de vandalismo por parte de determinados pseudo-artistas na busca de exposição na mídia) para tornar mais forte essa questão.

Por outro lado, Rodrigo [6], professor que levou seus estudantes já sabendo dos questionamentos propostos mas que se decepcionou com o amadorismo do curador, afirma que a história da Bienal se dividirá em antes e depois de Ivo Mesquita, que aceitou o desafio rejeitado por muitos dos curadores convidados quase que de última hora:

Sob o ponto de vista do curador ele conseguiu o que queria: deixar a todos indignados! Mas eu acredito que a função da Bienal seja maior do que deixar o mundo indignado. O curador conseguiu! Ele acabou com a terceira maior exposição de arte do mundo! Um verdadeiro Iconoclasta!

Fábio Oliveira Nunes [7] também saiu da bienal carregado a enorme decepção de “testemunhar a pior exposição de todos os tempos”, embora ele ache que o problema não esteja no vazio em si, mas numa sucessão de erros. Ele recomenda que os visitantes diminuam suas expectativas:

Então, simplesmente esqueça os corredores repletos de visitantes, a quantidade infindável de trabalhos, a necessidade – em todas as edições que vi – de ir mais de uma vez e os trabalhos que nos farão pensar por dias seguidos. Acredite: reserve somente uma hora do seu dia e torça para algo melhor surgir daqui a dois anos.

As pessoas continuam visitanto a mostra e algumas peças têm se mostrado bastante populares. Dentre elas, talvez a mais visitada nessa primeira semana tenha sido a performance do artista plástico brasileiro Mauricio Ianês [8], chamada de “A Bondade de Estranhos”, cujo ponto central é o corpo próprio artista e que começou com Ianês sem roupas, no meio da galeria. Enquanto muitos a desprezaram como arte, Santiago Nazarian [9] gostou da idéia:

A idéia é ele viver como uma instalação, até o final da próxima semana, dentro do Prédio da Bienal – dormindo lá, comendo lá – sobrevivendo apenas da “bondade de estranhos.” Ele começou a performance nu, mas aos poucos vai ganhando presentes dos visitantes. Segundo a Folha de São Paulo, no dia da estréia ele já tinha ganho uma camiseta, uma torta de frango, uma garrafa d'água e um “amigo imaginário”… Acho esse um ótimo exemplo de arte conceitual bem aplicada. Tem um conceito forte por trás, e está demonstrando de maneira mais incisiva e poética do que se fosse descrito como um texto – ou retratado numa pintura, ou cantado numa música. É uma performance que de fato materializa um conceito artístico, e ainda assim nem precisa ser vista para fazer sentido (ou para ser compreendida como arte).

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“Zona Morta”, também de Maurício Ianês, 2007. Foto: Ding Musa

O artista já está vestido e alimentado com doações dos visitantes (veja um vídeo [11]). Esse foi um dos assuntos que mais ganhou destaque na mídia. O outro foi o tal vazio, que tem gerado mais discussão do que as obras dos 42 artistas convidados. Sobre esse debate, Lau(ra)roots [12] diz que a questão primordial é saber o quanto esse “Vazio” incomoda, e conclui que ele ocupou uma dimensão de fato bastante desconfortável:

O vazio é o nada. É ausência de tudo. É a falta de preenchimento de algo. É oco, inodoro, incolor e quiçá insípido. É desprovido de conteúdo. É vazio.

Um tanto anacrônico considerar a proposta do vazio na 28º Bienal de Artes de São Paulo sendo algo de vanguarda. A todo o momento somos estimulados a lidar com a complexidade do múltiplo, o acúmulo material e intelectual, o preenchimento do tempo e do espaço a fim de suprir as necessidades existentes. Somos impulsionados ao consumo. A satisfação do ser está intimamente ligada ao ter. A felicidade é moeda de troca: só é feliz aquele que se realiza ao mesmo tempo na vida pessoal e profissional.

Quando há o vazio, há a impressão de que algo saiu errado. Logo somos levados a crer que os objetivos não foram alcançados; falhamos. Existe uma incompetência subtendida no conceito do vazio que chega a superar a própria percepção da ausência. Pode-se dizer que a angustia que toma conta de nossos sentidos chega ser um alento, pois ela preenche a sensação do nada que havia até então.

E quando não preenche, o vazio é preenchido. No primeiro dia de visitação, por volta das 19h35 do domingo passado, um grupo formado por cerca de 40 pichadores invadiu o pavilhão e pichou parte de seu segundo andar, aquele que ficaria propositalmente vazio. Os pichadores, liderados por um artista conhecido como Pixobomb, aproveitaram-se desse fato para preencher as paredes com frases do tipo: “Isso que é arte”, além de suas tags Susto, 4 e Secretos. Ana Paula Freitas [13] não tem certeza se ela acha que a instalação de Mauricio Ianês é arte, mas caso seja, o que faria a peça diferente da ‘manifestação’ do grupo de pichadores?

O que separa esse tipo de ação da ação dos outros caras? No caso do Pixobomb, ele diz que as invasões são um manifesto contra a capitalização do grafitti, que foi concebido como uma arte ilegal. Ianês, segundo o UOL [14], pretende com sua instalação “questionar a comunicação entre artista e público, e a responsabilidade do trabalho nesta comunicação.” Oi? É triste, mas a justificativa dos pichadores é muito mais coerente e bem menos hermética. (…) E aí? Qual dos dois é mais arte, qual dos dois é mais questionador? O pelado que quer contestar a relação entre arte e o público (ou seja, até existe uma relação com o terrorismo poético, que também questiona e subverte essa relação) e é aclamado por isso ou o bando de pichadores, que invade uma galeria de artistas engomadinhos para pichar uma parede vazia e com isso contestar o que é estabelecido como arte?

Para a maior parte dos blogueiros, a bienal, de fato, já teve dias melhores. O ator e artista Diego Miguel [15] relembra que há 55 anos, a Bienal de São Paulo trouxe ao Brasil artistas que estavam fazendo a história da arte contemporânea, como Klee, Calder, Mondrian, Henry Moore, De Konning, Munch, Léger, Braque, Picasso. O blogueiro diz em voz alta: “Como eu queria voltar no tempo!”

Conceito? Não! Seria hipocrisia de nossa parte, enquanto artistas, acreditarmos em tal afirmação.
Para comprovar isso, podemos pensar no objetivo da Bienal: mostrar o que há de melhor na arte contemporânea, o que os artistas atuais estão fazendo. Seria mais honesto admitir a falência da Bienal e a redução da verba para exposição (de 18 milhões – Bienal de 2006 para 09 milhões – Bienal de 2008).

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Weightless days [Dias sem gravidade], 2006. Perfomance, projeção de video, som dos artistas e designers Angela Detanico e Rafael Lain, dos bailarinos e coreógrafos Megumi Matsumoto e Takeshi Yazaki e do músico e artista Dennis McNulty.

Para finalizar, acesse o post de S… [17] que ilustra bem o espírito da Bienal.