Rússia: blogueiros discutem James Watson

James Watson, geneticista americano, ganhador do Prêmio Nobel, provocou um escândalo internacional quando as seguintes afirmações proferidas por ele foram mencionadas na edição do dia 14 de outubro do The Sunday Times:

He says that he is “inherently gloomy about the prospect of Africa” because “all our social policies are based on the fact that their intelligence is the same as ours – whereas all the testing says not really”, and I know that this “hot potato” is going to be difficult to address. His hope is that everyone is equal, but he counters that “people who have to deal with black employees find this not true”. He says that you should not discriminate on the basis of colour, because “there are many people of colour who are very talented, but don’t promote them when they haven’t succeeded at the lower level”. He writes that “there is no firm reason to anticipate that the intellectual capacities of peoples geographically separated in their evolution should prove to have evolved identically. Our wanting to reserve equal powers of reason as some universal heritage of humanity will not be enough to make it so”.

Ele diz que está “inerentemente deprimido em relação ao futuro da África” porque todas as nossas diretrizes sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles é igual à nossa – levando-se em conta que todos os testes não dizem isso”, e eu sei que essa “batata quente” vai ser difícil de carregar. Sua esperança é que todos sejam iguais, mas chama atenção para o fato de que “as pessoas que lidam com funcionários negros acham que isso não é verdade”. Ele diz que não deveríamos discriminar com base na cor, porque “existem muitas pessoas de cor que são muito talentosas, mas não são promovidas até que não tenham alcançado o sucesso a um nível mínimo”. Ele escreve que “não há uma razão sólida para antecipar e provar que as capacidades intelectuais de pessoas geograficamente separadas em sua evolução se desenvolveram de maneiras idênticas. Nosso desejo de atribuir poderes iguais por alguma razão ligada a uma herança universal da humanidade não será suficiente”.

A controvérsia produziu um certo tumulto na blogosfera russa também.
O usuário do LiveJournal baseado nos EUA, karial, relatou (RUS) seu encontro com James Watson em pessoa:

[…] I met Watson two weeks after 9/11. The first question he asked after introductions and hand-shaking was: “So, are we [the U.S.] going to Afghanistan now to finish off what you guys [the Soviets] haven't?”

[…]
I had been warned about Watson's habit of saying politically incorrect things. I had to sit with a microphone in my hands throughout his lecture, ready to stand up and say that the company that organized this seminar didn't share Mr. Watson's views. No, I don't find the role of a censor pleasant
– I find it amazingly disgusting – and I really hoped to avoid becoming one. But, unfortunately, we could face a lawsuit otherwise.

I admit that a few times I did push the microphone's switch-on button – and was about to rise. And each time Watson would stop “on the verge.” But he always comes closer to the verge than anyone else on the celebrity lecture circuit, and it seemed to me that he was doing it with a bravado and even with something resembling Schadenfreude.

In the current situation – if you read the actual quote – he has also slowed down almost at the edge. But crossed the line a tiny little bit. And a lot of people were waiting for this moment.
Watson, despite his age, is a wonderful, very interesting lecturer. During the first half of his lecture, we had a feeling that he didn't really understand why he was invited to this seminar; he was beginning with different thoughts – then dropping them halfway through. He was using old slides, not even the transparencies of the early 90s, but slides in square frames. And then he easily, with a few phrases, connected all the lines that he had started and showed how they emphasize the seminar's main concept. So, at least six years ago, he was in his right mind and with solid memory, so to say. And all Watson's political incorrectness is conscious.

We can argue ad nauseam whether a star of his magnitude can allow himself to voice thoughts that [aren't PC]. Whether it's an impudent challenge of a free person to the system or a hole at the bottom of a boat that took much effort to build, a boat that ensures there's if not equality, then a state close to it. […]

[…] Eu conheci Watson duas semanas depois do 11 de setembro. A primeira pergunta que ele fez depois das apresentações e apertos de mão foi: “Então, nós (os EUA) vamos ao Afeganistão acabar de uma vez com vocês [os soviéticos], não vamos?”

[…]
Eu tinha sido alertado sobre o hábito de Watson de dizer coisas politicamente incorretas. Tive que sentar com um microfone em mãos durante sua palestra, pronto para levantar e dizer que a empresa que organizou esse seminário não compartilhava com a visão do Sr. Watson. Não, não vejo prazer no papel de censor – eu acho muito desagradável – e realmente quis evitar me tornar um deles. Mas se eu não fizesse isso, infelizmente, corríamos o risco de ter que encarar uma ação judicial.

