Bolívia: Comício histórico em La Paz dá oportunidades para jornalismo 2.0

Munidos de uma câmera digital, câmera do celular, um computador portátil, e muita vontade de produzir um relato oportuno e com um ponto de vista de dentro de um evento histórico na Bolívia, Mario Duran e seus colegas, Cesar Duran e Willmar Pimentel partiram às 6 da manhã da cidade de El Alto na sexta-feira, 20 de julho. Mais tarde na mesma manhã, um comício imenso estava marcado para tomar as ruas e a expectativa era que um milhão de pessoas tomasse parte do evento. A imensa concentração humana estava lá para dar voz à sua falta de satisfação sobre a proposta de mudar a capital do país de La Paz para Sucre.

Duran anunciou o experimento [ES] no seu blogue Palabras Libres

“El dia de mañana en La Paz, especificamente en El Alto se llevara a cabo el cabildo del millon en defensa de la sede de gobierno, es asi que con algunos amigos (publicare la lista de los mismos mas tarde)practicaremos periodismo 2.0 a traves del portal sobre la Asamblea Constituyente y Autonomias de Bolivia, donde subiremos a la red texto, audio y si se puede, video, con entrevistas a quienes participen de este evento, desde gente de a pie hasta autoridades, habilitaremos una PC en un cafe internet (se llama Akapana y esta ubicado en la Av. Raul Salmon frente a la PTJ en El Alto) para subir contenidos a la web cada 15-30 minutos.”

“Amanhã em La Paz, especificamente em El Alto, acontece o comício de um milhão de pessoas em defesa da localização da capital. Com alguns amigos, estamos prontos para praticar jornalismo 2.0 e trabalhar através do site Constituent Assembly and Autonomies of Bolivia [ES], onde publicaremos texto, áudio, e, se possível, vídeo, assim como entrevistas com participantes do evento. Falaremos com todos, desde o povo comum até autoridades. Usaremos um computador uma lan-house local (chamada Akapana e localizada na Avenida Raul Salmon perto do departamento de polícia de El Alto) e o conteúdo será atualizado a cada 15-30 minutos.”

Pimentel, à esquerda e Duran, à direita

Esse experimento chamou a atenção da imprensa local [EN] e muitos ficaram curiosos para ver o desenrolar da aventura.

“Recibi una llamada de un reportero boliviano que preguntaba la velocidad de conexion de el internet Akapana, queria uno con 1024 kbps… para enviar reportajes a un medio de prensa extranjero…Me pregunto si perteneciamos a Bolpress, se sorprendio cuando le respondi via celular que solo eramos un grupo de amigos…”

“Recebi um telefonema de um repórter boliviano que me perguntou sobre a velocidade da conexão à internet no café em Akapana. Ele queria uma conexão com velocidade de 1024 kbps para que pudesse mandar reportagens para a imprensa internacional. Ele me perguntou se a gente poderia trabalhar para Bolpress (uma agência boliviana de notícias) e ficou muito surpreso quando eu contei que somos apenas um grupo de amigos…”

No decorrer do evento, Duran escreveu suas próprias reflexões [ES] e observações sobre o dia.

“La Ceja de El Alto, escenario de rebeldía, dolor y alegría popular en Octubre de 2003 esta vez se viste de rojo, amarillo y verde, a una sola vez la inmensa marea humana grita: “la sede no se mueve”, pero los corazones vibran cuando se escuchan discursos de que “hay que preservar la unidad de la patria”. Un sentimiento de bolivianidad une a los participantes de este cabild”

“O topo do El Alto, palco de rebelião, dor e alegria popular em outubro de 2003, agora está vestido de vermelho, amarelo e verde. As ondas humanas gritam em uníssono “a capital não será transferida”, mas é tocante ouvir discursos sobre “preservação da unidade nacional”. É um sentimento de “bolivianismo” que une os participantes nesse comício.”

Foto tirada por Duran

No entanto, houve problemas com a lan-house: não foi possível voltar a cada 15-30 minutos e a conexão era muito devagar. Então, Duran chamou seu amigo Hugo Miranda, que estava a vários quilômetros de distância na cidade, Oruro. Enviar as fotos através de seu celular para o e-mail de Miranda permitiria que a publicação se desse logo em seguida. Resumindo, Duran disse, em uma entrevista ao Global Voices, “é possível praticar um tipo novo de jornalismo e não importa onde no mundo você esteja. Isso é importante para que as pessoas aprendam a mostrar a realidade na qual elas vivem”.

