Moçambique: Luz no fim do túnel

Sociólogo moçambicano radicado na Alemanha, Elísio Macamo [pt] recentemente comentou sobre o corte de 10% no auxílio do governo Suéco para Moçambique, o que foi seguido pela Suíca, sob alegações de falta de progresso por parte do Governo Moçambicano na luta contra a corrupção e instauração de processos contra envolvidos em casos de corrupção.

Não é a primeira vez que Macamo escreve sobre o que ele chama de “indústria do desenvolvimento”. Veja abaixo uma seleção dos melhores trechos do artigo:

É capaz de ser uma luz. Um amigo em Maputo contou-me que o Presidente Guebuza disse numa entrevista à STV, reagindo à redução do auxílio sueco a Moçambique, que era preciso trabalharmos para não precisarmos mais desse tipo de ajuda. Qualquer coisa assim. Gostei. Há muito que devíamos pensar nestes termos, embora o facto de nunca o termos feito não se explique simplesmente pelo nosso comodismo. A própria lógica do auxílio ao desenvolvimento é também responsável pelo nosso comodismo. Por essa razão acho extremamente oportunas as declarações do Presidente da República e considero vital que elas sejam discutidas amplamente. Vou dar aqui o pontapé de saída.

A história começa com a decisão sueca de Maio deste ano de reduzir o seu apoio a Moçambique no quadro do programa de apoio directo orçamental. A razão que foi dada pelos suecos está ligada ao que eles consideram de fraco desempenho do governo moçambicano no combate à corrupção e na promoção da transparência. São razões muito fortes. Um caso que enerva os suecos de forma muito particular é a questão do Banco Austral que até aqui ainda não está clarificada. O embaixador sueco em Maputo é citado pelo jornalista britânico Joseph Hanlon como tendo dito que o dinheiro que foi criminalmente retirado dos cofres daquele banco vem do bolso dos contribuintes suecos e teria servido para construir vários hospitais e escolas. Para castigar o governo moçambicano decidiu-se, então, reduzir o auxílio sueco em cerca de 4 milhões de dólares.

2 cortam, quatro aumentam, os restantes mantêm

É uma história estranha e implausível. É estranha porque dos 19 Parceiros da Ajuda a Programas só a Suécia e a Suíça decidiram reduzir o auxílio por estas razões. Não creio que isso se deva ao facto de estes dois países terem nomes quase idênticos. Há-de haver outras razões. Quatro membros desse grupo, nomeadamente a Áustria, a Alemanha, a Irlanda e a Espanha, tencionam aumentar a ajuda. Acho isto estranho porque a indústria do desenvolvimento parte do princípio de que os seus critérios são claros e objectivos e que a resposta à realidade é, por via disso, apenas uma. Sendo assim, levanta-se aqui a questão de saber quem está a ser incoerente. A Suécia e a Suíça? A Irlanda, Alemanha, Espanha e Áustria? Os restantes 13? E supondo que o governo moçambicano não esteja deliberadamente a dar conta do recado que mensagem é que isto envia a esse governo? Que está tudo bem, o problema é só dos suecos e suíços?

Portanto, a história é estranha. Mas é também implausível. O apoio sueco em Moçambique sempre foi incondicional. O nosso país deve muito à generosidade de governos suecos sucessivos. Já houve piores momentos que este na história do auxílio ao desenvolvimento, mas os suecos sempre se mantiveram firmes na sua convicção de que o auxílio ao desenvolvimento é um importante instrumento de promoção do desenvolvimento. Nos últimos anos houve uma melhoria significativa de instrumentos de controlo de despesas públicas e adjudicação de contractos públicos. Essa melhoria deveu-se fundamentalmente aos esforços do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, mas também ao investimento que os demais doadores fizeram naquilo que eles chamam de “capacity building”. Esse investimento está agora a surtir efeitos e tem permitido ao Tribunal Administrativo, por exemplo, fazer uma melhor auditoria das despesas públicas. Ainda não chegamos ao ponto onde as coisas funcionam perfeitamente do jeito de o Tribunal apontar falhas e a Procuradoria Geral da República instaurar processos. Ainda não há transparência suficiente em casos de conflitos de interesse entre governantes e sector privado.

Mas daí a dizer que o desempenho do governo é fraco a este nível vai uma grande distância. E ainda nem estou a levantar a questão de saber porque a redução em cerca de 4 milhões de dólares é a medida mais adequada de reacção ao fraco desempenho. Porque não 5, 6, 10, 20 ou 35? Os contribuintes suecos vão ficar com melhor disposição sabendo que quando o seu dinheiro não é devidamente usado aplica-se um corte de 10 por cento?

A propósito disto abro um pequeno parêntesis para dizer que a atitude dos doadores em relação ao Banco Austral é a todos os títulos problemática se tivermos em mente o que eles nos têm dito sobre o Estado de direito. Está assente na cabeça de todos nós que o banco foi pilhado e existe muita documentação que aponta nesse sentido. Mas nenhum tribunal ainda se pronunciou directamente sobre quem tem culpa. Todos nós sabemos quem tem a culpa. Mas, repito, nenhum tribunal ainda se pronunciou, logo, o princípio de presunção de inocência deve ser observado.

Agora imaginem uma coisa: o Procurador Geral da República decide, com base no relatório forínsico em sua posse, que há matéria para instaurar processo; a máquina judiciária entra em funcionamento, indiciam-se pessoas, são levadas a tribunal, discute-se, interroga-se, contra interroga-se, são apresentadas provas, discutidas, etc., e o tribunal decide que não tem matéria para sustentar a acusação do ministério público. E depois? Vão todos os doadores cortar a ajuda a Moçambique porque um juiz não achou ter matéria suficiente para levantar a presunção de inocência? Vão (continuar a) dizer que houve interferência política? Vão preferir que condene só para se ter condenados? […] Os doadores estão a transformar o caso Banco Austral num assunto político com poucas possibilidades de fazer valer a legalidade. Acho isso estranho.

O que faz correr os suecos?

Assim, volto à minha inquietação sobre o que faz correr os suecos. A impunidade da corrupção não me parece uma razão plausível para a redução do apoio a Moçambique […]

A Suécia gosta de nós

Mas ainda bem que a Suécia tomou esta decisão. E ainda bem que o Presidente reagiu da forma como reagiu.

Precisamos também de ter uma ideia do que temos de fazer para, a curto prazo, reduzir a nossa vulnerabilidade em relação aos que gostam de nós. Isso significa que temos que investir mais na perspectivação do nosso futuro. Conforme tenho vindo a argumentar nestes últimos anos, isso passa por abandonarmos esta perniciosa ideia da indústria do desenvolvimento de que o desenvolvimento está em metas definidas na Assembleia Geral das Nações Unidas. O desenvolvimento deve ser a nossa capacidade de criarmos os nossos problemas e resolvê-los nós mesmos. Por exemplo, o desenvolvimento não pode ser a redução do analfabetismo, muito embora a redução do analfabetismo seja importante para dar substância à nossa identidade como comunidade política. Mais importante do que reduzir o analfabetismo é gerar a procura de educação, gerir a sua disponibilização e saber lidar com as suas implicações para o mercado de trabalho, participação política e aspirações individuais. O tempo, dinheiro e energia consumidos na produção de slógans como “combater a pobreza absoluta” deviam ser empregues neste tipo de reflexão, pelo menos no que diz respeito à contribuição da academia.

A Suécia e o Presidente da República lançaram um grande desafio à massa pensante moçambicana. Vamos a isso!

1 comentário

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