Depois de uma popular temporada ao redor do país, tudo estava pronto para a noite de estréia da exposição Heróis, de Luiz Garrido, em Brasília. Dessa vez, as 24 fotos em preto e branco de brasileiros famosos seriam exibidas no Salão Negro da Câmara de Deputados, como parte do festival FOTO ARTE 2007 [1], o maior evento fotográfico do país.
Heróis traz, dentre outros, retratos do Presidente Lula [2], deputado Fernando Gabeira [3], sociólogo Betinho [4], o mundialmente famoso arquiteto Oscar Niemeyer [5] e a atriz transexual Rogéria [6], um ícone dos direitos GLS no Brasil. Foi aí que o problema começou: alguns membros da câmara consideraram o retrato dela, uma foto conceitual dela semi-nua vestindo apenas camiseta social, gravata, meias e tênis, uma ofensa às crianças e não apropriada para uma mostra aberta ao público.
Depois de muita discussão entre curadores e anfitriões, a foto foi escondida atrás de um biombo para a noite de abertura. Uma nota colocada ao lado dele pelos curadores deixava os visitantes informados sobre o motivo: “Por determinação da Câmera de Deputados, essa cabine acolhe a foto de Rogéria cuja exibição aberta ao público não foi permitida”. Claro que isso só colocou mais lenha na fogueira e resultou na decisão por parte da Câmara de Deputados em cancelar a exposição da noite para o dia, retirando as fotos das paredes sem consultar os curadores, a organização do evento ou o fotógrafo.
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Pictures by Jorge Diehl
Os blogueiros rapidamente começaram a repercutir a notícia e tornaram a foto polêmica mais pública que nunca. A maoria a publicou, independente de argumentar contra ou a favor à decisão da Câmera, e os comentários passam pelos temas da censura, homofobia, moralidade dos políticos e hipocrisia da sociedade.
O controverso “nu frontal” de Rogéria, atriz, por Luiz Garrido
Mesquita acha a decisão é um pouquinho contraditória [9] [pt]:
Parece até que não estamos no país do carnaval, das bundas e dos peitos. Fica a impressão, que a bancada evangélica na Câmara formou fileira junto aos parlamentares homófobos, na, aprentemente nada sutil, exteriorização de preconceito contra os homossexuais ou, pela arcaica e medieval vergonha ante a nudez – aliás, no caso, nem tão explícita assim.
Hebert de Souza [4], sociólogo, por Luiz Garrido
afinsophia acha que a posição da Câmara foi além da homofobia [10] [pt]:
Com a censura a Câmara deixou vazar seu ranço homofóbico: o olhar alucinado. O pecado para a fenomenologia é não conseguir abstrair objeto, o senso comum da percepção visual, o olhar embotado, cristalizado.
Rachel Dionizio lembra quando a revista Playboy em que saiu a amante de um senador [11] [pt] circulando na Câmara:
Argumento: isso atingiria os bons constumes da família brasileira. ..”e a putaria que rola naquela casa com aqueles senhores eleitos por nós…não atinge não ??? e os comentários que rolaram naquela casa sobre a nudez de uma certa jornalista…até deputado na internet vendo as fotos rolou…e ai ?? “
Darcy Ribeiro [12], antropologista, por Luiz Garrido
Gilson, do defenestrado, deixa um recado para os políticos do país [13] [pt]:
Senhores deputados, afronta a moral e aos bons costumes da família brasileira é a péssima educação nas escolas, o atendimento desumanos nos hospitais públicos, o salário miserável do brasileiro, a falta de segurança em qualquer lugar do território nacional, a perpetuação da CPMF e todo o dinheiro que Vossas Excelências roubam de projetos e obras que deveriam beneficiar a população. Pensem nisso.
Lula [2], atual presidente do Brasil, por Luiz Garrido
Tales Faria também publica a foto polêmica, mas ele acha que os congressistas podem ter uma ponta de razão [14] [pt]:
Agora me diga: você acha que em algum Congresso do mundo iam deixar essa foto exposta?
Também do lado do congresso, Luiz Eduardo acredita [15] [pt] que a censura veio na hora certa:
O fotógrafo Garrido insiste que a foto foi vetada por causa do homossexualismo de Rogéria. Não é o caso. O Congresso Nacional é diariamente visitado por crianças em excursões escolares. Não se pode mostrar tudo. Imagens eróticas não devem ser exibidas mesmo.
Fernando Collor [16], ex-presidente de Brasil, por Luiz Garrido
Tocando nesse mesmo assunto, aqui vem uma pergunta [17] [pt] de Isabela, do Punctum, um blogue sobre fotografia:
Uma questão: como se pode argumentar a favor da criança e do adolescente, afirmando que a dita foto fere seus Direitos, se é justamente nesta Casa em que um futuro decente para o país – e dessas mesmas crianças – é completamente fulminado????
João Prado encontra uma outra explicação para a censura [18] [pt]:
Aí vai uma teoria conspiratória (faz parte): será que não é essa a intenção dos deputados, de desviar a atenção de todos para assuntos menos importantes? ou será que não tem nada mais importante mesmo? Tipo crianças brasileiras em situação de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório, constrangedor…
Fernanda Montenegro [19], atriz, por Luiz Garrido
Márcio Pascoal coloca o ponto final na discussão [20] [pt]:
E Rogéria e os protetores da moral nacional precisam saber que se a turma de Brasília inventar de sair censurando o que pode nos envergonhar e às criancinhas, não sobrará pedra sobre pedra na capital. Toda a corja para trás do biombo, já.
Fotos gentilmente cedidas pela FOTO ARTE 2007 [1].
(texto original de Paula Góes [21])
O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online [22]. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português [23], com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista [24]. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui [23]. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui [25].