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Chávez, Lula e a mídia: é um samba ou uma valsa?

Categorias: América Latina, Brasil, Venezuela, Governança, Liberdade de Expressão, Mídia e Jornalismo, Política

Esta foi uma semana interessante aqui no Brasil, onde pudemos sentir os efeitos da implementação da decisão do governo Chávez de não renovar a licensa da RCTV. O Senado brasileiro debateu o assunto esta semana e decidiu solicitar a reconsideração da decisão por parte do regime venezuelano. Chávez, em mais um de seus peculiares discursos, declarou que os senadores brasileiros “são papagaios que repetem qualquer coisa vinda de Washington”, e avisou que “é mais fácil o império português retomar o Brasil do que a Venezuela devolver a licensa de televisão que extinguiu a oligarquia venezuelana”. Em resposta Lula decidiu inquirir o embaixador venezuelano para que explicasse os comentários de Chávez, e esta foi a deixa para que os canais da grande mídia amplificassem a notícia sobre o esperado embate entre presidentes. Nós perguntamos: qual é o verdadeiro script para esta dança à três entre Chávez, Lula e a mídia? Blogueiros brasileiros nos contam, de um lado para o outro, e também ao centro.

Chavez Lula

A mídia hegemônica nativa está fazendo um enorme escarcéu com o desabafo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que acusou o Senado Federal de ser “papagaio” dos interesses dos EUA por este ter aprovado resolução contra o fim da concessão pública à RCTV – os dois únicos votos contrários à moção foram dos senadores Inácio Arruda (PCdoB-CE) e José Nery (PSOL-PA). De todas as formas, tenta jogar o governo e a sociedade brasileira contra o processo revolucionário bolivariano. Defensora descarada do tratado neocolonial da Alca, derrotada nas ruas e nas urnas, ela usa todos os ardis para implodir o rico processo em curso de integração latino-americana. A mídia privada, partidária de golpes fascistas no passado, como em 64, e no presente, como na abjeta manipulação nas eleições presidenciais de 2006, agora tenta pousar de “democrata” e “nacionalista”. Dá nojo e asco! O presidente Lula, que inicialmente até resistiu à pressão midiática para que se opusesse ao fim da concessão da RCTV, acabou caindo na armadilha. Antes, insistiu acertadamente em declarar que “o Brasil não tem nada a ver com a concessão, que é um problema da legislação venezuelana”. Já quando o Senado emitiu sua nota, o governo preferiu não criticar a interferência desta casa legislativa na decisão soberana do país-irmão. Mas, diante da reação do presidente venezuelano e da feroz campanha da mídia, o presidente Lula acabou cedendo e “expressou o seu repúdio a manifestações que coloquem em questão a independência, a dignidade e os princípios democráticos que norteiam nossas instituições”. Era o que a mídia desejava para fazer alarde sobre o “racha” entre Chávez e Lula.
Chavez, o Senado, e a Mídia Escrota [1] – Altamiro Borges in Blog do Rizzolo [2]

Os internautas leram em um único lugar — aqui — que a reação de Lula às críticas de Hugo Chávez ao Congresso brasileiro eram conversa mole, papo-furado. Bingo! O Apedeuta deu uma entrevista à BBC e já disse que o ditador venezuelano é parceiro, e não um perigo para a América Latina, o que significa endossar, entre outras coisas, o que o vagabundo fez com a RCTV. Se a imprensa brasileira não estivesse corroída pelo servilismo ao PT, Lula seria tratado como o que de fato é: um aliado de Chávez, que só não repete aqui as práticas daquele porque as instituições brasileiras não deixam. Por enquanto ao menos. Mas “eles” já estão cuidando disso… Lula disse ainda algo aparentemente razoável, aparentemente racional: “Chávez tem suas razões para brigar com os Estados Unidos. E os Estados Unidos têm suas razões para brigar com a Venezuela. O Brasil não tem nenhuma razão para brigar com os Estados Unidos ou a Venezuela. Nós temos que aprender a respeitar a lógica legal de cada país. Eu não dou palpite nas políticas internas de nenhum país”. Disse o óbvio? Uma pinóia! Lula está igualando uma ditadura a uma democracia. Está dizendo que cada uma delas tem seus motivos. Se falasse sinceramente, seria só delinqüência intelectual. Com sabe que seu juízo é falso, está fazendo uma escolha: a Venezuela.
Lula volta a cair nos braços do ditador [3]Reinaldo Azevedo (Veja) [4]

Com toda a sua bandeira de desafio, Chavez tem alguns pontos frágeis : não está administrando bem a PDVSA, seu governo no geral é ineficiente, Chavez não tem um partido estruturado e nem tem um sólido grupo político, tudo depende dele, se amanhã desaparecer o chavismo tende a sumir e a Venezuela poderá entrar em convulsão. O Brasil está investindo bastante nas relações com a Venezuela, diplomàticamente e financeiramente. O BNDES tem emprestado muito à Venezuela, para financiar compra de produtos brasileiros e construções feitas por empreiteiras brasileiras (Odebrecht) e a Petrobrás está investindo alto diretamente e via Braskem. O risco é elevado. O problema dos regimes tipo Chavez e Morales não é o radicalismo, é a imprevisibilidade… O Brasil chegou ao limite nas relações com Chavez, daqui para frente há boas probabilidades de aumentarem os problemas e diminuírem as oportunidades. Governos deste estilo tem a necessidade de elevar o tom para criar permanente tensão interna, como forma de manter o controle político. uma característica do Governo Chavez desde o primeiro dia, ninguém pode se dizer surpreendido com o fechamento da RCTV, que é apenas parte de um processo continuado..
Chavez e a imprevisibilidade
– André Araújo in Luis Nassif Online [5]


Ao acompanhar o noticiário da TV à noite
aqui no Brasil, foi fácil perceber a mundança de tom nas chamadas que anunciavam auspiciosamente a reação de Lula aos ataques de Chávez ao Senado brasileiro. Em algumas notícias em destaque, conforme reportado por blogs, aconteceram nítidos esforços em superdimensionar o número de manifestantes em uma passeata da oposição em Caracas. Como seria de se esperar, as corporações de mídia tentam arrebanhar tanto apoio quanto possível em sua cruzada contra Chávez, e o presidente Lula seria o aliado ideal. Blogueiros locais reclamam da ausência de fontes confiáveis na mídia quando o assunto gira em torno do presidente venezuelano.

