Blogueiros da Peace Corps em Burkina Faso

Meu primeiro post para o Global Voices discutiu os blogueiros expatriados que trabalham e vivem em Burkina Faso. Hoje, investigaremos outro grupo de expatriados que vivem no país, já que nos aprofundaremos sobre os blogueiros da Peace Corps.

Peace Corps é um programa de governo americano que envia estadunidenses para que vivam em outros países por mais de dois anos, ganhando uma quantia insignificante, com o objetivo de trabalhar em vários projetos educacionais e de desenvolvimento. Burkina Faso é anfitrião de mais de 100 voluntários, sendo a maioria deles recém saído da universidade. Eles passarão seu tempo vivendo em vilas e pequenas cidades espalhadas ao redor do pais trabalhando nas áreas de saúde, desenvolvimento de pequenos negócios, educação de garotas e algum ensino em escolas públicas.

A título de revelação, esta seria uma boa oportunidade para admitir que a mesa de metal em que estou escrevendo atualmente tem sua origem no escritório da Peace Corps de Burkina Faso; assim como também a maioria das cadeiras, em minha casa, idem para as mesas, e não coincidentemente, a casa em si. (O computador permanece sendo meu.) Esses moveis não são um presente para mim, mas para a minha mulher, que é funcionária do escritório da Peace Corps de Burkina Faso, onde supervisiona um grupo de aproximadamente trinta desses voluntários. Para aqueles que têm medo de um tratamento preferencial em direção a certos blogueiros: Com mais de 100 voluntários no país, e o fato de que muitos blogueiros escrevem usando um nome de guerra, não posso dizer que reconheci mais do que poucos nomes nesses blogs.

Agora, aos blogueiros. Como um todo, esses que escrevem são honestos – algumas vezes brutalmente – e cronistas perceptivos do ambiente estrangeiro em que eles vivem. Muitas vezes seus posts se parecem com cartas que escrevem para casa, exprimindo a cor do local e esclarecendo aos amigos e à família (muitos que nunca colocarão os pés em Burkina Faso) sobre uma variedade de temas, que vão desde normas culturais, passando por condições de trabalho, até os detalhes do seu dia-a-dia.

Se pudesse escolher um tema abrangente de preocupação desses blogueiros, eu começaria com a tecnologia. Grosso modo, os povoados de Burkina Faso possuem muito pouco em termos de tecnologia, enquanto muitos desses americanos chegam no país, mental e moralmente, com mais dispositivos tecnológicos do que um navio de guerra americano. Um blogueiro, Justin Lopina relatou a compra de um painel solar que fez para a sua casa:

About $200 in all (I'm eating poor THIS month!), I'll have all the power I need for lighting, movies, music, and my cellphone. I need to work something out for the gameboy though. Mmm… Power.

Mais ou menos U$200 com tudo (estarei pobre ESTE mês), terei a energia que preciso para iluminação, filmes, música e para o meu celular. Mas preciso arranjar alguma coisa para o gameboy. Hum…Energia.

Talvez o mais desconcertante para esses blogueiros seja a dicotomia existente na África urbana, onde podemos encontrar os equipamentos do mundo conectado que se colocam próximos aos símbolos do isolamento rural. Isso é explicado por René, que escreve o blog Peace Corps: Burkina Faso:

More than one trainee has gotten up from the cybercafe, walked out into the searing heat, and goats, and vultures flying around like pigeons, and asked “Someone tell me again, where the hell am I?

Mais de um voluntário se levantou de um cybercafe, saiu para o calor massacrante, carneiros e águias sobrevoando como pombos, e pergunta “Alguém me diga novamente onde diabos eu estou?”

Se você perguntar a 10 blogueiros da Peace Corps por quê eles entraram na organização, cada um deles daria uma resposta diferente: É uma superação trabalhar num escritório; a satisfação de trabalhar em uma área de desenvolvimento; viajar é uma outra razão, assim como é o fato de aprender uma outra cultura e a oportunidade de viver com pessoas diferentes.
Caleb, que escreve no Burkina Faso or Bust blog, vê sua experiência como um teste para ver se ele pode sobreviver dois anos sem eletricidade. No inicio, ele achou difícil, mas ainda assim está impressionado com a tranqüilidade que os locais conduzem suas vidas:

Instead of children zoning out in front of the television, they are thoroughly entertained with the rigorous activity of playing with for example, my trash… or really anyone’s trash for that matter. Whether it be a plastic bag, tin can, or piece of string, they will find a game to play, or a way to annoy me with it. For an hour straight, to my dismay, a kid played with my watch because if a button is held down it beeps once every ten seconds or so.

