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Angola: Zungueiras enfrentam vida dura com dignidade e coragem

Categorias: África Subsaariana, Angola, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Juventude, Mídia Cidadã, Trabalho


“Ela precisa carregar seu bebê enquanto anda pelas ruas de Luanda vendendo várias coisas. Em Luanda, as chamamos de “zungueiras”. Foto “Senhora com bebê” de Jose Carlos Costa [1], usada com permissão do fotógrafo.

Pelas ruas desta cidade de Luanda, vêem-se zungueiras de olhar humilde e determinado. Percorrem as ruas da cidade faça sol ou chuva. Algumas carregam os filhos às costas, ao mesmo tempo que suportam o peso da mercadoria que vendem. Pode ser fruta doce como a fruta-pinha, a manga perfumada, o abacate da cor da esperança que estas mulheres teimam em preservar, ou sandes bem recheadas com fiambre e queijo. Produtos como roupa, sapatos, livros escolares ou peixe são outros dos artigos escolhidos por estas lutadoras e provedoras do lar.

Jorge Ramos do blog Jorginho em Angola [2], comprova esta realidade e escreve sobre as zungueiras da bela península do Mussulo:

“As zungueiras são as milhares de angolanas que saem às ruas vendendo todo o tipo de mercadorias que carregam na cabeça mesmo. Essas zungueiras do Mussulo atendem a um público específico e oferecem produtos como roupas de praia, batas e peças inteiras de panos multicoloridos, ricamente estampados com figuras africanas e linhas geométricas, bem ao gosto do padrão daqui. Elas caminham o dia todo, sob o sol escaldante. É absolutamente incrível a capacidade das zungueiras em equilibrar sobre a cabeça balaios, sacos, cestos, bacias e sacolas onde transportam as mercadorias que vendem. Desafiando as leis da física, o frágil equilíbrio se impõe perante vários obstáculos que se interpõem ante elas nas ruas e calçadas além dos filhos pequenos, que carregam nas costas, atados por panos que amarram na frente à altura do peito. Milhares de zungueiras percorrem a cidade, o dia todo, de um ponto a outro de Luanda, arriscando-se muitas vezes em meio ao tumultuado trânsito”.

“As mulheres que estão “na zunga” são as que vivem do comércio ambulante. É uma alternativa à fome num país de poucos empregos. Mas na África até isso fica estético, colorido”. Foto Zungueiras, de wilsonbentos [3], usada com permissão do fotógrafo

O trânsito infernal que reina sob Luanda é o menor dos males para estas mulheres. Os fiscais que rondam a cidade em busca de infracções caracterizam-se pelo tom áspero e austero com que se dirigem às vendedoras ambulantes. A relação entre fiscais e zungueiras está longe de ser cordial. Muitas queixam-se do modo de actuação destes indivíduos, já que a maioria, fica-lhes com o dinheiro e com a mercadoria, o que significa humilhação e um rombo no orçamento familiar.

O governo tenta acabar com a venda ambulante e tenciona construir mercados próprios para acolher as zungueiras. Se essa meta for atingida, será que Luanda voltará a ser a mesma? A cidade perderá o colorido e o prazer de ver o gingar guerreiro destas mulheres e as bacias coloridas em que transportam a sobrevivência diária.

A documentarista Marisol Kadiegi dedica em Angola de Todos Nós [4] um merecido espaço às zungueiras de Luanda e de outras regiões do país:

“Elas saíram do Uíge, Malange, Benguela, enfim! De todas as províncias de Angola para na capital do país, tentarem uma vida melhor e em busca de sonhos, tentar ver seus filhos “doutores”. Castigadas pela guerra, herdaram da mamã quitandeira a arte de vender, da palavra “zunga” originária do kimbundo, ela se tornou andarilha, andante ou vagante. Essa dita senhora é a nossa zungueira, mulher batalhadora que muito antes do sol, se levanta para tratar da vida e conseguir alimento para o seu sustento. Assim como uma leoa, caça comida para seus filhos enquanto o “rei” leão descansa. A nossa vendedora que de porta em porta e nas ruas da cidade sai oferecendo o seu produto, fazendo do lamento um grito. Na maioria das vezes, levando o filho caçula nas costas, dá um kilape (crédito) às freguesas habituais e carrega no rosto um sorriso na esperança de um dia ver-se totalmente liberta da sua condição.

Vítima de violência da polícia e muitas vezes por parte dos próprios companheiros, a mulher zungueira é exemplo de dignidade.”

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“Mulheres trabalhando”, foto de Jose Carlos Costa [1], usada com permissão do fotógrafo

Dignidade e coragem são dois bons adjectivos para caracterizar estas mulheres. Devido à falta de formação e à pobreza, muitas mulheres angolanas vêem-se obrigadas a entregar-se à vida ambulante. Jorge Ramos [2] conta um pouco sobre o dia a dia das zungueiras:

“Quando cansam, param e se sentam nas calçadas onde amamentam seus bebés e tiram alguma fruta dos seus alforjes para se alimentarem. Às vezes é numa esquina movimentada, mas já vi uma zungueira em pleno centro da cidade parar num calçadão, baixar seu balaio de peixe salgado e ressequido e dar meio abacate para o filho pequeno que se lambuzava, bem na porta de uma moderna agência de um banco europeu, num belo contraste cultural. Idiossincrasias da globalização, que não comporta vertentes antropológicas nem aspectos humanistas em sua inexorável marcha, por isso nessa minha breve leitura contento-me em apenas analisar o episódio sob o prisma da plasticidade da cena e seu significado. Com as elevadas taxas de desemprego e o escasso acesso a uma formação escolar ou profissional ser zungueira é a actividade que mais absorve jovens angolanas pobres, geralmente mães solteiras, algumas recém saídas da adolescência.”

As fotos acima foram tiradas por Marcelo Frota e são reproduzidas aqui com a permissão do fotógrafo. Veja mais fotos dele no Flickr [6] e no Picasa. [7]