Outra observadora naquele dia foi Nadine Levin, uma estrangeira estudante de graduação da Universidade de Chicago. Ela se deparou com reações diferentes naqueles que participaram da marcha [EN] e escreveu no seu blogue, Adventures in Bolivia.

“Being one of only two white people walking through the streets of a completely indigenous community, I sensed an interesting mixture of curiosity and also hostility. People all around me were looking at me with such scrutiny that it was impossible not to feel subconscious. Some people would shyly smile, while others would snidely call us “gringas” under their breath. When one woman saw me with my camera, she grabbed my arm and started to yell at me in Aymara… I know that these people have an incredibly history of oppression, but it really bothers me that foreigners are consistently treated with such hostility. I guess I just don’t understand how there can be such malice when we are clearly there to appreciate the politics and indigenous presence of the country.”

“Sendo uma de apenas duas brancas andando pelas ruas de uma comunidade completamente indígena, eu percebi uma mistura interessante de curiosidade e também hostilidade. As pessoas ao meu redor me olhavam de uma forma tão detalhada que foi impossível não me sentir incomodada. Algumas pessoas ririam timidamente, enquanto outras chamariam a gente depreciativamente “gringas” por entre os dentes. Quando uma mulher me viu com minha câmera, ela agarrou a minha mão e começou a gritar em aimará… Eu sei que esse povo tem uma história inacreditável de opressão, mas na verdade é realmente um incômodo para mim que estrangeiros sejam tratados com uma hostilidade dessas. Acho que não entendo como pode haver tanta malícia quando estamos ali claramente para reconhecer a política e a presença indígena no país”.

Miguel Buitrago do MABB compara o espetáculo dos números com o de comícios similares em Santa Cruz, o que prova que existe uma divisão profunda no país. Ele se pergunta onde outras áreas se posicionam.

“In my opinion, this latest cabildo only reinforces the idea that the country is deeply divided along regional lines. Clearly we can observe the two regions being able to get over a million people together. Considering that Bolivia has 9 million inhabitants, these two demonstrations have been able to gather almost a quarter of the population. That, in support of two different causes. What I am wondering at this moment is that the middle region is not saying anything so far. Right in the middle of the conflict lies Cochabamba, the third largest city (formerly second) in the country. The question is: which side will they pick?”

“Na minha opinião, essa última manifestação apenas reforça a idéia de que o país está profundamente dividido em linhas regionais. Podemos observar claramente duas regiões que podem colocar um milhão de pessoas juntas. Considerando que a Bolívia tem 9 milhões de habitantes, essas duas áreas podem agregar quase um quarto da população. Isso é, em apoio a causas diferentes. O que eu fico pensando nessas horas é que a região central não disse nada até agora. Bem no meio do conflito está Cochabamba, a terceira maior cidade (e anteriormente a segunda) do país. A pergunta é: de que lado eles vão ficar?”

Miguel Centellas do *Pronto se pergunta se uma mudança do tipo seria possível, e se há muito apoio por parte dos moradores de Sucre.

“For the record, I think moving the capital is a great idea in theory, but a completely unpractical project. In theory, there’s no reason why La Paz has to be the capital (it’s only the capital due to a historical “accident” of sorts);1 and one could make arguments for moving the capital to a more central location (perhaps Cochabamba?). But moving the capital would cost large sums of money the government doesn’t have, not to mention the economic displacement of thousands of government bureaucrats who live in La Paz (a recent report suggested that government was the largest share of La Paz’s GDP). Plus, I doubt Sucre wants to become the new marchodromo (I suspect its experience w/ protesters & the Constituent Assembly may have soured many sucrenses from their desire to reclaim the capital).”

“Só para lembrar, eu acho que a mudança da capital seria uma grande idéia na teoria, mas trata-se de um projeto completamente impraticável. Em teoria, não existe razão alguma para que La Paz seja a capital (em termos, é apenas a capital devido a um “acidente” histórico);1 e é possível argumentar pela mudança da capital para uma região mais central (talvez Cochabamba?). Mas a transferência da capital custaria um monte de dinheiro que o governo não tem, sem mencionar o deslocamento econômico de milhares de burocratas do governo que vivem em La Paz (uma reportagem recente sugeriu que o governo é responsável pela maior fatia do PIB de La Paz). Além disso, duvido que Sucre queira se tornar o próximo “marchódromo” (desconfio que a experiência deles com protestantes e a Assembléia Constituinte deve ter colocado areia no desejo de muitos moradores de exigir a capital).”