Admito que algumas vezes eu empurrava o botão ligar do microfone e quase que me levantei. E a cada vez mais Watson chegava “no limite”. Mas ele sempre beirava o limite mais do que qualquer celebridade conferencista, e me pareceu que ele estava fazendo isso como um ato de ousadia e até mesmo com um prazer em ver o sofrimento dos outros.
Na situação atual – se você lê a citação real – ele também quase chegou ao limite. Mas cruzou uma linha bem estreita. E muita gente estava esperando por esse momento.

Apesar de sua idade, Watson é um brilhante e muito interessante conferencista. Durante a primeira metade de sua palestra, tivemos a sensação de que ele não sabia por que tinha sido convidado para esse seminário; ele iniciou a palestra com velhos pensamentos – e então desistia deles na metade.

Ele estava usando slides velhos, nem mesmo as transparências do início dos anos 90, mas slides quadrados. E então ele facilmente, com poucas frases, conectava todos os pensamentos iniciais e mostrava como eles enfatizam o conceito principal do seminário. Então, há pelo menos seis anos, ele tinha uma mente saudável e uma memória sólida, de modo que todos os pensamentos politicamente incorretos de Watson são conscientes.

Podemos discutir até enjoar se uma estrela de sua magnitude pode se permitir vociferar aqueles pensamentos. Se trata-se de um atrevimento de uma pessoa livre ao sistema, ou de um buraco no fundo de um barco que se esforçou para ser construído, um barco que assegura que existe, se não igualdade, uma afirmação próxima a isso, então. […]

Abaixo estão alguns comentários (RUS) a esse post:

doctor_iola:
Actually, I think it's a paradox that a country with such a level of freedom of speech or something has gotten itself so much of political correctness…

Na verdade, eu acho um paradoxo que em um país com esse nível de liberdade de expressão, algo de politicamente correto aconteceu…

karial:

And thank God that there is political correctness. Or else you wouldn't have become a doctor. IQ tests at the turn of the century used to show that the IQ of East Europeans was lower than that of the native Americans. Would you like to fight every day to prove the opposite? Or keep hearing that women bigger than sixe 10 are neither sexy, nor satisfied with themselves?

E graças a deus que existe o politicamente correto. De outro modo, eu não poderia ser médico. Testes de QI na virada do século foram feitos para demonstrar que o QI dos europeus do leste eram inferiores ao dos americanos nativos. Você gostaria de lutar todos os dias para provar o contrário? Ou continuar ouvindo que as mulheres que usam um número acima do 42 não é sexy nem está satisfeita consigo própria?

drauk:

Still, I think that political correctness (especially, its today's, extreme, version) is not the same as equal rights and opportunities.

Ainda assim, eu acho que o politicamente correto (especialmente, na sua versão atual e extrema) não significa a existência de direitos e oportunidades iguais.

karial:

Unfortunately, these are really close notions. Because how can one talk about equal rights, when a certain group of people – based on race, ethnicity, sex, size – would permanently be tied to […] a certain quality? Say, all Russians are crooks. And yes, they'll invite you to a [job] interview, but they'll always assume that you are very likely to be stealing things.
And what's being said by the public print and broadcast media is what forms these perceptions. […]

Infelizmente, essas são noções fechadas. Por que como uma pessoa pode falar sobre igualdade de direitos quando um certo grupo de pessoas – baseado em raça, etnia, sexo e tamanho – poderia estar permanentemente ligado […] a uma certa qualidade? Vamos dizer, todos os russos são desonestos. E sim, eles o convidarão para uma entrevista [de trabalho], mas eles sempre desconfiarão que você é capaz de roubar alguma coisa.
E o que está sendo dito pela mídia impressa e de radiodifusão é o que forma essa percepção. […]

puh:

So much noise because an old person has decided to say what he thinks (and, most likely, it is really the way he says it is)?

Tanto barulho porque uma pessoa velha decidiu dizer o que pensa (e, mais provavelmente, a maneira como fala realmente é?)

karial:

A person who is a public figure, especially in the world of science, has to understand that he can't “just say what he thinks” – it's not his kitchen, his words cause public response. […]
Uma pessoa pública, especialmente no âmbito da ciência, deve entender que não pode “falar apenas o que pensa” – ele não está em sua cozinha, suas palavras causam uma repercussão pública. […]

O usuário do Livejournal, baseado em Moscou, ivanov-petrov escreveu (RUS):

[…] I'm a stranger, of course, and these problems seem rather remote to me. But if something like this happened in Russia, I'd be extremely upset. I know that things like this did happen in Russia, and even twice as bad, and many times worse. I'm not saying we've got something to be proud of. What I'm saying is that it kind of sucks.
[…]
I'm absolutely not sure that the guy is right. It's very important to know what and how exactly it was said. But it seems to me that it's all about an individual's right to say things – and the right of a group not to want to hear such things. And whose freedom is tougher… All else being equal, I'm rooting for the individual.

