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Estudantes protestam por universidades públicas no Brasil

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Educação, Juventude, Liberdade de Expressão, Política, Protesto

Estudantes da mais importante universidade Brasileira, a Universidade de São Paulo, ocuparam a reitoria da instituição no dia 3 de maio em protesto contra medidas anunciadas pelo governo de São Paulo que ameaçam a autonomia das universidades públicas do estado. O estado de São Paulo é o mais importante do país, com três das maiores universidades públicas da região: USP [1] (Universidade de São Paulo), Unicamp [2] (Universidade Estadual de Campinas) e Unesp [3] (Universidade Estadual Paulista).

Naquele dia os estudantes tinham uma reunião marcada com a reitoria. Como ninguém apareceu, ele forçaram a entrada no prédio e ocuparam o escritório. A ação de ocupação começou, inicialmente, sem o apoio das principais instituições políticas estudantis – a UNE [4], a UBES [4] e o Diretório Central dos Estudantes da USP, o DCE [5].

Let’s be realistic. Let’s do the impossible
Sejamos realistas. Façamos o impossível, em cartaz pintado por estudantes no prédio da reitoria da USP.
[6]

Em 51 dias de ocupação o movimento cresceu além de qualquer expectativa, estimulando uma discussão geral na imprensa e entre estudantes em todo o país. Os estudantes montaram um blog para conversar com pessoas de fora do prédio ocupado — o http://ocupacaousp.noblogs.org [7]. Muitas manifestações de apoio ao movimento vieram de estudantes em vários países como França, Espanha, Argentina e Estados Unidos. Alguns estudantes e intelectuais afirmaram que o movimento é similar ao levante francês de maio de 68, quando estudantes foram às ruas e deram início a uma nova era para o movimento estudantil. Naquele tempo o Brasil estava ainda no começo do regime ditatorial que durou mais de 20 anos. Agora, com o partido de esquerda no poder, talvez seja o momento de recuperar o tempo perdido. Ao menos este é o sentido de muitos posts publicados na blogosfera brasileira, como este.

Estudantes insatisfeitos ocupam universidade exigindo contratação de mais professores, construção de mais salas de aula e reformas na gestão universitária. A reitoria chama a polícia que desaloja violentamente os manifestantes. Onde poderia se passar essa narrativa? Na USP destes dias? Neste caso, tratava-se da Sorbonne, em Paris, ocupada pelos estudantes em 3 de maio de 1968. Depois que foram expulsos manu militari pelo ministro Alain Peyrefitte no dia seguinte já se sabe o resultado: uma explosão de fúria juvenil e estudantil, uma onda de barricadas e o despertar de uma inteira geração para o sonho de transformar a realidade com a indignação justa dos jovens que resolveram combater a injustiça do mundo. Será este, de novo, o roteiro paulista e brasileiro de 2007? Começou uma “nova onda” na história do movimento estudantil brasileiro? Qual será o seu caráter, a sua amplitude e a sua profundidade?
Estar com os Estudantes ou Estar com a Polícia [8]Blog dos Estudantes que Ocupam a Reitoria da USP [9].

A polícia não veio desalojar os estudantes. E outros movimentos de ocupação começaram em outras universidades. O escritório da vice-diretoria do campus de Franca da Unesp foi ocupado em 28 de maio. Como os estudantes da USP, eles também montaram um blog, o http://ocupacaofranca.blogspot.com [10] onde tentam conversar com outros estudantes e fazer pressão sobre a diretoria da universidade. Estudantes do campus de Rio Claro, também da Unesp, ocupam prédios desde o dia 24 de maio e montaram outro blog: http://ocupacaorioclaro.blogspot.com [11]. E estudantes da Universidade Federal do Maranhão (UFMA [12]), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM [13]), Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS [14]), como você vê no vídeo abaixo.


Estudantes correm para ocupar o prédio da reitoria da UFRGS, no dia 5 de junho, cantando: “Na UNE? Na UBES? Quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil”.

Um wiki [15] foi montado para discutir o movimento. Além disso, mesmo sem ocupações, muitos cursos de várias instituições estão em greve também em protesto contra os decretos do governador como se vê em outro wiki chamado Caaso na Greve [16].

Um dos grafites mais interessantes (na foto abaixo) feito por estudantes da USP revela como este movimento tem um apelo a todos os estudantes do país e como estão aplicando conceitos modernos de descentralização da comunicação e desobediência civil, expandindo um argumento simples que encontra ressonância entre muitas variedades de personalidades e posições políticas.

reitoria_s.jpgOcupe a reitora que há em você — um slogan utilizado por estudantes brasileiros grafitado nas paredes da USP [17]

Alguns jovens e adultos da minha geração com certeza se lembrarão da frase acima, mesmo daqui algum tempo.
Goiabs [18]- ocupe a reitoria que há dentro de você [19]

O termo “ocupação” certamente ganhou nova conotação desde então. Em maio, ciclistas realizaram o Bike Month Critical Mass [20] em São Paulo. Luddista, do blog “apocalipse motorizado [21]” publicou um posto chamado “Ocupando as ruas”. Em São Paulo, o evento terminou na reitoria ocupada da USP:

Depois da visita ficou apenas uma certeza: a mídia mente. Ao contrário do sensacionalismo dos “grandes” veículos, que tentam caracterizar os ocupantes como vândalos baderneiros, o que vimos por lá foi muita organização, criatividade, discussão política e convivência entre as pessoas. No interior do prédio nada foi quebrado ou depredado como afirmam os conglomerados de mídia de massa, ansiosos por um desfecho violento que possibilite o terrorismo midiático das tradicionais matérias sobre o “confronto com a PM”. Mostrar a violência para impedir a discussão. Felizmente, não é esse o clima na USP. Atendendo ao pedido dos ocupantes, que temem ser criminalizados por sua ação de desobediência civil, não tiramos fotos no interior da ocupação. Se quiser saber mais sobre o assunto, desligue a televisão (aliás, você ainda se informa pela tevê?!) e visite o blog da ocupação ou o centro de mídia independente [22].
apocalipse motorizado [21]Bicicletada de maio: ocupando as ruas [23]

40 years later, nothing more binds us (40 anos depois, nada ++++ nos UNE) [24]O movimento tem provocado uma reviravolta na situação política estudantil. Historicamente, a UNE é a entidade mais poderosa para representar os estudantes. O governador José Serra era presidente da UNE quando os militares tomaram o poder no país, em 1964, e ele se viu obrigado a ir para o exílio. Agora, como governador, ele deixou a reitoria da USP entrar com o pedido de reintegração de posse na Justiça, o que significa chamar a polícia para tirar os estudantes dali. A UNE esperou muito tempo para se posicionar contra ou a favor do movimento e agora tenta recuperar terreno. Mas eles não tem mais o apoio de 40 anos atrás, como se pode ver neste cartaz colado na USP, em uma foto tirada por Gustavo Suto [25], onde se lê: “40 anos depois…, nada ++++ nos U.N.E” com a foto de José Serra segurando um rifle durante a revista dos novos armamentos da polícia. Veja mais fotos da ocupação na USP no Flickr [26].

No começo da noite de hoje, 22 de junho, os estudantes entraram em acordo com a reitoria e concordaram em deixar o prédio ocupado, sem a intervenção da polícia.