Em La Paz, Estido do Cronicas Urbandinas ficou comovido com o balanço do número de participantes e as emoções deles em relação a uma unidade nacional [ES].

“En fin, hayan sido dos millones o doscientas mil personas, quedó claro que La Paz no quiere que la sede de gobierno sea trasladada. Pero más importante aún –según mi punto de vista– quedó demostrado que los paceños expresan un sentimiento más nacional que regional; digo esto por un hecho sencillo, y sin embargo relevante: de entre esa muchedumbre reunida en la Ceja, la bandera que más flameó fue la boliviana; luego, la paceña y, después y muy pocas, la wiphala.

Si el año pasado me preguntaban sobre este tema, con seguridad hubiera respondido que preferiría que la sede de gobierno se trasladase a otro departamento”.

“No fim, tenha estado lá 2 milhões ou 200 mil pessoas, ficou claro que La Paz não quer que sede do governo seja transferida. Entretanto, na minha opinião, o ponto mais importante foi o fato de que o povo de La Paz expressaram um sentimento mais nacional que regional. Eu digo isso por um motivo simples, mas relevante. Entre a imensa multidão reunida na Ceja (área que liga La Paz e El Alto), a bandeira que mais apareceu foi a boliviana, seguida de algumas de La Paz flag e, por fim, algumas poucas de wiphala.

Se você tivesse me perguntando sobre isso no ano passado, eu certamente teria dito que eu preferiria que a capital fosse transferida para outra região.”

Foto tirada por Duran

No entanto, Andres Pucci não engoliu que esse comício tinha apenas a unidade nacional como objetivo. Ele estava incomodado com uma propaganda que estava mandando uma mensagem mista [ES].

“También vi en canal 7 una propaganda, en la que se le pregunta a la gente de La Paz, si va a ir al cabildo, obviamente, el 100% de los preguntados dijo si, pero hubo uno que me llamó la atención, uno que dijo: Viva La Paz y nada mas. No era un programa al vivo, era una propaganda, editada, producida, etc etc.”

“Eu também vi uma propagando no Canal 7 (um canal de diversão gerenciado pelo Estado), onde eles perguntavam ao povo de La Paz se eles participariam do comício. Obviamente, 100% daqueles que foram perguntados disseram que sim, mas algo que me chamou a atenção foi um que disse: “Viva La Paz e nada mais”. Não era um programa ao vivo, era uma propaganda, editada, produzida, etc.”

Del Quintacho su Rincón [ES] quer manter a mente aberta a possibilidades, mas espera que o movimento em Sucre possa explicar o porquê de uma mudança do tipo seria um benefício para todo o país. Um dos poucos blogueiros em Sucre deu a própria opinião sobre o assunto. Um comitê da cidade lançou o slogan de apoio à transferência da capital de lugar. Ariel Cristian escreve:

“Un cabildo de los bolivianos, para los bolivianos” decía una refiriéndose a que en el Alto, estaba Bolivia y otro añadía que “Bolivia quiere que los poderes no se muevan de La Paz”. Entonces, ante este tipo de autonombramientos ¿Que nos queda a los que no somos paceños? ¿No somos bolivianos? ¿Somos extranjeros? ¡No lo creo! Bolivia somos todos y no solo La Paz.”

“Um comício de bolivianos, para bolivianos”, disse um se referindo ao fato de que a Bolívia estava presente em El Alto, e outro disse, “A Bolívia quer que os poderes não saiam de La Paz”. Então, com essas autoproclamações, o que somos nós, que não somos de La Paz? Não somos bolivianos? Somos estrangeiros? Não creio! Todos nós somos Bolívia, não apenas La Paz”.

Réplica do flyer que foi distribuído em Sucre. “Porque a Bolívia assim o quer… A capital sim, se muda”.

Ele acrescenta que talvez para medir a atitude do país inteiro, e não apenas de La Paz, seja necessário um referendo nacional. Por fim, Carlos Hugo Molina do Agora se pergunta o que virá em seguida [ES], mas que foi certamente uma demonstração de força e de que qualquer coisa pode acontecer, mas acrescenta “Eu não quero perder a esperança”.

(texto original de Eduardo Avila)

 

 

O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português, com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui.

 

2 comentários

Cancelar esta resposta

Junte-se à conversa -> Luna

Colaboradores, favor realizar Entrar »

Por uma boa conversa...

  • Por favor, trate as outras pessoas com respeito. Trate como deseja ser tratado. Comentários que contenham mensagens de ódio, linguagem inadequada ou ataques pessoais não serão aprovados. Seja razoável.