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Brasil: Que tipo de festa, e festa de quem, foi o Campus Party 2008?

Categorias: América Latina, Brasil, Arte e Cultura, Ativismo Digital, Educação, Humor, Juventude, Lei, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Tecnologia

O Campus Party [1], um grande encontro dos povos internéticos realizado anualmente na Espanha [2][es] há mais de 10 anos, finalmente teve sua primeira edição brasileira na semana de 10 de fevereiro, em São Paulo [3]. Mais de três mil blogueiros, gamers [4][en], modders [5], ativistas de software [6] e cultura [7][en] livres, amantes de robôs, portadores de câmeras digitais, engolidores de refrigerante e/ou devoradores de comida saudável/junkie e outros tipos variados de geeks [8], assim como algumas pessoas e jornalistas curiosos para vê-los, desabalaram-se para o Pavilhão da Bienal [9] no Parque do Ibirapuera [10], conectaram seus laptops ou desktops (se é que trouxeram um) à impressionante conexão de 5 gigabits oferecida por uma empresa local de telecomunicações e se juntaram para fazer o que quer que quisessem fazer.

Geeks - almost - in line waiting to come inside Campus Party

Campuseros esperando – quase – em fila do lado de fora do pavilhão por sua vez de entrar e encontrar seu lugar no acampamento e nas mesas de trabalho (foto por Pattoli [11])

The camping

Campusero em sua barraca, posando com seu laptop. Aqueles que não trouxeram seus próprios computadores para o evento tiveram dificuldades de ter acesso à impressionante conexão de 5.5gigabit trazida pela Telefonica. (foto por campuspartybr [12])

the modders and their strange machines

Mas os modders e os gamers não tiveram problemas em trazer suas incríveis máquinas. (foto por patricianardelli [13])

Este foi o Campus Party Brasil 2008, ou ao menos esta foi uma forma de descrevê-lo. Mas Sérgio Amadeu [14], um dos coordenadores do evento e um cientista social, que também vem a ser um blogueiro, tinha uma forma diferente de descrevê-lo [15]:

“O que é o Campus Party? Podemos dizer é um encontro presencial das comunidades que habitam a Internet. É um espaço incomum onde comunidades, que dificilmente estariam juntas, reuniram-se nesta semana para trocar idéias, fazer novos amigos e conhecer os avanços das tecnologias. O mais interessante é que neste Campus Party Brasil, conseguimos reunir entretenimento com aprendizagem em uma programação com mais de trezentos conteúdos. Trata-se de um momento típico da cibercultura, pós-industrial. As pessoas estão se divertindo enquanto ensinam, aprendem e compartilham conhecimento.”

Por outro lado, Ariel Foina, que também vem a ser um cientista social estudioso da internet e um blogueiro, teve ainda outra forma de “interfacear” com o evento [16]:

“[…]tudo parece uma salada de multiculturalismo, um simulacro de diversidade legitimosa. Na abertura tivemos um “robo” que fala português com sotaque, um músico que depois transvirou-se em ministro, uma mesa que tem sons e cores, e uma bateria de escola de samba como plumas-pra-espanhol-ver na cabeça. Deixando de ser antropologo e voltando a ser sociologo… Cheguei à conclusão que o evento todo é uma grande navegação-em-carne-e-osso na internet. Se alguém tinha alguma duvida de que a rede era feita por pessoas, agora não tem mais. E assim como na Internet, o fenômeno mais marcante do evento é o ruido no canal de comunicação. Qualquer canal… se parar pra conversar com alguem, se parar pra ouvir uma palestra, vai haver barulhos e ruídos e etc ao fundo, todo o tempo e o tempo todo.”

Mas Ariel termina sua blogada com uma reclamação (ou talvez um chamado à ação):

“me resta perguntar: depois de censurarem o YouTube no backbone, ilegalizarem o P2P, censurarem a venda do CS.. ninguem vai propor NENHUMA AÇÃO POLÍTICA?”

Michael Lent também bloga sobre o “ruído” no Campus Party e na internet, e faz algumas observações sobre o excesso de falas propiciado pela absoluta liberdade para se falar [17]:

“Saí de lá com vontade de fazer um post contando as minhas impressões a respeito do debate e do Campus Party em geral. Hoje de manhã cheguei a escrever um texto longo, mas apaguei pois achei que teria pouco a acrescentar face ao tanto de conteúdo que já está sendo produzido por aí. Olhei o BlueBus, passei no Flickr, no Radinho. Em todos lugares, lá estavam, impressões e mais impressões em todos os formatos e sobre o evento. Pensei, ‘pra que mais uma?'”