Ao invés das crianças ficarem focadas em frente à televisão, elas estão perfeitamente entretidas com a rigorosa atividade de brincar, por exemplo, com o meu lixo…ou com o lixo que qualquer pessoa. Seja uma sacola de plástico, uma lata de alumínio ou um pedaço de corda, eles sempre vão encontrar alguma coisa com que brincar ou uma maneira de me perturbar com isso. Durante uma hora, para o meu desalento, uma criança brincou com meu relógio porque quando o botão é pressionado para baixo, toca uma vez a cada dez segundo ou algo assim.

A maioria da população vive em áreas rurais, mas afora aqueles que trabalham para o governo, os povoados estão privados de empregos que não estejam relacionados à agricultura – a indústria principal do país – e a um punhado de trabalhos domésticos. A maioria das pessoas com qualquer grau de educação sai do povoado em busca de trabalho em cidades maiores, razão pela qual a capital Uagadugu cresceu prodigiosamente nos últimos 15 anos.

O que impressiona a muitos desses blogueiros é o quão diferentes são suas trajetórias de vida em relação às dos seus amigos e vizinhos do povoado. “Outro dia, por exemplo, meu vizinho me perguntou se chovia nos EUA,” escreve Lara do blog Lara in Burkina. (Perguntaram a outro blogueiro se as pessoas dos Estados Unidos vivem abaixo do solo). No caso da vizinhança, não é a falta de inteligência, escreve Lara, mas sim da falta de acesso à informação sobre a maior parte do mundo exterior. Não há Internet, talvez algumas TVs e nenhuma biblioteca pública.
Um outro lado existe para as inúmeras referências à tecnologia e à sua ausência. Mais do que poucos blogueiros lista respeitosamente cada e todo livro que eles leram enquanto estão no país. Essas listas são surpreendentes pelo seu escopo e amplitude.

Para muitos blogueiros, a vida na área rural de Burkina Faso representa a primeira vez que eles sobreviveram sem o auxílio daquelas simples conveniências que são vistas como naturais. Deveria-se notar que muitos cidadãos urbanos de Burkina Faso também vêem esses itens como naturais. “Nos Estados Unidos, existe o luxo de se ter água corrente. Na África não é tão fácil,” afirma a escritora que se auto intitula Becca Faso em seu blog de mesmo nome:

The good pump nearest my house is about a five minute walk away. I dont know if you remember or not but water is really freakin heavy. really…

A bomba d’água boa mais próxima da minha casa fica mais ou menos a 5 minutos caminhando. Eu não sei se você lembra ou não, mas a água é pesada. Realmente…

Por outro lado, ao invés de ser visto como o salvador, ao trazer tecnologias imponentes para a vida dos moradores, muitos blogueiros normalmente se encontram fazendo o papel de bobo ou estrangeiro ingênuo, ao tentar entender a vida em uma cenário complicado. Por falar nisso, muitos blogueiros focam no conhecimento dos locais a respeito do ambiente físico. “O povo do vilarejo é muito engenhoso e pode reconhecer qualquer planta, sabendo se ela é comestível”, escreve Stephanie em Stephanie’s Letters from Burkina Faso:

Once I saw an old lady walking home, carrying a plant she pulled out of the ground. I asked her what she was doing and she told me it was a tomato plant she found and was taking to plant at her house.

Uma vez eu vi uma senhora de idade caminhando em direção à sua casa, carregando uma planta que ela arrancou do chão. Perguntei a ela o que estava fazendo e ela me disse que era um pé de tomate que tinha encontrado e estava levando-o para sua casa.

