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Brasil: A Amazônia será salva com novo comando?

Categorias: América Latina, Brasil, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Meio Ambiente, Política

A mudança de comando em ministério brasileiro costumava ser assunto interno, mas o pedido de demissão da famosa defensora da floresta amazônica Marina Silva como ministra do Meio Ambiente despertou reações globais. O substituto de Marina da Silva foi rapidamente anunciado pelo presidente Lula, com a nomeação de Carlos Minc, ex-secretário de meio ambiente do estado do Rio de Janeiro e um dos fundadores do Partido Verde Brasileiro. Veja aqui alguns dos comentários feitos por blogueiros locais sobre a bagunça do meio de campo na política ambiental do país.

Marina Silva, former Brazilian Environment MinisterCarlos Minc, Brazilian Environment Minister
Marina Silva – # – Carlos Minc

Ao deixar o ministério, a ex-seringueira e ex-empregada doméstica alfabetizada aos 17 anos, conseguiu gerar, dentro e fora do País, uma repercussão que suplantou aquelas que ocorriam eventualmente com a queda de algum titular do Ministério da Fazenda. Ela espera do sucessor Carlos Minc, como demonstração de continuidade da política ambiental, que resista à pressão do governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, que atua contra a manutenção da resolução do Conselho Monetário Nacional que, a partir de 1º de julho, obriga o sistema financeiro a exigir regularidade ambiental como condição para o crédito rural na Amazônia… Marina Silva disse que quando se ocupa um espaço de poder, mesmo sendo algo pequeno, como uma coluna de jornal, sofremos a tentação de querer olhar as pessoas de cima para baixo. ” – Aprendi, e não foi agora, mas com muitas pessoas ao longo da vida, como Chico Mendes e dom Moacir Grechi, que a gente tem que olhar de baixo para cima. De baixo para cima a gente consegue enxergar o que está acima de nós. A Amazônia está acima de nós. E com esse olhar a gente é capaz de enxergar que, para fazer algo que seja bom, é preciso se colocar numa perspectiva de serviço, que também pode ser o gesto de abrir o caminho para que outro ocupe o seu lugar. Eu já disse que é melhor ver o filho vivo no colo de outro a vê-lo jazer no próprio colo.”
“A Amazônia está acima de nós” [1]Altino Machado [2]

Coleguinhas, preparem-se. Minc vem aí. O novo ministro do Meio Ambiente desembarcará em Brasília para almoçar, hoje, com a ex-ministra Marina Silva e depois se reunir com Lula no Palácio do Planalto. Doravante, o ministério deixará de ser uma fonte de notícias eventuais. Minc é mediático. Está para a internet, digamos assim, como Marina estaria mais para o rádio (sem desapreço a esse, pelo contrário). Aprontará quase todo santo dia. E os meios de comunicação serão obrigados a destacar jornalistas para cobrir todos os seus passos. Um dia, como na semana passada, ele é capaz de baixar a lenha no seu futuro colega Mangabeira Unger, da Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, designado por Lula para cuidar do Programa Amazônia Sustentável. No outro, de sugerir o nome de Jorge Viana, ex-governador do Acre, para a tarefa que caberá a Unger. E no seguinte de elogiar Unger e dizer que ele poderá fazer um bom trabalho. É um hábil manipulador de palavras, idéias e conceitos, assim como seu novo patrão, Lula. Prestem atenção no que ele disse ontem sobre o fato de ter batido o recorde de concessões de licenças ambientais para obras como secretário do Meio Ambiente no Rio de Janeiro: “- Você pode ser rápido e rigoroso. Não é porque um licenciamento demora três anos que isso é garantia de defesa do ecossistema. Podem ficar três anos demorando com a burocracia e ser um licenciamento frouxo.” Os repórteres anotaram o que ele disse. Ninguém o contestou. Repórteres têm pouco tempo para pensar a respeito do que ouvem. E parte deles não sabe o que pensar. No caso, Minc limitou-se a driblar a provocação que lhe haviam feito.
A Amazônia é nossa? Uma ova! [3]Blog do Noblat [4]

De coletinho folgado e cabelos longos, ainda que ameaçados de extinção, o homem é um happening midiático, uma metralhadora de sentenças bombásticas. Comparado à sua antecessora, a discreta Marina Silva, um símbolo da causa, que lembra uma orquídea em sua exuberância frágil, Carlos Minc está mais para uma motosserra ensandecida varrendo uma plantação de soja.
A matraca solta de Minc [5]Luis Nassif Online [5]

Há muitas especulações sobre os motivos que levaram Marina Silva a pedir demissão. Ela citou falta de apoio político, e alguns comentaristas mencionam um atrito entre ela e a ministra-chefe da Casa Civil, a poderosa Dilma Roussef, responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento, carro-chefe do Governo Lula. Outro rumor que corre solto é que a designação de Roberto Mangabeira Unger como coordenador do Programa da Amazônia Sustentável teria sido a última gota para a ex-ministra. Na verdade, o papel de Mangabeira — ex professor da Escola de Direito de Harvard — na política de meio ambiente brasileira se tornou por conta própria um ponto de discussão entre blogueiros.