De fato, há tantos pontos de vista sobre o que foi o Campus Party 2008, com 300 jornalistas e o dobro deste número de blogueiros rodando pelo evento, que se tornou impossível rastrear sequer todas as tendências blogosféricas sobre o mesmo, que dizer então de encontrar todas as blogadas relevantes. Então, o que nos resta fazer é navegar os mares de silício brasileiros e observar algumas conversas, videos e fotos sobre o evento e o que se seguiu a ele.

Tiago Dória, outro famoso blogueiro brasileiro, começa seu ótimo (e um bocado otimista) post sobre o evento [18] ressaltando que o Campus Party foi acima de tudo um encontro de pessoas que se conheciam apenas virtualmente antes dele:

“A imprensa menos especializada está chamando a Campus Party de “o maior encontro de entretenimento eletrônico do país” ou “carnaval dos nerds”. Balela! Para quem esteve os 6 dias lá, acredito que tenha sido o maior encontro no Brasil da geração que está crescendo junto com a internet, acostumada com ferramentas colaborativas, a geração “faça você mesmo”, ou “geração 2.0″, se preferir. Aquele cara que ficou famoso com um blog, a cantora que foi descoberta graças ao seu perfil na MySpace, a menina que conquistou um programa na TV devido ao seu fotolog, o pessoal que cria diversas versões para um jogo por conta própria, o cara que hackeou o Orkut, todos estavam lá presentes, em carne e osso.”

aboutt boys and robots

Criatividade, inventividade e troca de idéias, experiências e, por que não, papo furado de geek, foram pontos fundamentais do Campus Party (foto por vivoandando [19])

Por outro lado, e em um tom mais azedo, Gravataí Merengue do Imprensa Marrom estava dando bronca nos ativistas radicais de software livre (e, aparentemente, em Sérgio Amadeu) por sua participação em um evento patrocinado pela Telefônica, uma empresa espanhola de telecomunicações que detém o monopólio da telefonia fixa do Estado de São Paulo e é quase dona do mercado de provisão de acesso à internet no Estado, em seu post “Campus Party: uma péssima festa para a inclusão digital [20]“:

“Sim, péssima. Horrível. Catastrófica, eu diria – e sem exagero. Porque simplesmente não poderia ser pior. Foi ótima para o “modding”, excelente para os “gamers”, seguramente um evento e tanto para “bloggers” e, por que não?, houve sim bons debates sobre Inclusão Digital e Software Livre. Mas então por que foi péssima? Simples (e vexatório para os arautos pseudo-antimonopolistas do “SL”): a festa foi patrocinada pela Telefonica, empresa que detém o monopólio (sim, MONOPÓLIO!) da telefonia fixa no Estado de São Paulo. E não se trata de “mais uma, dentre tantos patrocinadores”, mas sim A PRINCIPAL PATROCINADORA. Infelizmente, não consegui saber quanto cada empresa forneceu de dinheiro e outros benefícios. Uma pena. Seria interessante saber quanto um “messias anti-monopolista” cobra para deixar de lado suas convicções. Ainda não descobri. Mas, sinceramente, acredito que não deva ser muita coisa. Em primeiro lugar, porque esses messias são em geral arrogantes e acham que não há problema em receber dinheiro oriundo de uma empresa monopolista. Além disso, eles simplesmente não são caros porque não são caros, ué. Preço de ocasião!”

Até agora, e até onde eu sei, nenhum “messias” disse nada a respeito do post de Gravataí. Mas talvez o ponto de Merengue não fosse sobre o software livre ou sobre messias, ou mesmo sobre a Telefônica ou sobre monopólio, mas sobre falta de comunicação e transparência. Quanto será que a companhia pagou pelo evento, e por quê? Podem os ativistas radicais anti-monopólio participar de eventos como estes, e até mesmo ser pagos por isso, e ainda dormir o sono dos justos â noite? Como é que o ativismo e a velha economia se encaixam (ou não) nestes tempos? Ninguém respondeu as perguntas de Gravataí até agora e, entre suas provocações vazias, estas perguntas se destacam como pontos muito importantes em toda a conversa sobre as novas mídias e a nova economia.