[…] Sou um estranho, claro, e esses problemas parecem distantes para mim. Mas se algo desse tipo acontecesse na Rússia, eu ficaria extremamente angustiado. Sei que coisas assim já aconteceram na Rússia, e até mesmo duas vezes tão ruim quanto e muitas vezes pior. Não estou dizendo que temos algo com que nos orgulhar. O que eu quero dizer é que isso enche.
[…]
Não estou absolutamente seguro de que o cara está certo. É muito importante saber como foi dito exatamente. Mas me parece que tem a ver com o direito do indivíduo de dizer as coisas – e com o direito de um grupo de não ouvir tais coisas. E qual liberdade tem mais vigor…se todos os demais são iguais, eu torço pelo indivíduo.

E aqui está uma das conversas que se desenrolaram na seção de comentários desse post:

taichi_777:

Everyone agrees that [blacks] have a special kind of plasticity that Europeans lack, and they dominate in many types of sports, and the white aren't offended by this, as far as I know. I mean, if the guy's theory gets a scientific proof, there'd be nothing terrible for the Africans in it. Statistics aside, [Aleksandr Pushkin] did exist after all. :)
Who knows, maybe each race has its niche, each one has its own strengths.
[…]

Todos concordam que [os negros] possuem um tipo de plasticidade que faltam nos europeus, e que eles dominam em muitos esportes, que os brancos não se sentem ofendidos com isso, até onde eu sei. Quero dizer, se o cara consegue uma prova científica de sua teoria, não haveria nada de terrível para os africanos. Estatísticas a parte, [Aleksandr Pushkin] existiu afinal de contas. :)
Quem sabe, talvez cada raça tenha seu nicho, cada um tem seu ponto forte.
[…]

alamar:

[…] For most people, statistics is a tricky thing, but it's a perfect basis for speculation.

[…] Para a maioria, estatística é uma coisa complicada, mas é a base perfeita para a especulação.

taichi_777:

I can't but agree, especially when we're talking about intellectual skills statistics. Miracle often occur here even at the individual level here – I know D-students with high IQ :)
[…]
Eu só posso concordar, especialmente quando estamos falando de estatísticas relativas a habilidades intelectuais. Milagres normalmente acontecem aqui, até mesmo em nível individual – conheço alunos que nota 0 com QI alto :)
[…]

ajawa_took:

It's a very standard argument: let basketball and jazz be black, and science and business white, and no one would be offended. The problem is, the niche that you reserve for the blacks – it hasn't got enough money even for a small share of them.

Those who dreamed of becoming great scientists or businessmen, but failed to, they live in private houses and drive Lexuses, and their children continue to dream, knowing that if it doesn't work out for them, they'll be like their papas. And those who dreamed of becoming great musicians or athletes, but failed to, they live in black ghettos and are either surviving on unpleasant, low-paying jobs, or begging for money, or end up as criminals. And their children understand that they have no future in sports or music (or else I'll be like papa), and no one's calling them to science and business – there are only whites there.

É um argumento bem padrão: deixem os jogadores de basquete e o jazz ser negro, e a ciência e os negócios serem brancos, e ninguém fica ofendido. O problema é, o nicho que você reserva para os negros – não há dinheiro suficiente nem para uma pequena parcela deles.

Aqueles que sonham em ser grandes cientistas ou homens de negócio, mas não conseguiram, vivem em residências privadas e dirigem Lexuses, e seus filhos continuam a sonhar, sabendo que se não der certo pra eles, eles serão como seus pais. E aqueles que sonham em ser grandes musicistas ou atletas, mas não conseguiram, vivem em guetos negros e nem estão sobrevivendo nem insatisfeitos, recebendo baixos salários ou pedindo esmola ou vivendo na criminalidade. E seus filhos entendem que não têm futuro algum com o esporte ou com música (ou então eu serei como meu pai), e ninguém os convidam para a ciência ou para os negócios – só existem brancos lá.

taichi_777:

There's plenty of injustice in the world, and, moreover, something's telling me that the life of American jazz-playing blacks is no more horrible than the life of the Russian pensioners.

And one more injustice that we may lament: it's become fashionable in science to be politically correct instead of seeking the truth.

Há muita injustiça no mundo, e, acima de tudo, algo me dizendo que a vida dos jazzistas negros americanos não é pior do que a vida dos pensionistas russos.

E uma injustiça maior que podemos lamentar; está virando moda na ciência ser politicamente correto ao invés de se buscar a verdade.

Matéria de Veronica Khokhlova

O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.

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