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Brasil: Formas criativas de censura, e a questão da anonimidade

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Eleições, Governança, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política, Tecnologia, Blogueiros

O Brasil está acostumado a ser reconhecido pela presença qualificada da população na Internet, e pela facilidade dos usuários em assimilar novas possibilidades da rede. Apesar disso, ou talvez exatamente por conta disso, o país esteja se tornando rapidamente um espaço para inovadores e criativos modelos e táticas de censura na internet.

Uma busca rápida por “‘brazil’ + ‘censorship'” no Global Voices [1] [En] nos retorna um punhado de títulos assustadores publicados nos últimos 6 meses (todos já traduzidos para o português): Demissão de Blogueiro: Censura ou apenas negócios? [2] (23 de março), Blogueiros unidos contra o bloqueio do WordPress [3] (12 de abril), Primeiro blog vítima da lei eleitoral [4] (1 de junho), Blogando Contra a Censura na Rede [5] (19 de julho), Blogueiros questionam os 13 novos crimes cibernéticos [6] (17 de julho), Censura eleitoral a todo vapor [7] (22 de julho).

Desta vez, as notícias estranhas vem do estado de Minas Gerais, onde o atual governador Aécio Neves cuidadosamente se prepara para disputar a presidência do país nas eleições e 2010, quando Lula deixará o cargo. Em meio às eleições municipais que ocorrem agora em todo o Brasil, o jornal online de oposição ‘Novo Jornal’ foi retirado do ar por procuradores estaduais — o Ministério Público [8] — sob acusações (já refutadas) de anonimidade.

A verdade é que as disposições da Constituição Brasileira [9] criam uma situação algo contraditória, especialmente para as manifestações online: a livre expressão do pensamento é garantida no mesmo parágrafo em que a anonimidade é formalmente proibida. Ainda assim, a derrubada do ‘Novo Jornal’ está chamando a atenção da blogosfera pela criatividade estratégica em usar o Ministério Público estadual e alegações de cibercrimes para imediatamente retirar do ar um site jornalístico sem a necessidade do processo legal apropriado. Os blogues também estão apontando para o fato de que a mídia tradicional está silenciando sobre o caso — no que começa a transparecer como um padrão quando se trata de cobertura negativa a respeito de Aécio Neves.

A tela exibida no lugar do site do ‘Novo Jornal’, que nos lembra o filme Matrix, nos diz algo sobre a questão:

This page is suspended by a legal precautionary measure and the site content is being analysed for criminal evidences
“Esta página foi suspensa por medida cautelar judicial e o conteúdo do site é objeto de apuração por indícios de prática de crimes”
Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos

A justificativa do MPE, retirada do site do jornal O Tempo [10]: “Instaurado o Procedimento Investigatório Criminal, constatou-se que não há identificação do responsável pelo site – que se intitula jornal, fato que fere frontalmente a Constituição Federal que prevê que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, além da Lei de Imprensa, que se aplica à Internet”… Independente de lados políticos, postura jornalística, anonimato ou não, o que percebo é que os braços da censura estão à solta, e a História mostra que eles costumam ser usados por aqueles que estão no poder, poucas vezes com boas razões. Mais do que apoiar ou condenar, é preciso ficar de olho, fiscalizar. Pensando bem, não era essa a função do Ministério Público – e, em outra esfera, da imprensa?
E tem gente que pensa que calice é coisa do passado [11]NaRua.org [12]

No momento em que foi retirado do ar, o Novo Jornal trazia em sua primeira página uma matéria com pesadas críticas ao Presidente do STF, Gilmar Mendes. A matéria ainda pode ser lida no cache do Google [13]. O Novo Jornal também denunciou [14]que o governador Aécio Neves pagou US$ 269 milhões de dívidas da Rede Globo de Televisão na compra da Light.
Retirado do ar site jornalístico que continha denúncias contra Aécio Neves [15]O Biscoito Fino e a Massa [16]

Ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, o Novojornal encontra-se rigorosamente dentro da lei, inclusive com diretor-responsável registrado na DRT, detentor do MTE nº 000311/MG, respondendo o mesmo por todas as matérias não-assinadas publicadas no Novojornal… Dessa forma, comprovado está que jamais existiu o anonimato argüido pelo MP-MG. Inclusive o diretor-responsável e o endereço de sua sede encontram-se registrados no Registro.br, cadastro oficial de todos os sítios da internet no Brasil.
Continua censurado por Aécio Neves o site ‘Novo Jornal’ [17]Em cima da notícia [18]