Mas, voltando à conversa sobre o Campus Party, e para fechar este artigo que já está muito longo, vamos citar algus pontos blogados por ideiadigital em seu post sobre o evento [21]:

“Inicialmente eu me inscrevi na área de criatividade, mas o primeiro dia, e parte do segundo, foram suficientes para eu perceber que ali não haveria o networking que eu procurava e nem mesmo as novidades interessantes que me levaram de BH a SP. […] O pessoal da organização pisou na bola com a criatividade, quem quer saber de Secondlife? MaryMoon?? Queremos falar de cores, de tipografia, de intervenções artísticas, queremos algo que nos faça re-pensar nossa posição no mundo e o que fazemos profissionalmente. […] quando as palestras se mostraram fracas, e o espaço a elas péssimo, sem divisórias e microfones que gritavam cada vez mais alto, atrapalhando todo mundo, o pessoal se tocou que o ponto forte de eventos como esse é o networking, a possibilidade de conhecer, conversar e trocar cartão de visita [this is so old, a gente troca é url!] com outras pessoas, e porque não fechar negócios, decobrir sócios, parceiros de trabalho, etc…? […] Houveram muitos erros de organização, descontamos porque foi o primeiro Campus-party fora da Espanha, em 2009 tenho certeza de que será melhor. Acredito que um evento como esse não é feito para palestras, mas sim para networking. Todas as propostas de conferência foram batidas por desconferências, com raras excessões. Num mundo de pontas como a internet, uma só ponta falando para um monte de gente não cola, o que queremos, e o que funciona, são várias pontas trocando informação, trocando conhecimento, e isso só ocorre nas desconferências da vida!”

political action against the Azeredo law

Manifestação contra a “Lei Azeredo [22]“[en] e a proibição da venda do jogo Counter-Strike, realizada no Campus Party (foto por campuspartybr [23])

Houve um bocado de conversas a respeito do “conflito entre a mídia tradicional e os blogueiros” no Campus Party também, mas muitos blogueiros (inclusive eu) concordam com Inagaki quando ele diz [24]:

“Quando soube de todas as queremelas e embates entre jornalistas versus blogueiros na Campus Party, que reverberaram em posts escritos por nomes como Henrique Martin [25], Michel Lent [17], Lalai [26], Ana Brambilla [27], Francisco Madureira [28], Gabriel Tonobohn [29], Edney Souza [30], Will Publi [31], Daniel Duende [32], Renata Honorato [33], Jonny Ken [34] e Mr. Manson [35], meu primeiro pensamento foi: qual a razão de ser de tantos tiroteios trocados pra lá e pra cá por pessoas que compartilham a mesmíssima atividade de disseminar informações e trabalhar com comunicação?

[…]

Eu sinceramente já não tenho o menor saco para entrar em polêmicas que não têm razão de ser. Creio piamente que a tendência, em um futuro a curto prazo, está na convergência de mídias. Do mesmo modo que veículos tradicionais como o New York Times e a revista Newsweek contrataram blogueiros como Markos Moulitsas [36] e Brian Stelter [37], tenho a convicção de que o mesmo ocorrerá por aqui, da mesma maneira que jornalistas consagrados como Ricardo Noblat [38] e Luis Nassif [39] seguiram a via inversa e revitalizaram suas carreiras criando blogs de ótima qualidade. Há espaço para todos, e eu só posso imputar ao gosto que as multidões nutrem por polêmicas inócuas todos esses embates maniqueístas digladiando duas atividades como o jornalismo e a blogagem que, muito longe de serem antagônicas, complementam-se uma à outra (vide os ótimos blogs do IDG Now [40] e do RadarCultura [41] na Campus Party).”

jurassic party

Um blogueiro usando uma fantasia de dinossauro brincando com uma jornalista dentro do ‘aquário da mídia tradicional’. Você pode sentir a tensão? Você pode ver o conflito? Eu não. (foto por Fernando Cavalcanti [42])

Este foi o Campus Party Brasil 2008, e ele foi bem mais, e talvez por vezes um pouco menos, do que aquilo que se falou e se escreveu sobre ele. Alguns o adoraram, outros o detestaram. Acima de tudo, o Campus Party Brasil foi bem diferente de sua contraparte européia, e foi uma experimento. Um experimento sobre como fazer um Campus Party, e sobre como não fazê-lo, e sobre o quê pode ser feito durante um evento como este. Mais do que tudo, o Campus Party Brasil valeu pelas conversas que lá se desenrolaram, e aquelas que se desenrolaram depois, e o que elas nos mostram sobre nós mesmos e a blogosfera brasileira e a internet. Belo, vão, feio ou desconfortante, ele foi a reflexão de nossas faces digitais e reais. Deveríamos refletir sobre isso.

Dizem por aí que uma imagem diz muito mais do que mil palavras. Grandes fotos do Campus Party Brasil podem ser encontradas no Flickr [43] se você procurar por campuspartybr [44] ou campus party 2008 [45].

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O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online [46]. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português [47], com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista [48]. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui [47]. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui [49].