Assombrações e lendas brasileiras na lusosfera. Parte 3

Para fechar com chave de ouro esta série sobre os mitos, lendas e assombrações brasileiros aos olhos da lusosfera, não poderíamos estar falando de outra entidade que não o brasileiríssimo Sací Pererê. Depois de conhecer seres míticos como a Cuca, o Boitatá e o Curupira no primeiro artigo desta série, e ler intrigantes narrativas sobre o Cabeça de Cuia e o Caboclo D'Água, entre outros, no segundo artigo da série, agora vamos nos debruçar sobre a mais famosa das entidades míticas brasileiras, que chegou a ser contemplado por leis que transformam o dia 31 de outubro no Dia do Saci.

Mas quem ou o quê é o Saci Pererê? Essa entidade esperta, especialista em confundir e enganar — por diversão ou por maldade — conseguiu confundir até mesmo a blogosfera. Muitas são as origens e descrições distintas encontradas. Para não contribuir com a confusão, o que só ajudaria os planos do Sací, vamos citar apenas duas delas.

O site Ifolclorevárias descrições do Sací Pererê. Entre elas, esta é uma das mais esclarecedoras:

“O Saci é uma entidade muito popular no folclore Brasileiro. No fim do século XVIII já se falava dele entre os negros, mestiços e Tupis-guarani, de onde se origina seu nome. Em muitas regiões do Brasil, o Saci é considerado um ser muito brincalhão, que esconde objetos da casa, assusta animais, assovia no ouvido das pessoas, desarruma cozinhas; enquanto que em outros lugares ele é visto como uma figura maléfica. É um negrinho de uma perna só que fuma um cachimbo e usa na cabeça uma carapuça vermelha que lhe dá poderes mágicos, entre eles, o de aparecer e desaparecer onde desejar. Tem uma mão furada e gosta de jogar objetos pequenos para o alto e deixa-los atravessa-la para pegar com a outra. Ele costuma assustar viajantes ou caçadores solitários que se aventuram por lugares ermos nos sertões ou matas, com um arrepiante assovio no ouvido, para em seguida aparecer numa nuvem de fumaça pedindo fogo para seu cachimbo. Ele gosta de esconder brinquedos de crianças, soltar animais dos currais, derramar sal que encontra nas cozinhas, e em noites de lua, monta um cavalo e sai campo afora em desembalada carreira fazendo grande alvoroço. Diz a crença popular que dentro dos redemoinhos de vento – fenômeno onde uma coluna de vento rodopia levantando areia e restos de vegetação e sai varrendo tudo que encontra a sua frente – existe um Saci.”

A Enciclopédia Mestiça chama a atenção para as diversas origens possíveis do Sací, e o relaciona com outros seres encantados e mitos do Brasil e do mundo:

“A representação clássica do Saci Pererê é a de um negro pequenino, de uma perna só, com uma toca vermelha na cabeça e um pito na boca. É dado a ele um temperamento irrequieto e está sempre fazendo traquinagens. Não se deve, porém, dizer que seja mau, antes que seja imprevisível e um tanto inconseqüente. Não há consenso sobre sua origem, se indígena ou negra; conforme a região foi sendo representado em diferentes nuances. É visto como um ser mestiço por alguns. Em 1917, Monteiro Lobato organizou uma pesquisa entre leitores do Estadinho, publicação vespertina do O Estado de São Paulo. No ano seguinte publico o livro Inquérito. Para Monteiro Lobato, o saci é fruto de influências indígenas, negras e portuguesas. Seu mito desenvolveu-se mais fortemente nas áreas sertanejas do Sudeste. Ele seria mais encontrado em locais com plantas. Pode ser um versão de Exu, o orixá que como ele possui um caráter de desorganizador-reorganizador e um comportamento imprevisível. Desde as primeiras missões jesuíticas, Exu é associado ao Diabo, da religião cristã. O Saci pode estar também ligado ao mito português do Matintaperera, ou Matintaperê,
[…]
No Amazonas houve o mito de uma entidade também com o nome de Matintapera, de duas pernas e sem carapuça, cujo poder vem de um colar; corresponderia ao Cambaí, em guarani, e ao Iaci, em tupi. Os negros o teriam associado a Ossaim, filho de Iemanjá e Oxalá, que possui uma única perna e cuida das plantas. Entre os países da bacia do Prata, houve o Iaci Iaterê, um ser de cabelos de fogo. No folclore haitiano há o Quibungo, de origem banto, um menino que sai à noite para perseguir pessoas. Outra personagem africana é o Gunocô, que protege as matas. Na Europa, havia também o mito dos duendes, pequenos seres campestres. Em 2003, foi fundada em São Luiz do Paraitinga, São Paulo, a Sociedade dos Observadores do Saci – Sosaci, que conseguiu aprovar, na capital paulista, o dia 31 de outubro como o dia do Saci.”

