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Brasil: Proibição de última hora de carro alegórico sobre o Holocausto

Categorias: América Latina, Brasil, Arte e Cultura, Esforços Humanitários, História, Liberdade de Expressão, Protesto

Poucos dias antes do início oficial do Carnaval [1], a escola de samba Unidos do Viradouro foi surpreendida com a proibição de um dos carros alegóricos no desfile, depois que a comunidade judaíca se posicionou contra o carro por mostrar uma pilha de corpos de vítimas do Holocausto nazista. A Federação Israelita do Estado Rio de Janeiro entrou com uma ação e uma juíza vetou a participação do carro alegórico no desfile. Se a escola decidisse ignorar a proibição e seguir adiante como planejado, encararia multas de US$ 113.000,00, além de mais US$ 28.000,00 por cada dançarino vestido de Hitler na avenida. O tema desse ano da Viradouro é ‘É de arrepiar [2]‘ e o carro polêmico desfilaria entre outros que provocariam um arrepio: alusões ao nascimento, ao horror, ao frio, no total oito sensações cujo objetivo seria provocar um arrepio coletivo.

Ao ficar sabendo da notícia Rachel Glickhouse [3] [en], uma americana morando no Rio, se sentiu mais triste que ofendida, porque pôde ber que houve mais ignorência que malícia na escolha de um tema como esse:

So here is the problem: ignorance. Carnaval is a time when Brazil turns everything on its head: the rich and the poor are equalized, what is normal becomes not, and the insane and the unallowed and the sensual and the uninhibited become the centerpieces of the festival. But since the guys over at Viradouto have no concept of the gravity of the Holocaust, to them it just seemed like another thing to “turn on its head” during Carnaval. Carnaval is not a time to take things seriously, but rather to overturn what is normal to enjoy a time of absolute ridiculousness that only happens once a year. (…) I doubt a samba school would make a float depicting the “disappeared” and tortured Brazilians during the dictatorship, or of slaves getting beaten by a master. The Holocaust is simply out of these guys’ frame of reference. Most of them are from favelas and live in a world completely different from the one most of us know.

Então, aqui está o problema: ignorância. O Carnaval é uma época em que o Brasil vira tudo que está na cabeça ao avesso: os ricos e os pobres são equiparados, o que é normal se torna anormal, e a loucura, o não-permitido, a sensualidade e as inibições tornam-se o centro das atenções do festival. Mas uma vez que os rapazes lá da Viradouro não têm noção da gravidade do Holocausto, para eles ele parecia ser apenas uma outra coisa para a qual “virar a cabeça” durante o Carnaval. O Carnaval não é um momento para se levar as coisas a sério, mas sim para acabar com o que é normal e para desfrutar de um momento de ridículo absoluto que só acontece uma vez por ano. (…) Duvido que uma escola de samba faria um carro alegórico com alusões aos brasileiros torturados e “desaparecidos” durante a ditadura, ou sobre escravos sendo espancado pelo senhor de engenho. O Holocausto é simplesmente fora do campo de referência dessas caras. A maior parte deles são das favelas e vivem em um mundo completamente diferente do que o que a maioria de nós conhece.

No entanto, os blogueiros brasileiros estão divididos. Alguns consideram a proibição mais do que apropriada e o carro uma banalização de uma tragédia histórica. Outros acham que tudo é permitido no Carnaval e chamaram a atitude da justiça de censura. Alex Castro [4] está no segundo grupo:

Diga rápido: o que é pior? Que alguém se proponha a fazer um carro alegórico sobre o Holocausto (com direito a judeus mortos e um Hitler dançando sobre eles) ou que uma juíza se ache no direito de proibir essa barbaridade? (…). O pior da censura é que ela fere os direitos do público de formar sua própria opinião. Em princípio, eu acho a idéia de um carro alegórico sobre o Holocausto de um mau-gosto enorme mas, agora, graças à censura judicial promovida pela Federação Israelita, eu nunca vou poder formar minha opinião, nunca saberei como teria sido essa barbaridade. Sim, eu entendo que alguém que perdeu o pai no Holocasto poderia se ferir com esse carro alegórico, mas essa é uma das desvatangens de se viver em uma sociedade livre. As vantagens compensam, confie em mim. Os direito do público de ter acesso à obra, mesmo que de terrível mau-gosto, devem ter preferência em relação aos direitos do ofendidos – exceto em casos de calúnia, difamação ou injúria.

Christiano Bianco [5] defende que a idéia foi um protesto justo contra o Holocausto

Não sejamos hipócritas. Napoleão, imperadores romanos e tantos outros déspotas sanguinários são lembrados nos enredos das escolas desde que o Carnaval existe. Por que só Hitler não pode aparecer? A iniciativa de Paulo Barros deveria ser encarada como um protesto face aos descalabros do Holocausto e não como chacota e banalização.

No entanto, Ana Paula Freitas [6] não consegue ver sentido nenhum no tema desse ano da Viradouro:

Eu só não posso entender como uma escola de samba acha legal fazer uma ‘homenagem’ ao holocausto colocando no carro alegórico um monte de cadáveres e alguém vestido de Hitler sambando em cima deles. Tipo. SAMBANDO. Desculpem a falta de sensibilidade pra piada, sério.

Enquanto Gilberto Fontes [7] acredita que o carnaval não é o local mais apropriado para discutir o assunto, especialmente quando ainda há tantos acontecimentos parecidos com o Holocausto no mundo:

O enredo “É de arrepiar” não precisava apelar tanto. O Holocausto é fato, é história que se repete no século XXI, quando ainda acontecem genocídios como em Darfur, no Sudão, onde cerca de 400 mil darfurenses já foram dizimados de 2003 para cá por milicianos janjawid apoiados pelo governo sudanês na disputa que opõe a população árabe muçulmana do país aos muçulmanos não-árabes da região devido a questões de distribuição de terras e recursos.

O carnaval não é fórum adequado para se tratar o tema. Nem este nem qualquer questão séria ou polêmica. A festa é das plumas, paetês e lantejoulas. Pode ser palco de críticas, mas também o é de sonhos e ilusões.

Ricardo Pinto [8] concorda e faz uma comparação com o que seria uma banalização dos atos de terrorismo, se mostrados da mesma forma no mesmo espaço:

Seria quase como, por exemplo, uma escola de samba resolver apresentar um carro alegórico mostrando os escombros do WTC, sobre eles todo o tipo de coisas que iriam desde laptops quebrados até pernas e cabeças humanas decepadas e de fundo a efígie do Bin Laden

Fernando Rizzolo [9] também acha que é importante se falar do Holocausto, mas não dessa maneira:

O Holocausto deve ser relembrado com a visão da liberdade, mas não de liberalidade como carnaval, festa alegre, bonita, enfim, uma ofegante epidemia onde não há lugar para tristezas.

O carnaval do Rio começa nesse domingo, 3 de fevereiro. Os destaques da celebração carioca são os 12 desfiles independentes de 80 minutos cada, organizados pelas escolas de samba das favelas da cidade. Desfilam na avenida centenas de bateristas e milhares de dançarinos, competindo pelo título de campeão do ano. Os temas normalmente apresentam assuntos sociais e políticos, e essa não é a primeira vez que eles causaram problemas de última hora para escolas de samba. Em 1989, a igreja católica barrou carros alegóricos que imagens de Jesus Cristo e da Virgem Maria e a escola teve que escolher entre cobrir ou modificá-los.