Seria mesmo verdade? Posso mesmo dizê-lo? O Iraque está realmente mais seguro? Com um novo movimento, chamado ‘Awakening’ [Despertando], expulsando a Al-Qaeda dos subúrbios de Bagdá, relatos de queda na violência, iraquianos retornando em massa, estaria a ofensiva de George Bush realmente funcionando? Blogueiros do Iraque investigam e dão a palavra das ruas.
Adhamiya Despertando
O grande assunto nos blogs é a nova milícia chamada “Awakening” (Al-Sahwa) [Despertando], que tomou conta das ruas da região de Adhamiya, subúrbio de Bagdá, anteriormente controlada pela Al-Qaeda e que, com a ajuda das tropas americanas, tem trazido relativa normalidade para as ruas. Agora, para entender como é ruim a vida em áreas controladas pela Al-Qaeda, aqui vai uma descrição [en] relatada por Last of Iraqis [Último dos Iraquianos]:
I took a vow on myself not to go Adhamyia unless it was a matter of life and death because of the situations that deteriorates more and more every day there, specially after Al-Qaida has stopped a doctor's car that I know with his wife, dragged him out and killed him and his wife in the middle of the street in cold blood and no one could do anything for them. After Al-Qaida entered a house of newly wed couple, locked the husband in the bathroom and they raped his wife one after the other and finally killed her while the husband couldn't do anything other than screaming in the bathroom, things were getting really dangerous out there.
Eu prometi a mim mesmo não voltar a Adhamyia a não ser que fosse por um motivo de vida ou morte, devido à situação que ficava cada dia mais complicada por lá, especialmente depois que a Al-Qaeda abordou um médico que conheço, que estava no carro com a mulher. Eles o arrastaram para fora do carro e mataram ele e sua mulher no meio da rua, a sangue frio, sem que ninguém pudesse fazer nada pelos dois. Depois disso, a Al-Qaeda entrou na casa de um casal recém-casado, trancaram o marido no banheiro, estupraram sua mulher um depois do outro e finalmente a mataram sem que seu marido pudesse fazer qualquer coisa além de gritar no banheiro. As coisas estavam ficando realmente perigosas por lá.
Alive in Baghdad [Vivo em Bagdá] tinha um repórter nas ruas quando o Awakening apareceu. Em seu primeiro relato [en], Alaa descreve como a milícia operou:
Today, November 11th, Al-Sahwa forces started arresting some people who work like criminals before. Those arrested were given to the custody of US troops. As well, they arrested two persons who have been killing people and committing some robberies and kidnappings.
Hoje, 11 de Novembro, as forças de Al-Sahwa começaram a prender alguns criminosos. Os presos foram entregues às tropas americanas. Eles também prenderam duas pessoas que haviam cometido assassinatos, roubos e sequestros.
Mais tarde ele relatou mais progresso [en]:
Al-Sahwa forces start arrested anyone who has worked with Al-Qa’eda before, because some Al-Qa’eda members began to work with Al-Sahwa and they arrested more than 20 of them. After these arrests, the members who joined from Al-Qa’eda guided the US Troops to some roadside bombs and helped the US troops to destroy it and they destroyed more than six bomb in diferent places in Adhamiya, and also destroyed one of the carbombs yesterday night.
As forças de Al-Sahwa passaram a prender qualquer pessoa que já tivesse trabalhado com a Al-Qaeda, já que alguns membros da Al-Qaeda passaram a trabalhar para a Al-Sahwa. Foram presas mais de 20 pessoas. Após estas prisões, os antigos membros da Al-Qaeda guiaram as tropas americanas até estradas onde havia bombas escondidas, ajudaram os soldados a destruírem essas bombas. Foram destruídas mais de seis bombas em diferentes locais em Adhamiya, além de um carro-bomba, na noite passada.
E, com a nova milícia começando a reforçar a sua autoridade, Alaa relata [en] que alguma normalidade começa a ser percebida novamente nas ruas:
With this plan there is no way for anyone or any insurgents to bring a bomb or put the bomb in the streets so that make a kind of security for now in Adhamiya, and some of the shops have begun to open again and normal life is returning, step by step.
Com este plano ninguém, nenhum insurgente, terá a chance de plantar uma bomba nas ruas, e isso dá uma sensação de segurança em Adhamiya por enquanto. Algumas das lojas já abriram suas portas e a vida normal está retornando, passo a passo.
