A influência da internet no Brasil está ganhando impulso. Em um país onde as redes de TV aberta propriedade de políticos comandam o ambiente da imprensa nos últimos 30 anos, algumas pesquisas recentes sobre o acesso à internet revelam um aumento fenomenal nos números de usuários da internet. A partir do número bruto de 50 milhões de usuários com mais de 16 anos de idade detectado pela última pesquisa do Datafolha, alguns blogueiros estimam que a inclusão de crianças levaria a cerca de 74 milhões de usuários, ou quase 50% das pessoas conectadas. Esses números podem melhor explicar o impacto recente no equilíbrio entre política, meios de comunicação tradicionais e a chamada opinião pública.
Desde a vitória de Lula nas últimas eleições presidenciais, muitos teóricos da mídia local estão mencionando as mudanças evidentes na forma como a audiência brasileira reage às notícias. O recente acidente aéreo em São Paulo gerou o palco de mais uma batalha na internet, onde muitas versões e explicações sobre as possíveis causas ou responsabilidades circulavam de um lado ao outro entre portais de imprensa e blogues. No meio desse troca-troca tempestuoso, a filósofa mais conhecida do Brasil, Marilena Chauí, foi entrevistada por um blogueiro sobre a cobertura da imprensa sobre o desastre, e suas palavras despertaram um interessante debate na blogosfera local.
Era o fim da tarde. Estava num hotel-fazenda com meus netos e resolvemos ver jogos do PAN-2007. Liguei a televisão e “caí” num canal que exibia um incêndio de imensas proporções enquanto a voz de um locutor dizia: “o governo matou 200 pessoas!”. Fiquei estarrecida e minha primeira reação foi típica de sul-americana dos anos 1960: “Meu Deus! É como o La Moneda e Allende! Lula deve estar cercado no Palácio do Planalto, há um golpe de Estado e já houve 200 mortes! Que vamos fazer?”. Mas enquanto meu pensamento tomava essa direção, a imagem na tela mudou. Apareceu um locutor que bradava: “Mais um crime do apagão aéreo! O avião da TAM não tinha condições para pousar em Congonhas porque a pista não está pronta e porque não há espaço para manobra! Mais um crime do governo!”. Só então compreendi que se tratava de um acidente aéreo e que o locutor responsabilizava o governo pelo acontecimento. Fiquei ainda mais perplexa: como o locutor sabia qual a causa do acidente, se esta só é conhecida depois da abertura da caixa preta do avião? Enquanto me fazia esta pergunta e angustiada desejava saber o que havia ocorrido, pensando no desespero dos passageiros e de suas famílias, o locutor, por algum motivo, mudou a locução: surgiram expressões como “parece que”, “pode ser que”, “quando se souber o que aconteceu”. E eu me disse: mas se é assim, como ele pôde dizer, há alguns segundos, que o governo cometeu o crime de assassinar 200 pessoas? Mudei de canal. E a situação se repetia em todos os canais: primeiro, a afirmação peremptória de que se tratava de mais um episódio da crise do apagão aéreo; a seguir, que se tratava de mais uma calamidade produzida pelo governo Lula; em seguida, que não se sabia se a causa do acidente havia sido a pista molhada ou uma falha do avião. Pessoas eram entrevistadas para dizer (of course) o que sentiam. Autoridades de todo tipo eram trazidas à tela para explicar porque Lula era responsável pelo acidente. ETC.
Marilena Chauí: A Invenção da Crise – Conversa Afiada
O assunto puxado pela entrevista com a revoltada filósofa chamou a atenção da blogosfera, já que o comportamento dos veículos de comunicação já estava sendo, de qualquer forma, criticado em muitos comentários. As cenas amplamente divulgadas de um oficial do governo dentro de seu gabinete, capturadas em vídeo através de lentes com zoom, adicionaram um tempero extra na guerra entre aqueles atacando o governo e aqueles em sua defesa. Uma evidência de falha mecânica para minar as narrativas da mídia sobre as possíveis causas do acidente era tudo o que o governo Lula precisava para escapar pela lateral e virar a mesa de jogo, mas a exibição da forma com que um de seus conselheiros mais próximos celebrou a notícia divulgada sobre o possível problema no avião o levou a estaca zero. Os blogueiros escreveram e muito sobre o completo espetáculo da mídia.
É curioso esse padrão jornalístico de hoje da chamada grande imprensa. Historicamente, o mercado sempre manteve divisões claras entre o jornalismo de opinião (entendido aí, veículos formadores de opinião) e jornalismo de variedades (da imprensa sensacionalista ao jornalismo de fofocas). O segundo tem mais audiência, o primeiro, mais prestígio. Nos últimos anos, no Brasil, essas barreiras foram derrubadas em muitas publicações. É um crescendo de busca da espetacularização da notícia que vem dos anos 90 e amplia-se absurdamente nos últimos anos… Não se pode falar em tendência irreversível de um suposto novo jornalismo. Se fosse tendência geral, a grande imprensa mundial americana e londrina – na qual a mídia brasileira sempre se espelhou – há muito teria aberto mão das qualidades intrínsecas do produto jornalismo: credibilidade, objetividade, criatividade. O que se vê são grandes jornais mundiais expulsando jornalistas, quando descobrem que manipularam informações… Provavelmente, o conceito de jornalismo de opinião será revisto: de um lado, o padrão Murdoch; de outro, o padrão “The Guardian”. Mas muitas das atuais publicações consideradas da grande mídia (entendido como veículos centrais na formação de opinião) perderão esse status. Serão apenas grandes veículos de entretenimento.
