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Brasil: Decisão na polêmica disputa de terras indígenas em suspense

Categorias: América Latina, Brasil, Etnia e Raça, Governança, Guerra & Conflito, Indígenas, Lei

O Superior Tribunal Federal (STF) decidiu adiar a decisão sobre o território Raposa Serra do Sol [1], que é objeto de disputa entre tribos indígenas e rizicultores em Roraima, mas votará na semana que vem um outro caso de demarcação menos complexo. A decisão sobre as terras Caramuru-Paraguaçu na Bahia abrirá, dessa forma, o precedente legal para quase 150 outras disputas de terras indígenas que o caso Raposa Serra do Sol deveria abrir. Menos complexo, mas nem por isso menos importante para o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe [2], que espera por essa decisão há mais de 26 anos. O início do julgamento está marcado para 24 de setembro [3] e o caso começa a ganhar atenção na blogosfera. Anarquista Amador [4] comenta:

Esperar 26 anos por uma decisão não é sério. Este papo de que a justiça tarda mais não falha é barato demais. As pessoas envelhecem, morrem. As decisões não vêm e não há suspensão ou garantias. E longe de termos um Estado fraco, omisso, temos um Estado forte que garante que as decisões não sejam tomadas em prazos reais.

A data marcará um mês desde que o futuro da reserva Raposa Serra do Sol foi colocado no limbo. No dia que o Superior Tribunal Federal deveria chegar a uma conclusão, 27 de agosto passado, uma advogada indígena defendeu deu povo, pela primeira vez na história do STF. Joênia Batista de Carvalho, da tribo Wapichana, foi ao plenário para se apresentar diante do painel de 11 juízes. Ela defendeu o direito à reserva Raposa Serra do Sol, e denunciou o fato de que os conflitos acarretaram a morte de 21 líderes indígenas:

“Nós somos acusados de ladrões dentro de nossa própria terra. Nós somos caluniados, discriminados e nisso tem que colocar um fim.”

Depois de um discurso de quase duas horas, o relator do caso, Ministro Ayres Britto, foi o primeiro a votar, favorecendo a manutenção da Raposa Serra do Sol como uma reserva contínua, o que foi visto como um amplo reconhecimento dos direitos indígenas no Brasil. No entanto, outro ministro solicitou adiação para que maiores investigações fossem levadas a cabo, o que significa que o caso está em suspense até que uma nova sessão seja marcada. Enquanto isso, tanto a emocionante declaração da advogada Joênia quanto o surpreendente voto do Ministro Ayres estão sendo comentados, criticados e elogiados blogosfera afora.

D. Bertrand de Orleans e Bragança [5], o trineto do último imperador brasileiro Dom Pedro II [6] que viaja pelo país proferindo palestras para fazendeiros e empresários em defesa da propriedade privada e da livre iniciativa, acha que “a performance da Dra. Joênia é puramente emocional”:

Com essa argumentação, a Dra. Joênia não vai conseguir grande coisa. Será mesmo ir contra a inteligência dos senhores Ministros do Supremo querer chamar de racista a defesa dos produtores rurais, que são apoiados pela maioria dos índios da Serra do Sol, os quais, por sua vez, são em maior número que os da Raposa. Racistas seriam os índios que querem separar-se do País através da ocupação de uma imensa área, para ali, sentados sobre riquezas incalculáveis, serem os maiores latifundiários brasileiros, se bem que em posse coletiva. Um privilégio racista, esse sim.

Amanda Vieira [7] ficou orgulhosa da performance da advogada Wapichana:

Joênia Batista de Carvalho, nós temos orgulhos de você. Por ser índia, mulher, advogada, por fazer uma defesa tão brilhante, por nos fazer acreditar que a luta pela diversidade no Brasil vale a pena e dá muito certo. Salve Joênia! Contamos com sua sabedoria e seu exemplo.

Por outro lado, Yashá Gallazzi [8] não tem muita certeza sobre os direitos indígenas no século 21:

Devo presumir que tanto Joênia, como as ONG's (nacionais e internacionais), bem como alguns ministros do STF, prefeririam que tudo continuasse como era nos tempos antigos quando os aborígenes (essa foi a palavra usada por Ayres Brito) viviam em harmonia com a mãe terra. O problema é que em tal realidade idílica não haveria espaço para algumas faces próprias do progresso, como uma universidade, por exemplo. Elogiar uma descendente de índios que se formou em Direito e chegou ao ápice de fazer uma sustentação oral no STF é algo muito digno e válido. Contudo, isso há que ser resultado da capacidade técnica e jurídica da pessoa, não de sua origme étnica. A advogada índia é expressão da democracia e do sistema de liberdades democráticas próprios das sociedades ocidentais.

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Manifestação em solidariedade aos povos de Raposa do Sol nas ruas de Rio Branco – Acre, no mesmo dia que a decisão ia a plenário do STF. Foto de Talita Oliveira [10]

Mais de 200 policiais federais armados foram enviados à região em antecipação à possível violência depois do veredito, o qual se esperava que causasse conflitos independente do lado vitorioso. É provável que uma nova sessão aconteça antes do final do ano, e espera-se que as partes envolvidas não precisem esperar por 26 anos. Ou não, como supõe Maria Rachel Coelho Pereira [11], que estava lá no dia 27:

As evidências da sistemática aliança entre abusos de poder político-econômico e impunidade em torno da causa anti-indígena, já abundantes no passado, parece continuar ainda hoje. No dia 27 de agosto passado ao sairmos do STF fomos surpreendidos com um boato de que o julgamento seria estrategicamente “empurrado” para o final de 2009.

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Manifestação em solidariedade aos povos de Raposa do Sol nas ruas de Rio Branco – Acre, no mesmo dia que a decisão ia a plenário do STF. Foto de Talita Oliveira [10]

E por falar em abuso político-econômico, Luiz Valério [13] cita um caso recente de intimidação da mídia relacionado ao caso Raposa Serra do Sol. Ele escreve sobre a fricção entre o jornalista Leandro Freitas, do movimento the “Nós Existimos”, e o rizicultor e político acusado de atacar uma tribo Makuxi [1], Paulo Cesar Quartiero, quando o primeiro tentou entrevistar o último em 8 de setembro passado:

Buscando ouvir a versão de Quartiero para a denúncia foi feita formalmente por 65 lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol, protocolada e encaminhada à Funai em Roraima e Brasília, ao Ministério Público Federal, ao Ministério da Justiça e ao Conselho Indígena de Roraima, o jornalista foi tratado de forma desrespeitosa, assim como veículo de comunicação para quem ele trabalha. Esta não é a primeira vez que Paulo Quartiero age com desrespeito contra jornalistas. No primeiro semestre também foi ele o protagonista de outro atentado à liberdade de imprensa e livre exercício da profissão de jornalista em Roraima, quando determinou a captura de equipamentos de filamagens e fitas de vídeo de uma equipe da TV Ativa, que cobria o conflito na região da Raposa Serra do Sol.

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Manifestação em solidariedade aos povos de Raposa do Sol nas ruas de Rio Branco – Acre, no mesmo dia que a decisão ia a plenário do STF. Foto de Talita Oliveira [10]. Veja mais fotos da manifestação [15].