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Descobrindo a blogosfera moçambicana através do Diário de um Sociólogo

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Enquanto navegava pela blogosfera Moçambicana, encontrei o “Diário de um Sociólogo” [1][PT], um blog de Carlos Serra, sociólogo Moçambicano baseado em Maputo, associado à Universidade Eduardo Mondlane, a universidade pública do país. Tem, portanto, o potencial de oferecer uma interessante mistura de observação pessoal e comentário acadêmico, no meio de, como ele o apresenta, “um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.”

Das suas actuais ofertas decidi pegar numa análise comparativa entre as posições políticas do recém-eleito Presidente Francês, Nicolas Sarkozy, e do Presidente Moçambicano, Armando Guebuza. Apresentada em quatro partes, a análise começa com esta pergunta, Existe alguma afinidade política entre os programas políticos do presidente Sarkozy de França e do presidente Guebuza de Moçambique?”, sendo as restantes três partes dedicadas à resposta. Assim vai:

Sarkozy and Guebuza
sarkozy [2] guebuza [3]

”São dois presidentes de países diferentes, de continentes diferentes, com histórias diferentes, com problemas certamente, eles-também, diferentes ou, pelo menos, de coeficientes de extensão e de intensidade diferentes. Mas ambos vivem numa mesma época e esta época pode dotar histórias diferentes com um fio condutor político do mesmo teor, com um magma semântico da mesma intensidade. Quando estive recentemente em Paris procurei estudar o programa eleitoral do presidente Sarkozy. Tentei, mesmo, recuar um pouco até à altura em que ele foi ministro do Interior do governo de Jacques Chirac. Depois dei por mim a encontrar nos temas políticos de Sarkosy um eco dos temas de Guebuza. Como se, vejam lá, Sarkozy fosse o Guebuza francês. E, se quiserdes que eu diga as coisas com o humor doce da nossa terra, ambos em luta contra um certo deixa-andar. Presidentes de capital simbólico forte, de aura carismático, com uma traça populista imediata, ambos se identificam em temas como o trabalho, a família, a unidade nacional, a ordem e a segurança.
Sarkozy e Guebuza (2) [4]

“Homem de direita, Sarkozy não hesitou, porém, na campanha eleitoral para a presidencial francesa, em surpreender os seus adversários apontando como seu guia político o comunista italiano António Gramsci [5]. “É com ideias que se ganha o poder” – afirmou. Não estou certo de que a frase seja gramsciana (e mesmo que seja não representa a linha dorsal do pensamento político de Gramsci), mas o importante é que Sarkozy citou o homem cujo cérebro (recorde-se, a talhe de foice) era necessário “impedir de pensar por vinte anos” na óptica do fascismo italiano de 1926. E o fez numa estratégia plural, na qual a luta contra o que chamou imobilismo e inércia dos seus antecessores (o deixar-andar de Guebuza) devia fazer-se em múltiplas frentes de actividade. O Estado é fundamental, claro, mas há limites para aquilo que o Estado pode fazer. Os Franceses deviam estar claros de que a França que se levanta cedo e trabalha muito não podia tolerar mais a França que se levanta tarde ou que, mesmo, nunca se levanta e que dorme e nada faz. Era preciso que todos trabalhassem, que todos abandonassem o fatalismo e o costume da mão estendida, que todos acreditassem em si-mesmos * (recordemos a auto-estima do alfobre ideológico guebuziano). No nosso país, em recente presidência aberta (que é sempre uma antecipação eleitoral), não fustigou Guebuza a preguiça moçambicana [6], atribuindo-lhe a responsabilidade pela pobreza e pela fome que afectam muitos de nós [7]?
Sarkozy e Guebuza (3) [8]

Temos assim um Sarkozy contra uma França preguiçosa, contra o assistencialismo, tal como temos um Guebuza contra o Moçambique preguiçoso à espera do Estado paternal. À busca da França sarkozyana gloriosa, antecipou-se Guebuza com a pátria amada e com a pérola do Índico. À família francesa unida de Sarkozy, pré-anunciou Guebuza a honesta família moçambicana. E múltiplos outros campos é possível encontrar identidades entre os dois presidentes. Por exemplo, no campo das alianças e da cooptação política. Se Sarkozy incluiu no seu governo ministros socialistas, Guebuza visitou o presidente do maior partido da oposição quando este foi hospitalizado na sequência de um acidente de viação e acaba de receber generais da Renamo descontentes com a sua situação profissional. Entretanto – e este é um ponto capital -, ambos os presidentes evacuaram e evacuam do seu discurso qualquer referência séria e sistemática à divisão e às assimetrias sociais. Se à divisão se referiram e se referem, situaram-na e situam-na em campos inócuos (divergências de visão, perspectiva psicológica, globalização, etc.). Não surpreende, assim, que a preguiça seja por ambos encarada como algo exterior a um sistema social determinado e surja como algo que tem inexoravelmente a ver com as pessoas em si. No caso de Sarkozy a defesa do inatismo (homossexualidade, por exemplo) foi constante. Ambos são dois bons líderes populistas no sentido do sincretismo político, da indeterminação e do minimalismo das orientações programáticas. Ambos oscilam entre uma orientação autoritária e uma deriva hiperdemocrática*. E assim termino estas breves notas, às quais dei o selo do imediato e das quais aboli deliberadamente a análise em profundidade.
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Leia Taguieff, Pierre-André, L´Illusion populiste, Essais sur les démagogues de l´âge démocratique. Paris. Champs/Flammarion, 2007.
Sarkozy e Guebuza (fim) [9]

 

(Texto original de Koluki [10], graciosamente enviado também em português pela mesma)

 

O artigo acima é uma tradução de um artigo original publicado no Global Voices Online [11]. Esta tradução foi feita por um dos voluntários da equipe de tradução do Global Voices em Português [12], com o objetivo de divulgar diferentes vozes, diferentes pontos de vista [13]. Se você quiser ser um voluntário traduzindo textos para o GV em Português, clique aqui [12]. Se quiser participar traduzindo textos para outras línguas, clique aqui [14].