Brasil: Blogueiros questionam os 13 crimes cibernéticos

Na madrugada da última quinta-feira, 10 de julho, o Senado Brasileiro aprovou Projeto de Lei de Cibercrimes, que estabelece os crimes na internet e propõe novas formas de enquadramento para os mesmos. A proposta agora será encaminhada à Câmara de Deputados para revisão das últimas alterações, e o próximo passo é a aprovação ou veto (do projeto inteiro ou de parte de seus artigos).

Graças à pressão exercida por várias frentes, o documento inicial proposto pelo Senador Eduardo Azeredo, que consquistou rejeição unâmide da blogosfera [pt], foi re-escrito e para melhor. A exigência de identificação do usuário antes que ele possa fazer qualquer coisa na Internet, como blogar, enviar e-mail ou bater papo, foi retirada da proposta, e alguns avanços foram até feitos, como a inclusão de um artigo que criminaliza o racismo virtual.

Por outro lado, muitos dos atos que seriam considerados triviais ao surfar na internet foram ainda especificados como crime, como explica a blogueira e advogada Lu Monte, enquanto a questão da pedofilia, que teria sido o motivo principal para a nova lei, foi tocada apenas superficialmente em só um dos artigos propostos.

A Assessoria de Imprensa do Senado divulgou um comunicado para clarificar alguns dos pontos, e blogues publicaram uma versão resumida dele enviada a alguns jornalistas:

“São 13 os novos crimes tipificados pela proposta: 1) acesso não autorizado a dispositivo de informação ou sistema informatizado; 2) obtenção, transferência ou fornecimento não-autorizado de dado ou informação; 3) divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais; 4) destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dado eletrônico alheiro; 5) inserção ou difusão de vírus; 6) agravamento de pena para inserção ou difusão de vírus seguido de dano; 7) estelionato eletrônico (fishing); 8) atentado contra segurança de serviço ou utilidade pública; 9) interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático, dispositivo de comunicação, rede de computadores ou sistema informatizado; 10) falsificação de dados eletrônicos públicos e 11) falsificação de dados eletrônicos particulares (clonagem de cartões e celulares, por exemplo); 12) discriminação de raça ou de cor disseminada por meio de rede de computadores (alteração na Lei Afonso Arinos); 13) receptar ou armazenar imagens com conteúdo pedófilo (alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente).”

“A lei não se aplica a quem, por lazer ou trabalho, usa corretamente o computador, seja desenhando, seja baixando músicas, seja batendo-papo, seja dando opiniões em blogs, fazendo pesquisas ou quaisquer atividades semelhantes. O BOM USUÁRIO DEVE FICAR TRANQUILO, POIS NADA ACONTECERÁ A ELE, A NÃO SER O AUMENTO DE SUA SEGURANÇA, PELALEI, NO USO DAS TECNOLOGIAS.”

O texto pode ter sido modificado, mas novas perguntas não param de chegar. Sérgio Amadeu está em busca de clarificações para os pontos mencionados acima:

1) quem define o que é o “uso correto do computador”? O Senador Azeredo?
2) o que é exatamente “um acesso não autorizado a dispositivo de informação (faltou ele incluir comunicação) ou sistema informatizado”?
3) O que é infomação? Bom, um site possui informações, um game, um CD, um DVD também. Se um jovem pegar um vídeo no youtube ou em um DVD ele estará ou não violando um dispositivo de informação?
4) Se eu destruir o DRM de um aparelho qualquer para copiar uma imagem ou uma cena de vídeo estarei comentendo um crime perante a lei do Azeredo? Se burlar um DRM de um dispositivo de música para copiar a música em outro aparelho serei um criminoso? Se eu rippar um CD e passar as músicas para o meu computador estarei violando a Lei do Azeredo?
5) Quando acesso uma rede de TV a cabo e pego um personagem de um filme ou de uma série da TV para usar no meu blog ou para recriar uma nova história estarei “obtendo um acesso não-autorizado de dado ou informação”?
6) Quando distribuir numa rede P2P ou apenas publicar no meu blog um vídeo que baixei do youtube, uma música que remixei, uma ficção que reescrevi com os personagens do filme “Guerra nas Estrelas”, ESTAREI comentendo um CRIME de “obtenção, transferência ou fornecimento não-autorizado de dado ou informação”?
7) Se o Senador diz que a Lei dele não tem nada a ver com a ampliação exagerada do copyright, então prá que necessitamos dos dois primeiros tipos criminais que a assessoria do Senador destacou entre os 13 novos crimes criados?
8) Se é para evitar “roubo ou furto” de dados e senhas JÁ não seria suficiente o tipo criminal “3 divulgação ou utilização indevida de informações e dados pessoais”?

Ronaldo Lemos, Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO e do projeto Creative Commons no Brasil, deixa suas conclusões e alguns conselhos:

Em síntese, a imprecisão do texto e suas conseqüências imprevisíveis (algumas das quais listadas acima) demandam que sejam vetados no mínimo os artigos 285-A, 285-B, 163-A, parágrafo primeiro, Art. 6º, inciso VII, Artigo 22, III. Caso os artigos persistam, condutas triviais na rede serão passíveis de punição com penas de até 4 anos de reclusão.

(iconografia de Nick Ellis)

Blogueiros e internautas em geral exigem mais transparência e estão se mobilizando para lutar por ela. No entanto, a confusão ainda reina e muitas pessoas ainda estão se referindo ao texto antigo, antes das alterações, para questionar a lei. O que não chega a ser surpresa, considerando que o público não foi convidado para o debate e apenas pessoas com pontos de vista similares ao da proposta foram convidadas a participar das sessões abertas do Senado para discussão da proposta.

É consenso geral que o assunto não foi devidamente debatido, e para ajudar nesse ponto uma blogagem coletiva contra a censura foi marcada para o próximo sábado, 19 de julho. O texto da proposta, disponível aqui, está sendo traduzido para o inglês por um grupo de voluntários, para levar o assunto ao conhecimento internacional. Enquanto isso, um abaixo-assinado online em defesa da da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet Brasileira, criado por acadêmicos e ativistas brasileiros da cibercultura, já foi assinado por mais de 60.000 cidadãos, em pouco mais de uma semana.

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