Por falar na Sociedade dos Observadores de Sací, o site da organização reúne vários artigos interessantes, em português, para quem quiser saber mais sobre o Sací.

Uma das perguntas mais frequentes a respeito dos Sacis é por quê ele tem só uma perna. Entre as muitas respostas que encontrei, a resposta dada por Tio Cráudio no lendário blogue Casos Sobrenaturais é a mais direta e esclarecedora:

“[…] Com a chegada dos escravos negros trazidos pelos invasores portugueses, a lenda do saci miscigenou com o choque cultural. Passou a ser negro e perdeu uma perna.
[…]
Essa mudança não foi por acaso e tem um sentido mórbido. Era comum os escravos fugidos serem recapturados e torturados. Alguns chegavam a ser multilados.

Uma das formas de vingança que os negros escravos usavam era a psicológica. As escravas usadas como babás , para sacanear com os portugueses, costumavam contar histórias e cantigas de ninar cujo tema tinha como objetivo abaixar a estima e criar o medo nas crianças .

Na lenda do Saci especificamente, o mesmo se tornava o vingador dos escravos, fazendo tudo o que eles queriam mas não podiam fazer.”

Seja um protetor das florestas ou uma espécie de demônio, ou apenas uma entidade infantil brincalhona, é importante saber como lidar com os Sacis. Uns dizem que se deve ter muito cuidado com suas brincadeiras, e evitar andar pelos lugares que ele frequenta. Outros afirmam que o melhor jeito é capturá-lo antes que faça algum mal. Para os que pensam assim, Tio Cráudio, grande estudioso do conhecimento arcano, traz no mesmo post uma receita de como aprisionar os sacís:

“[…] O fato de ter uma perna só não é problema por que ele se movimenta através de redemoinhos de vento.

Boa parte de seus poderes estão no contato com o famoso gorro vermelho (herança da cultura européia). Com ele o Saci pode ficar invisível e se locomover.
[…]
Você precisa estar armado com uma peneira, uma garrafa, uma rolha, um rosário […]

Assim que vir o redemoinho, jogue rapidamente a peneira em cima. Isso por si só já imobiliza o bicho.

Agora é fácil. Pegue o rosário e envolva a peneira. Com isso você vai poder abrir sem que ele fuja. ( A visão católica era que o Saci é um demônio. Assim ele deve temer os símbolos cristãos)

Próximo passo. Coloque a garrafa no centro. O bicho vai estar tão doido por causa do rosário que vai tentar se esconder lá dentro. Espere uns cinco minutos. Acho que é tempo suficiente.

Em seguida tampe a garrafa com a rolha e pronto!!!”

E como o Sací é esperto, já está quase conseguindo até se tornar símbolo da Seleção Brasileira de Futebol, como nos conta Paulo Bicarato em seu Alfarrábio. Paulo nos conta também que tem gente que não gostou da idéia. Mas já era de se esperar que um ser misterioso e brincalhão como o Sací fosse encontrar resistência em seus planos para se tornar mundialmente famoso.

O Sací Pererê, mesmo sendo um dos mitos mais famosos e importantes do Brasil, é também muito misterioso, e há sobre ele mais desinformação do que conhecimento — bem do jeito que ele gosta. A Sociedade dos Observadores de Sací solicita que as pessoas enviem seus relatos de encontros com sacís, ou qualquer informação que descubram sobre estes seres, na tentativa de enxergar através das brincadeiras pregadas por este mito. Como sempre, seguimos observando os mitos da blogosfera, e voltaremos a relatar caso eles descubram alguma coisa.


Mais lendas e assombrações:

Este post é parte de uma série do Global Voices Online sobre fantasmas, assombrações, mitos e lendas, que coincide com o Halloween, o Dia de Todos os Santos, e os feriados macabros desta época. Visite nossa página de cobertura especial [En].

Todas as imagens usadas neste artigo estão disponíveis na página da Sosaci, e foram usadas por gentil permissão do Sací.

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