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Moçambique: Protesto organizado via SMS tem cobertura na blogosfera

Categorias: África Subsaariana, Moçambique, Ativismo Digital, Economia e Negócios, Governança, Lei, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Protesto

Três pessoas morreram e mais de 250 ficaram feridas em um tumulto ontem em Maputo, consequência de um protesto contra o aumento das passagens cobradas pelas chamadas chapas (empresas de micro-ônibus de transporte coletivo privadas da capital de Moçambique). Uma das primeiras pessoas a trazerem à notícia ao público foi o sociólogo blogueiro Carlos Serra [1], em uma pstagem feita logo depois das 8:00 da manhã, que foi continuamente atualizada à medida que ele conseguia mais informações a serem divulgadas.

Ele noticiou a improvisação de barricadas para impedir a passagem dos micro-ônibus e a interrupção completa de todo o serviço de transportes logo em seguida, assim como a intervenção policial, os passageiros deixados na mão e a primeira vítima fatal. As pessoas começaram a entrar em contato diretamente com o blogueiro deixando informações em primeira mão sobre o que elas viram e ouviram, na caixa de comentários do blogue.

Enquanto a maioria da estações locais de TV passavam novelas e as rádios traziam um jogo de futebol, as pessoas foram em massa à internet em busca de mais informações. Carlos Serra recebeu dezenas de comentários em sua postagem inicial, com muitos leitores agradecendo a ele pelas notícias de última hora no blogue, a única fonte de informação atualizada virtualmente em tempo real. Micas [2] disse em um dos comentários:

Revoltante! A Rádio não deveria estar ao serviço da informação, ao serviço do povo? Não é um serviço público? Que me desculpem mas o futebol poderá ficar para depois.

Bayano Valy [3] trouxe hoje uma análise do comportamento da imprensa durante o protesto e das consequências da omissão de notícias:

O que me pareceu ter acontecido ontem foi que mais uma vez os órgãos de comunicação públicos furtaram-se de cumprir com uma das suas obrigações de informar o público sobre questões de interesse público. E me parece que as manifestações de ontem eram de interesse público. Ao furtarem-se do dever e obrigação de reportar sobre o que estava a acontecer não terão os nossos órgãos públicos contribuido para que mais pessoas se pusessem à rua com todas as consequências que daí podiam advir?

Outros cidadãos estavam gravando os eventos ainda mais de perto. O pequeno vídeo abaixo, feito por KaeDhee [4], foi gravado de um terraço em uma das áreas mais calmas, Coop, perto da Praça OMM, às 14h30.

Mobilização via SMS

Não existem precedentes para manifestações dessa amplitude em Maputo e ao que parece a mobilização começou logo após o anúncio de que o Ministério dos Transportes e a Federação Moçambicana das Associações dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO) concordaram em aumentar o preço das passagens das chapas em 50% (passando de 5 meticais a 7.5 – o que equivale a US$0,20 a US$0,30). As pessoas se valeram de SMS para enviar mensagens de texto convidando as outras à protestarem no dia em que o aumento entraria em vigor, de acordo com Orlando Castro [5]:

Hoje o protesto registou uma inovação. Foi convocado por sms e incluía fortes críticas ao Governo da FRELIMO: “O povo está a sofrer, os filhos de ministros, deputados e outros dignitários não andam de chapa e os chapas estão caros. Vamos fazer greve e exigir justiça. Lutemos contra a pobreza”.

Os aumentos foram justificados pelo último encarecimento dos combustíveis, tendo o dísel sofrido 14% de aumento e o petróleo passando a custar 8.1% a mais. Por outro lado, o salário mínimo oficial é de menos de US$ 2,00 por dia apenas, e as pessoas mais pobres seriam as mais afetadas pelas novas tarifas. Alguns blogueiros, como Ivone Soares [6], não estão nada satisfeitos com a justificativa:

O salário mínimo está aquém das necessidades básicas das populações, ademais que o índice de desemprego em Moçambique é vergonhoso para um Governo que se diz do Povo, mas que preocupado com os mega-empreendimentos.

Manoel de Araújo [7] escreve uma carta aberta ao presidente moçambicano, Armando Guebuza, pedindo que ele se pronuncie sobre os eventos sem precedentes em Maputo:

Pela primeira vez depois da independencia nacional a populacao de Maputo saiu a rua com um unico proposito- dizer de forma clara e inequivoca de que ja esta farto das instituicoes estatais e que pelo menos desta vez, iria resolver os seus problemas, usando as suas proprias maos!

Leonardo Vieira [8] se diz não estar surpreso que a paciência das pessoas tenha se esgotado depois de tantos aumentos de preços em menos de um mês: combustíveis, pão e a passagens nos coletivos. Ele acusa o governo de ser passivo frente aos problemas, deixando a população sem outra escolha a não ser lançar mão da violência. Nesse caso, os manifestantes conseguiram o que queriam:

E qual foi a consequência??? Na pessoa do ministro dos transportes, o Governo anuncia que já não mais irão subir os preços.

Em um comentário na postagem acima, Nelson Livingston [9] concorda com a teoria de Leonardo sobre o esgotamento da paciência do povo, e faz uma previsão bem pessimista [10] para o futuro:

O que me intriga é como o governo subestima o povo. Como não lê os sinais de insatisfação. Será por estar demasiado desligado da situação popular ou por uma cruel insensibilidade que se “ignora” o resultado de algumas medidas tomadas lá no topo. Agora aprendeu o povo que “criança que não chora não mamã”. Aprendeu que “governo não gosta de barulho”. O povo aprendeu a “mexer o remoto control” o futuro é assustador.

Uma cidade fantasma

Hoje, Carlos Serra [11] relata que depois que os protestos entraram noite adentro, na manhã de hoje Maputo mais parecia uma cidade fantasma. Não havia transporte público, a maioria das escolas e lojas permaneceram fechados. Pilhas de lixo vão se acumulando em meio aos restos das barricadas levantadas no dia anterior. Apenas na tarde as chapas voltaram a entrar em circulação.

No entanto, ainda há uma certa tensão em outras partes de Moçambique. Carlos Serra continua, como normalmente, fornecendo as últimas notícias, com mais rapidez do que a imprensa do país. Na sua 28ª atualização hoje, às 20h40, no momento da publicação desse artigo, ele informa:

Três mortos e 268 feridos – eis o rescaldo dos levante popular de ontem, segundo a estação televisiva TVM no seu noticiário das 20. Mas segundo o “O Paísonline”, calcula-se em 93 o número de feridos que deram entrada no Hospital central de Maputo, dos quais 25 continuam ainda internados.