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Blogueiros brasileiros ‘deitam e rolam’ sobre a aprovação do Open XML da Microsoft como padrão ISO

Categorias: América Latina, Brasil, Economia e Negócios, Tecnologia

O dia 1º de abril este ano trouxe um sabor amargo para a comunidade ‘open source‘ brasileira. O anúncio da aprovação do formato Open XML da Microsoft como padrão internacional ISO/IEC [1] pareceu, à princípio, algum tipo de brincadeira. Afinal, o OOXML havia perdido uma votação sobre sua adoção em setembro último, e era de conhecimento geral o fato de que a grande maioria das centenas de ajustes requisitados pelos membros votantes ao padrão ainda não foram implementados. Entretanto, antes de seguir com as manifestações sobre o tema, vamos checar as razões para que um debate tão árido sobre padrões tecnológicos internacionais chame a atenção de tantos blogueiros no Brasil.

O movimento ‘open source‘ no Brasil, com todos os seus sucessos [2] e fracassos [3], acabou tornando-se uma tendência cultural [4]. Neste contexto, o pacote Microsoft Office (Word, Excel, Powerpoint, etc.) e seus formatos de arquivo proprietários tornaram-se o verdadeiro símbolo do obstáculo criado pelo monopolista à liberdade perseguida pelos ativistas do software livre, e também o principal alvo das políticas de subsitituição de software implementadas pelas agências governamentais. Nos locais onde o sistema operacional Linux ainda não se mostrava pronto para reinar, o Open Office [5] — com o seu formato de arquivo ODF, aprovado pela ISO — apresentou boas condições de auxiliar na quebra da hegemonia cultural da Microsoft no desktop tupiniquim. E funcionou!

De fato, parece que a estratégia funcionou bem até demais, e a Microsoft começou a perceber que o seu multi-bilionário modelo de negócio para o Office estava seriamente ameaçado pela crescente tendência de governos em dar preferência aos padrões abertos em suas decisões sobre aquisição de software. A reação tática da Microsoft em defesa de sua posição monopolista foi armar uma blitz para a aprovação de seu formato incompatível (OOXML) como um segundo padrão ISO. Os blogueiros denunciam que a estratégia utilizada para forçar a passagem do OOXML pelo processo ‘fast-track’ da ISO causou estrago na credibilidade do padrão, criando sérias consequências para o conceito de padrões abertos em seu sentido mais amplo. Veremos como as táticas utilizadas pela Microsoft podem suscitar a ira de brasileiros que trabalham há tanto tempo e de forma tão intensa pelos padrões abertos.

Deixando-se penetrar por um processo que, embora tenha seguido (ainda mal-e-mal) a letra da norma, foi corrompido por trás dos panos por uma série de questionamentos, irregulariedades, lobbies e afins, a ISO perdeu (ou ao menos manchou) sua credibilidade. Se tal aprovação viesse de um consenso, seja por Fast-Track ou não, a ISO manteria sua credibilidade. Porém, ao aceitar as pressões de Redmond e não questionar como as coisas ocorreram nos países, aceitando passivamente isso, ela deixou essa credibilidade ser maculada (de maneira permanente, potencialmente) e, desse modo, colocou em xeque TODOS os padrões ISO.
OOXML = ISO 29500 – Microsoft Ganha, todos perdemos [6]Linux… e mais coisas [7]

A real novidade nesta disputa parece ser que, o fato de ser ‘aberto’ trouxe uma vantagem comercial às iniciativas ‘open source’ baseadas no padrão ODF, e a Microsoft viu-se forçada a adaptar-se ao novo cenário. Como bons rivais já conhecidos de disputas anteriores, Microsoft e as autoridades e técnicos brasileiros à princípio não se mostraram em condições de um debate aberto e civilizado.

E para piorar um pouco as coisas, a Microsoft, do alto de sua “auto-atribuída” superioridade, e fazendo uso mais uma vez de sua notória arrogância, chegou a afirmar, em janeiro [8], quando da ocorrência do “Grupo de Trabalho 2” na CE-21:034.00“, na ABNT, grupo este que tinha por objetivo “analisar as respostas da ECMA ao grupo de comentários enviados ao ISO/IEC DIS 29500“, que “o Brasil não deveria opinar se não conseguisse concluir as análises“. Ora, só de comentários brasileiros eram mais de 2000: seria este um número pouco expressivo?
O OOXML foi infelizmente aprovado pela ISO [9]Open2Tech [10]

[11]

Talvez tenha sido a primeira vez em que tantos países se engajaram no debate sobre um padrão técnico. Por um lado, as comunidades ‘open source’ estão orgulhosas de seu padrão ODF/ISO-26300, que foi capaz de levar a Microsoft a promover uma ‘guerra mundial’ somente para conseguir que seu padrão pudesse alcançar o mesmo status. Pelo outro lado, interesses comerciais gigantescos estão em jogo no momento em que fornecedores Microsoft em todo o mundo ficam sob o risco de serem excluídos de contratos pelo fato da empresa não ter um padrão ISO aprovado. As diversas delegações nacionais foram as responsáveis pelo voto, e os blogs denunciam o fato de que fatores não-técnicos influenciaram a decisão.