Last of Iraqis, que nunca perde novos eventos, decide ir até Adhamiya e ver com os próprios olhos. Retorna com sentimentos mistos, e relata [en]:
I was relived by the great number of cars roaming the streets, the walking people, the shops which are getting ready to re-open and the feeling of settlement, kids playing soccer in the street till late hours, men and women walking in the streets and the fixing campaign for the lights and gardens; workers are taking care of the gardens and squares which hadn't been taken care of for more than a year.
I was worried because the majority of the awakening members are just kids, 14-16 years old carrying AK's and wearing vests(not all of them) and also because what the residents say about the background of these kids and men! … many of them aren't good members of the society and many of them were with Alqaeda till a recent time. …
Awakening got good control over the area, they were helped by [American] troops to achieve that, it seems that they want to do good … Well, I should be more specific in my words; they were ordered and directed to be good, because they are for money, and that's very obvious, Alqaeda didn't pay the ex-members like the awakening did specially if we knew that they were low ranked members …
the payment of the awakening as what I have heard is like this: from 14-16 years old $250 a month, older than 16, $450, the payment of the officers starts from $600 and up.
Eu fiquei aliviado com o grande número de carros circulando pelas ruas, pessoas andando, lojas se preparando para reabrirem e o sentimento de propriedade, crianças jogando futebol na rua até altas horas, homens e mulheres andando nas ruas e uma campanha para reconstruir a iluminação e os jardins. Trabalhadores estão tomando conta dos jardins e praças, que estavam sem cuidado há mais de um ano.
Eu fiquei preocupado porque a maioria dos membros do ‘Awakening’ são em sua maioria crianças, jovens de 14, 16 anos carregando AK's e vestindo fardas (não todos), e também pelo que os moradores contam sobre o passado desses jovens e adultos! … muitos deles não são bons membros da sociedade e muitos pertenciam à Al-Qaeda até recentemente…
‘Awakening’ tomou o controle da área, e foram ajudados pelas tropas americanas para isso. Parece que querem fazer algo de bom… Bem, eu devia ser mais específico nas minhas palavras; eles foram mandados e orientados para serem bons, porque eles estão lá por dinheiro, e isso é óbvio. A Al-Qaeda não pagava os seus ex-membros como o ‘Awakening’ paga, ainda mais sendo eles membros de nível baixo.
O pagamento feito pelo ‘Awakening’, pelo que ouvi, é algo assim: de 14 a 16 anos de idade, US$250 por mês, maiores de 16 anos, US$450, e o pagamento para oficiais vai de US$600 para cima.
Baghdad Connect é um pouco mais cínico [en]:
the flip ‘flop’ Surge .. has been replaced with the rad Sahwa (a few resistance & Al Qaeda units awakening) as they have finally realized that it’s worth working for the invaders as it holds profitable future (Oil@USD 95) rather than wasting their lives on some wretched Shiites. …
As one Sahwa dude told BC “we’ve done our own part and stopped attacking them (the invaders), now they have to fulfill their promise and get rid of the Iranians”!!
A investida “de chinelos” foi substituída pelos radicais Sahwa (algumas unidades da resistência e da Al-Qaeda), que finalmente perceberam que vale a pena trabalhar para os invasores, já que isso lhes promete um futuro lucrativo (óleo a US$95) em vez de desperdiçar suas vidas com alguns xiitas desprezíveis…
Como disse ao BC um rapaz da Sahwa, “nós fizemos a nossa parte e paramos de atacá-los (os invasores), agora eles têm que cumprir a sua promessa e se livrarem dos iranianos”!!
A palavra da rua
A queda na violência, ainda que frágil, é o que a mídia relata. Assim, Neurotic Wife [Esposa Neurótica], que trabalha na Zona Verde, pergunta a um colega [en] o que ele pensa:
He pondered for awhile before answering then said, well it depends what you mean when you say “normal”. I said well, Im reading that shops are opening late, people are staying later than usual, there is life basically. M smiled, then said, well, yes its abit more quieter than before, but that doesn’t mean situation is good.