O jornalismo fácil e o efeito Simpson – Luis Nassif Online
O desastre com o Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas é um exemplo extremo de como a notícia se tornou algo complexo, cuja compreensão passa a exigir cada vez mais tempo e paciência do leitor, ouvinte, espectador ou internauta. Ela deixou de ser um produto acima de qualquer suspeita. Um mesmo acontecimento está envolvendo uma batalha político-partidária entre governo e oposição, problemas trabalhistas dos controladores de vôo, questionamentos à eficiência de órgãos controladores como a ANAC, a soberania das instituições militares, o desejo da TAM de preservar sua imagem corporativa e sua clientela, a luta de jornais, revistas e redes de TV por audiência, preocupações financeiras das seguradoras que terão que desembolsar milhões de reais em indenizações e as empresas de transporte que procuram mais espaços no quebra-cabeças da malha aérea nacional. Cada um desses protagonistas tem interesses e conseqüentemente faz o possível para “torcer” a informação em seu benefício. O resultado é uma verdadeira Babel informativa, cuja maior conseqüência acaba sendo o ceticismo generalizado. Os principais envolvidos no processo perderam a noção do evento principal e passam a ter reações típicas de torcedores de futebol, como mostra o episódio dos gestos obscenos do assessor presidencial Marco Aurélio Garcia… Quem desejasse imunizar-se contra o tiroteio informativo das partes interessadas teria que gastar horas preciosas numa biblioteca especializada para entender o que está em discussão. Como quase ninguém tem este tempo, sobrou para o leitor médio a desagradável sensação de que está sendo manipulado e usado no debate. Mesmo aqueles que tomaram uma posição sabem que são movidos por preocupações que nada têm a ver com a tragédia do vôo 3054. O desastre de Congonhas é uma amostra do que os leitores podem esperar no futuro cada vez que acontecer um evento envolvendo uma grande soma de interesses. A multiplicação dos canais de transmissão de noticias dá aos interessados a possibilidade de “jogar” com dados e informações.
A tragédia de Congonhas e a Babel informativa contemporânea – Código Aberto
Dentre as numerosas postagens sobre o assunto, eu escolhi uma de um blogue recém inaugurado, no qual o autor se dedica na postagem de inauguração a responder a arenga da filósofa, e também manifestar sua crença de que a sociedade brasileira está estabelecida em valores democráticos.
É triste ver que uma filósofa de peso como Chauí, não consegue manter qualquer distanciamento ao intervir a respeito de questões “quentes” da nossa realidade… A abordagem da mídia é lamentável em relação a muitos temas e acontecimentos. Para mim isso se deve a um baixo nível geral da televisão e do telejornalismo brasileiro. Além disso, lembrando de uma colocação astuta de uma colega, recuso-me a acreditar na existência dessa entidade coesa, única, chamada MÍDIA. Será que, de fato, existe no Brasil uma única orientação por trás de todo o trabalho da mídia, orientação esta coligada com os interesses das elites brasileiras? Não acredito… O clima atual, a meu ver, não é nada estranho em se tratando de uma democracia: vozes dissonantes, atores com interesses contrastantes tentando vender a sua versão da história, parlamentares interessados em sucesso eleitoral e dispostos a transigir com o governo, grupos econômicos temendo verem reduzidas suas taxas de lucros, veículos de comunicação dedicados a expor, bem ou mal os fatos (e aqueles exclusivamente interessados em audiência) e cidadãos, grupos de cidadãos, sempre mais ou menos informados a respeito do que se passa no mundo da política. Está ruim, queremos mais, lutemos por mais… Mas, com todos os seus defeitos, eu ainda quero ter um Legislativo e não quero ter um presidente que se remeta diretamente ao povo, toda noite, em horário nobre.
Resposta a Marilena Chauí – Qualquer coisa
Os resultados de uma recente pesquisa da Universal / MacCann [não disponível na internet] divulgados por muitos veículos da imprensa local e blogues tem deixado muita gente de orelha em pé. De acordo com o relatório, o Brasil está, em nível global, em terceiro lugar em número absoluto de blogues e o quinto em leitores de blogues. O brasileiro também é o quarto em termos carregamento de fotos na internet, terceiro quando o assunto é audiência de vídeos e também terceiro em download de podcasts. É bom lembrar que não devemos confiar cegamente nessa pesquisa, cujos métodos e números brutos não foram completamente revelados. Mas ela oferece uma explicação muito melhor para a mudança real no ambiente da mídia brasileira sendo comandadada pela participação do indivíduo através das chamadas ferramentas de mídia social.
(texto original de Jose Murilo Junior)
O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.