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Brasil: Massacre do Carandiru, impunidade e esquecimento

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Esforços Humanitários, Governança, História

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Visita ao Carandiru, foto pela usuária do Flickr silmaraelis [2], publicada sob licença da Creative Commons. A legenda diz “as almas já estavam esquecidas lá dentro há muito tempo”.

O Massacre do Carandiru [3], considerado uma grande violação dos direitos humanos da história do Brasil, aconteceu há dezesseis anos (em 2 de outubro de 1992) depois que uma briga entre presos teve início no Pavilhão 9 do Complexo Penitenciário do Carandiru [4], em São Paulo. Fora de controle, a rebelião acarretou na intervenção de tropas de elite da Polícia Militar e num confronto, o que resultou na morte de 111 prisioneiros. Nenhum policial morreu.

Grupos de Direitos Humanos alegam que a maior parte dos prisioneiros não estava armada e não houve resistência, e acusam a polícia de também abrir fogo contra presos que já tinham se rendido ou que tentaram se esconder. Independente disso, ninguém veio a ser punido e a única pessoa a ser julgada foi o comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães (assassinado em setembro de 2006 em um possível crime passional). Ele foi inicialmente setenciado a 620 anos de prisão mas a setença condenatória foi em seguida revogada por causa de equívocos no processo.

Muitos blogueiros brasileiros re-publicaram as notícias que circularam na imprensa, mas apenas alguns poucos dedicaram um post original ao dia. Dinha [5] doi um deles, lembrando a data como “a maior covardia contra a população carcerária na história do país”:

Ontem, 02/10/2008, fez 16 anos que o Estado divulgou oficialmente que massacrou 111 cidadão brasileiros. Todos os que foram massacrados, assassinados, não estavam em guerra franca com o Estado, mas sim, no momento do massacre, eram prisioneiros, estavam sob cutódia desse mesmo Estado. Por isso estavam desarmados e mais, muitos estavam trancados em celas.

Em um post chamado “Impunidade”, Tarso Araújo [6] lembra que ninguém foi responsabilizado por esse crime, e que não existe uma estimativa de quando os acusados irão à julgamento:

O fato de o processo envolver muitos réus, além das dificuldades estruturais do Judiciário para responder ao acúmulo de ações pendentes, faz a tramitação ficar lenta.

O processo está em grau de recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Por haver indícios de autoria de crime doloso contra a vida, o juiz determinou que os réus fossem julgados por júri popular, situação com a qual os denunciados não concordam.

Depois que o TJ-SP decidir a questão, será necessário definir os procedimentos para o julgamento de um número elevado de réus. Não há previsão de prazo para que os réus sejam julgados.

Respondendo a uma pergunta feita no Yahoo! Respostas sobre como a rebelião começou, Pucca [7] [pt] compartilha uma parte da história que ela tomou conhecimento por meio de um conhecido, um dos presidiários do Pavilhão 9 que sobreviveu ao massacre:

Um conhecido de família viveu aquele inferno. Ele nos disse que na verdade ninguem sabe afirmar exatamente como tudo começou. Ele disse que ajudou a jogar mais de 200 corpos dentro do fosso de supostos elevadores existentes no presídio e que tiveram suas portas lacradas com concreto. Seu amigo de cela (barraco) foi morto por policiais, ele só sobreviveu porque se escondeu atras da porta, quando as celas foram desocupadas pelos presos a pedido dos pms ele disse que correu juntamente com tantos outros presos pelas escadarias da prisão que estavam lavadas de sangue e cachorros pastor alemão iam ao encalço deles. Um dos cachorros mordeu sua mão direita. Disse que ficou no pátio com outros presos mais de 12 horas pelados e todos de cócoras. O crime dele???? Participou de um assalto a uma casa lotérica, réu primário cumpria pena no pavilhão 9, onde tudo começou.

The Hub [8] traz uma entrevista com P.P. [9], que estava cumprindo pena no vizinho Pavilhão 8 e que assistiu ao desencadear do horror da janela de sua cela. Ele afirma que o número oficial de mortos, 111, reflete apenas àqueles que foram procurados por familiares – ele acredita que foram mais de 300 mortos. Junto com um grupo de mais de 30 presos, ele foi convocado para ajudar a retirar os corpos, sendo que por conta própria carregou 50. P.P. lamenta que, 16 anos depois, o caso é marcado pela impunidade e pelo esquecimento:

“Foi feio. Agora o que mais dói, o cúmulo é que caiu no esquecimento. Ninguém mais retoma esse assunto aqui no Brasil” (P.P., em entrevista a Raquel Quintino, militante dos direitos humanos da Universidade de Comunicação Livre. Veja a entrevista completa em português [10]).

O Complexo Penitenciário do Carandiru chegou a ser a maior prisão da América do Sul e a ter uma população de 8 mil presidiários. O presídio foi demolido em 9 de dezembro de 2002 para que o local fosse transformado em um parque aberto ao público. O usuário do YouTube mtrombelli [11] tem um documentário [12] feito por estudantes de jornalismo mostrando os últimos momentos, as celas vazias e a demolição. O usuário do Flickr ispic [13] tem uma galeria de fotos [14] tiradas antes da demolição.

Aqueles que gostariam de saber mais sobre a história da prisão e do massacre podem começar assistindo ao aclamado filme Carandiru [15], dirigido por Hector Babenco [16], e inspirado no best-seller Estação Carandiru [17], do médico brasileiro Drauzio Varella [18], que trabalhou como voluntário no presídio lidando com a epidemia de AIDS no local, entre 1989 e 2001.