Ele ponderou por um instante antes de responder, e então disse: bem, depende do que você quer dizer com “normal”. Eu disse bem, tenho lido que as lojas estão reabrindo até tarde, as pessoas ficam na rua até mais tarde, basicamente, há vida. M sorriu, então disse: sim, está mais calmo do que antes, mas isso não significa que a situação está boa.
Sua opinião é de que a queda na violência é mais um resultado do cessar-fogo de 6 meses ordenado por Muqtada Al-Sadr do que de qualquer trabalho do governo iraquiano e das tropas americanas.
Baghdad Connect considera [en] que, o que se ganha de um lado, é perdido de outro. Ele escreve:
The western hot-spots … have over night become safe nocturnal exploits for their native neighbors … The east of Baghdad, however, has deteriorated a bit for a change.
Os antigos locais perigosos do oeste se tornaram, do dia para a noite, lugares seguros para seus moradores… O leste de Bagdá, no entanto, tem deteriorado bastante.
Em Mosul, HNK conta [en] que a situação ainda é complicada:
Before two weeks, our neighbor’s brother who is about 30 years old, married and having a kid did’t return to home. … And two days later he was found in the postmortem room. Today, our neighbor called and said that he is leaving Iraq to Armenia .
The basic is: We are still insecure and in danger even when we are in our own house. But life goes on.
Há duas semanas, o vizinho de nosso irmão, que tem 30 anos, casado e prestes a ter um filho, não voltou para casa… Dois dias depois ele foi encontrado no necrotério. Hoje, nosso vizinho ligou e disse que está deixando o Iraque e indo para a Armênia.
O básico é: Ainda estamos inseguros e em perigo, mesmo dentro de nossas próprias casas. Mas a vida continua.
Enquanto isso, WorkingForIraq [Trabalhando pelo Iraque] não vê solução política [en] para se obter paz duradoura. Ele escreve:
I believe it will take a new generation of people who can get past their sectarian differences and look for the good of the country. The reality is now all are vying to shape the new Iraq… Sunnis feel they can reverse some of the damage that the Shia Ideologues have done and Shia want to cement the system where they rule as religious ideologues and not as platform politicians and the Kurds are content to see the instability continue so that they can continue to build Kurdistan at the expense of the rest of Iraq. The United States probably wants political disarray so that it can gain the best arrangement for long term agreements in Iraq and Iran continues to play the political groups against one another in a grotesque divide and conquer strategy.
Acho que vamos precisar de uma geração de pessoas que possam deixar de lado suas diferenças sectárias e visar ao bem do país. A realidade é que agora todos estão competindo para delinear um novo Iraque… Sunitas acham que podem reverter um pouco do prejuízo causado pelos ideólogos Shias, e os Shias querem solidificar esse sistema em que eles reinam como ideólogos religiosos, e não como plataforma política. Os curdos estão felizes com a instabilidade, pois podem continuar construindo o Curdistão às custas do resto do Iraque. Os Estados Unidos provavelmente desejam esse desarranjo político, pois assim podem conseguir os melhores acordos no longo prazo, e o Irã continua a colocar seus grupos políticos uns contra os outros em uma estratégia grotesca de dividir e conquistar.
O que pode ser concluído a partir de tudo isso? Há uma notável melhora na segurança geral, mas ainda assim as bombas continuam explodindo em volta daquela que deveria ser a área mais segura da Zona Verde. Ninguém acredita que essa calmaria dure. E o que fazer com a Al-Qaeda? Quão facilmente seus soldados rasos podem ser comprados por um pouco mais de dinheiro. No melhor dos cenários, isso não faz deles mais do que mercenários contratados. No pior, outra faceta de uma brutal ocupação. Pagos para serem bons, se os iraquianos não se comportarem, são então autorizados a fazerem o pior. Mas a verdade é que há tantos interesses conflitantes que nenhum estado, nem mesmo a América, pode reclamar sequer um pequeno progresso nos processos que afetam o Iraque.
(Texto original de Salam Adil)
O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.
3 comentários
Se há uma melhora real na qualidade de vida do povo das bandas de lá, menos mal. Mas ainda assim fica a impressão, mesmo que só nas entrelinhas, de que se está trocando uma bomba relógio prestes a explodir por outra bomba relógio com um pouco mais de “tics” no contador de tempo. No fim das contas, tanto aqui como lá, gente armada e raivosa nas ruas não é solução para a violência de lugar algum.
Abraços do Verde.