Há duas versões para a designação de Mangabeira. Uma delas, corrente no PT, diz que Lula agiu de caso pensado para deixar a ministra sem saída. No Planalto, conta-se outra história, que não desmente a a primeira versão, mas deixa depreender que tudo não passou de um lampejo de Lula… afinal, o ministro não era diretamente parte da disputa (os ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e da Integração Nacional). Lula alegaria depois que não poderia indicar um deles [para coordenar o PAS] pois cada um “puxaria a brasa para sua sardinha”… O ministério de Marina nunca deu a ele a oportunidade de uma conversa, solicitada mas ignorada. O Desenvolvimento Agrário também não lhe deu propriamente uma recepção festiva. Mas Mangabeira tinha aliados e foi buscar na Amazônia, um tema sob a atenção mundial, a inspiração para seus primeiros escritos, além da Defesa Nacional… O discurso que o ministro costurou sobre a Amazônia, porém, é o discurso que faz hoje o governo sobre a região… Mangabeira ganhou pontos no Planalto quando apresentou o projeto que propõe um novo modelo para as relações entre o capital e o trabalho.
Em menos de um ano, Mangabeira amplia tarefas, mas é dúvida no PAS [6]Acerto de Contas [7]


O novo modelo de Managabeira
garante que a floresta amazônica deverá ser poupada da atividade econômica desorganizada, e que é preciso de um relacionamento planejado entre preservação e desenvolvimento. “A única forma de preservar a Amazônia é ajudando a desenvolvê-la”. E, claro, tornar isso realidade é dever do Brasil. Curiosamente, um artigo publicado no NYTimes no último fim de semana (‘Whose Rain Forest Is This, Anyway? [8]‘ [en] Afinal, a floresta é de quem?) virou um ponto central no debate, trazendo à discussão questões como a observação feita por Al Gore em 1989: “ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é proprieade deles, ela pertence a todos nós”. Como era de se esperar, blogueiros responderam e comentaram.

Agora, depois que a Europa e América do Norte poluem o planeta à vontade e os Estados Unidos se recusam a assinar o Protocolo de Kioto para proteger a produção poluidora de suas indústrias, querem botar a mão no pulmão do mundo. Justamente a nossa Amazônia.
NY Times critica Brasil por defender a Amazônia [9]Aos Quatro Ventos [10]

Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia é para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Os ricos do mundo, no direito de queimar esse imenso patrimônio da humanidade. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado. Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação… Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.
Cristovam: A internacionalização do mundo [11]Vi o mundo [12]

O assunto mais badalado dos últimos dias, nas redações do Brasil, é a reportagem dominical do novo correspondente do New York Times, Alexei Barrionuevo, com o sugestivo título ‘A Amazônia pertence ao Brasil – ou ao mundo todo?‘. Na caserna, já estão lá uns generais e coronéis de pijama todos ouriçados. Quem lê o texto sem preconceitos ou pré-concepções, no entanto, descobre outra coisa: é honesto. É a típica pauta que só um repórter estrangeiro recém-chegado ao Brasil perceberia. Trata da paranóia sempre presente por aqui de que alguém, em algum lugar, nos quer roubar a Amazônia. Não fala de uma ameaça real. Quem conhece o Brasil há muito não se surpreende com esta discussão; aqueles que chegam de fora ficam surpresos com a idéia que ronda as teorias conspiratórias da direita…
O Brasil tem, sim, uma responsabilidade perante o mundo de preservar sua floresta. É uma responsabilidade também perante nós mesmos. Sem Amazônia, não há chuva do centro-oeste ao sul para irrigar as plantações que sustentam o crescimento ou encher as hidrelétricas que acendem São Paulo e o Rio. Então, do ponto de vista pragmático, não há dúvidas de que preservar é bom negócio. Como preservar? Fechar tudo e não deixar ninguém mais entrar? Como distribuir os títulos de terra para quem já está por lá? Como instituir a lei numa terra em que deputados-policiais matam gente com serra elétrica? Como erguer centros de pesquisa brasileiros com cientistas de ponta transferidos ou nascidos na região? Ninguém vai tomar a Amazônia – a política internacional não comporta esse tipo de ação. Mas, por trás do pedido de demissão da ministra Marina Silva, está um fato simples que só. O Brasil ainda não sabe o que quer fazer com sua maior floresta. E, enquanto não soubermos o que fazer com a mata, ela seguirá sendo destruída e uns tantos entre nós, por puro sentimento de culpa, continuarão achando que alguém lá fora vai tomá-la na força. Talvez porque, no fundo, bem lá no fundo, saibam que temos culpa no cartório.
A Amazônia é nossa? [13]Pedro Dória Weblog [14]


No decorrer do espectro que se situa entre
preservação e desenvolvimento quando se fala em políticas públicas, podemos ainda encontrar abordagens diferentes com foco na riqueza cultural que dá à Amazônia em todo o seu esplendor. Esses aspectos gritam para serem reconhecidos como fatos cotidianos [15], mas eles não são prioridades em nenhum discurso político.

É sabido hoje que o conhecimento de boa parte das riquezas amazônicas está profundamente assimilado na cultura de seus povos nativos, remetendo a questão de sua exploração racional e econômica ao respeito e conservação do patrimônio ´étno-botânico´ dos povos da floresta. Tal conceito associa as riquezas locais ao conhecimento acumulado pelas culturas ancestrais da região, fazendo com que flora, fauna e cultura estejam intimamente ligados nessa relação sinérgica de conhecimento, respeito, uso e conservação. Mas se a preservação física e tangível dos ´povos da floresta´ é uma questão de caráter natural, imunológico e médico, sua preservação ´enquanto cultura´ possui um forte componente político, muito mais controlável e ameno à intervenção do Estado. Preservação cultural, em linguagem leiga, implica dar condições às populações indígenas de seguirem com seu próprio modo de vida, baseado em crenças e costumes milenares de seus ancestrais. Na base de tudo isso estaria a própria ´visão cósmica´ desses grupos, seus ´mitos teológicos´ inclusive… É urgente a necessidade de conceber a Amazônia, em suas imensas possibilidades econômicas, como um amálgama de componentes indissociáveis e que inclui, necessariamente, o natural e o cultural: a floresta e o homem.
A floresta e o homem da floresta [16], por George Felipe Dantas – Vi o mundo [12]