Descobrir plantas desconhecidas e comer comidas exóticas têm o seu lugar em muitas historias: São muitas as anedotas que se referem a comer animais específicos, como por exemplo carne de camelo, ou algum molho não identificado. Viver próximo do mundo animal, entretanto, apresenta uma outra questão; “Para os que compartilham moradia eu tenho um exército de grilos,ratos, lagartixa, todas as variedades de insetos e aranhas, e um escorpião ocasional (ACK!),” explica Radhika Reddy em ramblings from radhika in burkina. “Outro dia encontrei uma cobra no meu vaso sanitário. Difícil entrar em pânico quando se agacha, então calmamente eu a vi indo embora se arrastando, enquanto minha vida brilhava antes dos meus olhos, para todos vocês especialistas em répteis, não tenho certeza se era venenosa, mas parecia uma meia em padrão de diamante.”

Imagens de um vilarejo tranqüilo e idílico são normalmente estilhaçadas pela realidade daquelas criaturas simples domesticadas: carneiros berrando, galos cocoricando e cachorros latindo. A equipe de blogueiros de Jill e Markus McKay-Fleisch criou uma lista de razões pelas quais eles detestam as galinhas que vivem no seus quintais.

Aqui estão alguns destaques:

- They cluck for no good reason.
-They poop everywhere.
-They're dumb. Studies using chickens as subjects require hundreds of trials before they learn anything.
-They eat everything, including chicken meat and their own poop.
-They're ugly. And they smell bad.
-They're hard to catch.
-They are pretty tasty, though.

- -Elas cacarejam por nenhuma razão. Elas defecam em todos os lugares. Elas são burras. Estudos que usam galinhas como cobaia requerem centenas de experimentos antes de eles aprenderem alguma coisa. – Elas comem tudo, incluindo carne de galinha e seu próprio cocô. – Elas são horríveis. E cheiram mal. – São difíceis de pegar. – Mas têm um gosto bom.

Viver longe dos amigos e da família é um tema prioritário de cada blog da Peace Corps. Alguns contam com Ipods, celulares e aparelhos de DVD para superar os momentos de solidão, enquanto outros se inclinam à companhia dos animais e bichos de estimação. A vida para estes últimos pode ser difícil na Burkina Faso rural e os blogs estão cheios de lembranças sobre o gatinho que morreu ou o cachorro que foi embora misteriosamente. De Ami e seu blog Le Culte du Moi, aqui vai um exemplo de um bicho de estimação que foi embora:

The pet camel, as we all know, was turning out to be an expensive pet. Not to mention the fact that it scared Hama, my neighbor, and kept spitting on Hama's laundry whenever it was put on the line to dry. In lieu of “Spitty Cent”, there is now a white goat tied to a tree in my yard. The thing was cute at first (and like, 10 bucks), but geez, it's also annoyingly loud. All night it bleats and starts up again in the morning when the 4:45am azan sounds off.

O bicho camelo como todos conhecemos, tornou-se muito caro para sustentar. Isso para não falar do fato de que amedrontou Hama, minha vizinha, e continuou cuspindo lavanderia de Hama quando ela botava a roupa para secar. No lugar do “Centavo Cuspidor”, temos agora um carneiro branco amarrado em uma arvore no meu quintal. A coisa era mimosa no começo (e barata), mas, afe, também faz muito barulho. Durante toda a noite ele berra e começa novamente pela manha quando o azan das 4:45 pára de acontecer.

Como eu disse, isso é apenas um pequeno universo dos blogs da Peace Corps de Burkina Faso. Muitos voluntários da Peace Corps têm nos trazido para suas vidas através de suas publicações, o que não é um grande problema para se ter. Os blogs estão reunidos aqui.

Matéria de John Liebhardt.

O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.

1 comentário

  • Por um lado, o testemunho é bem interessante — ao mesmo tempo elucidativo do ambiente onde vivem estas pessoas e de sua visão de mundo. Posso sentir, contudo, um certo ranço na maioria das blogadas. É certo que é uma refrescante ocasião de se ler um testemunho honesto, mas esta honestidade nos mostra sobretudo o quanto são preconceituosos estes americanos morando em outro lugar. É claro que a vida deve ser difícil por lá, tanto para os locais quanto para os estrangeiros, mas criticar as galinhas ou encantar-se com as crianças brincando com o lixo não é uma boa amostra de noção das coisas…

    Ou talvez eu esteja apenas exagerando. :)

    Abraços do Verde.

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