Quando lemos em blogs e na mídia especializada o que aconteceu em diversos países, onde grupos técnicos foram contra a aprovação, mas o staff do NB local optou pelo voto SIM ou se absteve, devemos reconhecer e aplaudir a lisura e excelência do trabalho efetuado no Brasil pela ABNT, que foi, sem sombra de dúvidas, um exemplo de comportamento que deveria ser copiado pelos NBs do mundo todo!
OpenXML foi aprovado…e agora? [12]Movimento Software Livre Paraná [13]

Na ISO vimos muitos países, covardes e/ou incompetentes, não votaram, tais como os nossos vizinhos: Chile e Argentina e outros “importantes” países: Holanda, Austrália, Bélgica, França, Itália, Rússia, Espanha, Luxemburgo, Malásia, Siri Lanka, Turquia, Vietnã, Zimbaue e Quênia. Todos esses abstiveram-se. Terrível!!! agora os softwares suites de escritórios ficarão como carregadores de celular, bivolts (com ODF e OpenXML).
(Comentário de Movimento Software Livre Paraná [13] em Open XML: Eles realmente ganharam? [14])

O Vitorio falou desses países, foi realmente triste. mas o pior é ter constatado distorção em votos importantes como o da Noruega, que chegou a pedir publicamente a mudança de seu voto para Não – digamos que 24 votaram Não, 2 Sim e o voto da Noruega passou como Sim… triste! Fora outras várias irregulariedades como na *Itália*, Portugal, França, Alemanha, Polônia, *Holanda*, Suíça, Suécia e vários outros, incluindo os EUA. Realmente, aquela frase deles “Money Talks” é verdadeira. E imagino como envergonhados muitos técnicos ligados as esses países ondem houve distorção estão. Eles estudam, investigam e concluem que não presta como padrão. Votam contra. E seu voto passa como Sim ou “Absteve”.
(Comment from Movimento Software Livre Paraná [13] at Open XML: Eles realmente ganharam? [14])

Um personagem de destaque neste debate foi Jomar Silva, Diretor Geral da ODF Alliance Brasil e membro da delegação brasileira, que blogou sobre o evento [15] em português e inglês. Seus relatos estão proporcionando uma perspectiva de ‘atrás dos bastidores’ neste debate.

Segundo o post [16] do [17] Jomar [15] que esteve no BRM da ISO, um cidadão chegou nele num intervalo e sutilmente pediu para que não levantasse uma questão importante no processo do OOXML da Microsoft virar ou não um padrão ISO: a inexistência do mapeamento entre o formato legado (ex: .doc) e o formato novo (ex: .docx)… Se esse mapeamento não fizer parte da especificação OOXML, seu objetivo primordial é inválido. A especificação é inválida. E a delegação brasileira queria levantar essa bola: cadê o mapeamento ? Mas o barraco aqui é outro. Um cidadão pedir pra ele não levantar essa bola é uma coisa… O que me escapa o entendimento é por que a ISO não deixou o Brasil apresentar esse questionamento ? Só sei que a blogosfera vai desabar sobre esse assunto nos próximos dias e vou acompanhar de perto os blogs do Rob Weir [18], Bob Sutor [19], Andy Updegrove [20], Groklaw [21] e a quantidade de reações que o post traduzido do Jomar recebe [22]. Muitos desses blogs já estão descendo a lenha.
Está rolando um barraco na ISO [23]Avi Alkalay [24]

É importante destacar que mesmo Jomar Silva, um aguerrido defensor do padrão ODF, está entre os comentadores que conseguem enxergar aspectos positivos na totalidade do processo. Obviamente, o movimento da Microsoft em migrar seus formatos proprietários para formatos abertos e baseados em XML (mais fáceis de manipular, produzir e consumir) é uma boa notícia. E seu compromisso em desenvolver tradutores para suportar o ODF como formato nativo no MS Office é algo que nem pensaríamos ser possível há bem poucos anos atrás. No longo prazo, todos que apoiam o ODF devem estar à favor da expansão de suas funcionalidades e da facilitação de seu amplo uso, o que não será realizado através da manutenção de uma visão anti-OOXML fundamentalista na ISO.

Nós, Brasileiros, ganhamos por ter entrado em uma batalha dessas e ter saído por cima (sem dedo no olho e nem golpe baixo). Jogamos segundo as regras do jogo, ainda que alguns interessados tivessem tentado dar a “sua versão” das regras do jogo o tempo todo. Ganhamos ainda, pois saimos fortalecidos. Nunca fomos tão respeitados no mercado internacional de TI e nunca uma discussão sobre padrões abertos fez tanto parte da agenda de tantas pessoas no mundo e portanto, nunca pudemos falar com tanta propriedade a um público tão seleto. Ganhamos por ter unido nessa discussão gregos e troianos e por termos descoberto que empresas rivais no mercado conseguem sentar, discutir e construir juntas. Este é para mim um novo paradigma, que vai logo logo dar frutos a todos os envolvidos.
Open XML: Eles realmente ganharam? [14]Jomar Silva @ Void Life (Void) [15]

Levando tudo em conta, parece realmente sem sentido fechar o caminho de qualquer um à uma maior abertura, e todos nós devemos estar prontos para nos adaptar a novos ambientes.