Será que não existem coisas mais importantes para o Ministério Público mineiro investigar do que ficar censurando a Internet, a mando do governador, com a desculpa de se tratar de Crime Cibernético?
Em terra de presidenciável, censura-se a oposição como crime cibernético [19]Rastreadores de Impurezas [20]

Como os blogueiros perceberam rapidamente, há algumas outras coisas sendo feitas no Brasil (veja também: “Blogueiros questionam os 13 crimes cibernéticos [6]“, “O preço da Lei de Cibercrimes [21]“, “Lei de Cibercrimes traduzida para o inglês [22]“), disfarçadas de ações contra o Cibercrime.

Na revista digital NovaE [23], um longo texto [24] do blogueiro José de Souza Castro [25], o primeiro a descobrir que o site do Novo Jornal [26] foi tirado do ar por ação da justiça, começa a detalhar o que ocorreu e faz o link entre esse processo e o cerco que começa a se estruturar no Brasil contra a liberdades na rede mundial de computadores:

“O governo de Minas parece que tinha muita pressa para resolver essa questão com o Novo Jornal. Segundo O Tempo, “a Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos foi criada em Belo Horizonte em 16 de julho deste ano. Com o crescente número de crimes praticados por usuários da rede, o MPE decidiu pela sua implantação. A promotoria atua como um órgão de suporte aos promotores de Justiça que atuam na área criminal e agiliza o atendimento às vítimas”. E acrescenta, citando uma pessoa identificada como Vanessa Fusco: A estratégia é agir proativamente no enfrentamento desse tipo de crime, que vem crescendo principalmente com a chegada da banda larga às cidades do interior”. E conclui: “Um projeto de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB) prevê a tipificação da conduta dos crimes praticados na Internet”. (texto da Novae)”

A censura à Internet em Minas Gerais – Em busca da palavra justa [27]

O caso do ‘NovoJornal’ também está mostrando que, apesar das disposições constitucionais sobre a liberdade de expressão, a ‘anonimidade’ pode ter um papel importante como um elemento de ‘equilíbrio da balança’ em um espaço público democrático. O vídeo abaixo mostra o Diretos em Exercício do NovoJornal, Marco Aurélio Carone, respondendo por quê os artigos no website não tem atribuição de autoria nem são assinados por ninguém. A entrevista, realizada por Camila Vidal e Daniela Nunes da PUC-Minas [28], foi publicada no YouTube algumas semanas antes do ‘NovoJornal’ ser censurado.

Se você nos acompanhou até aqui, certamente irá se interessar em assistir o vídeo abaixo, feito pelo blogueiro brasileiro Daniel Florêncio [29] para a Curren.TV, e apresentado como “uma investigação a respeito da aparentemente cada vez mais controlada imprensa brasileira”. Mas antes disso, o relato de um blogueiro para dar contexto ao caso:

A reportagem de Florêncio ‘nasceu’ do documentário “Liberdade, essa palavra [30]“, produzido em 2006 pelo então estudante de jornalismo Marcelo Baêta [31]… Tanto o documentário de Baêta quanto a reportagem do Daniel repercutiram na imprensa nacional e internacional (a Folha e o Le Monde publicaram matérias sobre o caso), e geraram respostas incisivas dos partidários de Aécio, que usaram a mesma ferramenta, o YouTube [32], para a defesa… Depois de ver todos os vídeos relacionados ao caso (veja mais aqui [33]), ficou a pulga atrás da orelha: teriam os jornalistas realmente tirado os seus da reta no caso?
Minas Gerais, a censura e o estado de coisas [34]NaRua.org [12]

Em tempo, talvez você também se interesse em ver a vídeo-resposta [35] ao vídeo da curren.tv abaixo.

A difusão viral da participação na internet através da população brasileira está surtindo um grande efeito nos reinos estabelecidos da mídia, da política e dos tribunais. Mas é exatamente este tipo de efeito que cria a discussão necessária para a descoberta de protocolos equilibrados para lidar com as contradições reveladas pela era da informação. Fique ligado — este é um processo em andamento.

Há um backup do site [NovoJornal] em http://rapidshare.com/files/138763257/novojornal.tar.bz2.html
Comentário de Winston
em Retirado do ar site jornalístico que continha deúncias contra Aécio Neves [15]O Biscoito Fino e a Massa [16]


[A tradução deste artigo contou com a gentil colaboração de seu autor, José Murilo Junior [36]]