Given that corporate media and the Washington establishment are one and the same, it's no surprise that none of the major English-language news wires ran a story about Lula's position of non-interference in the RCTV case. AP didn't run anything about it. Reuters didn't either. And neither did any of the major U.S. dailies. Only the German wire Deutsche Presse-Agentur [6] and the Chinese wire Xinhua [7] reported the story. In other words, a story that doesn't fit the Washington establishment's divide-and-conquer strategy is curiously absent from the major English-language press.
Lessons in Media Manipulation: Lula, Chavez and RCTV [8]Latin America News Review [9]

Dado que a mídia corporativa e o ‘establishment’ em Washington são partes de uma mesma coisa, não é surpresa que nenhum das agências que operam em língua inglesa tenham veiculado nada sobre a posição de não-interferência de Lula em relação ao caso da RCTV. A AP não deu nada sobre isso, a Reuters também não, e também nenhum dos principais diários dos EUA. Somente a agência alemã Deutsche Presse-Agentur [6] e a agência chinêsa Xinhua [7] reportaram o fato. Em outras palavras, um fato que não se ajusta na estratégia de ‘dividir para conquistar’ do ‘establishment’ em Washington torna-se curiosamente ausente da grande mídia em língua inglea.
Lessons in Media Manipulation: Lula, Chavez and RCTV [8]Latin America News Review [9]

O correspondente da Folha em Caracas, de cujo nome não faço questão alguma de lembrar-me, relata em notícia que foi manchete de primeira página em seis colunas na edição impressa [10], que “vários milhares de estudantes” foram impedidos de sair às ruas por “uma barreira de dezenas de policiais de tropa de choque”. Além do fato, mais que risível, de ele não ter visto o absurdo que é falar em “vários milhares” detidos por “dezenas de policiais”, ainda que sejam da tropa de choque, a “reportagem” é tirada das páginas do “El Universal”, e não da experiência pessoal do jornalista, que deve achar mais imparcial escrever do seu quarto de hotel do que sair às ruas em busca de fatos. Os “vários milhares”, aliás, parecem ser a única contribuição do correspondente aos “fatos”, porque a reportagem da qual ele tirou as informações [11], (ou esta [12]) não menciona em parte alguma qual seria o número de manifestantes barrados, mas precisa o número de policiais: quarenta. Ou seja, o número declarado com precisão transforma-se num vago “dezenas”, enquanto o número não declarado aumenta para “vários milhares”… E esta é a notícia publicada como manchete de primeira página pela Folha de S. Paulo. Até onde vai a falta de respeito pela verdade factual, e pela inteligência alheia?
Chavez e a imprevisibilidade
– Tomás Bueno in Luis Nassif Online [5]

A dificuldade de escrever sobre Hugo Chavez e a não renovação da concessão da RCTV é a ausência de fontes confiáveis. Vamos analisar, primeiro, em tese. Dentre todos os quatro poderes, o mais ágil, o mais influente é a mídia, porque ajuda a moldar consciências, a controlar as informações (e, por conseqüência, a capacidade de julgamento da opinião pública). Daí a importância de se ter uma mídia plural, objetiva, técnica e democrática. É o que a legitima como fiscal dos demais poderes. A partir do momento em que abre mão de seu papel mediador, instrumentaliza as denúncias com o objetivo de derrubar presidentes, o jogo é outro. Na América Latina, após a redemocratização a imprensa conseguiu derrubar diversos presidentes, dentre os quais Andrés Perez, na Venezuela, e Fernando Collor no Brasil. Tornou-se poder maior, e com apetite para investir sobre os demais poderes, inclusive derrubando mais presidentes. As tentativas contra FHC e, mais agudamente, contra Lula, são exemplos recentes. Foi o que ocorreu com a imprensa venezuelana algum tempo atrás, quando chegou a apear Chavez do poder, embora por pouco tempo. Agora vem o troco. Para avaliar adequadamente o ato de Chavez, torna-se necessário dispor de duas informações fundamentais. A primeira, como vinha sendo a atuação dessa emissora nos últimos anos. Persistiu a intenção golpista ou não? A segunda, como tem sido a atuação da mídia venezuelana como um todo. A segunda questão é relevante para se avaliar se a decisão de Chavez desequilibra o jogo, em favor do Executivo, ou não.
Chavez e a RCTV [13]Luis Nassif Online [5]

Nesta batalha de versões e argumentos, é importante mencionar que o Congresso brasileiro detém poder de veto no processo de admissão da Venezuela com membro pleno do Mercosul ora em curso, e isto poderia atrapalhar os planos de Chávez para o continente independentemente da disposição de Lula. Chávez terá agora que tratar de sua entrada no Mercosul não só com o presidente, mas também com o Congresso brasileiro.

A mais recente manifestação de Lula no tema ocorreu em uma entrevista concedida ao programa ‘HardTalk’ da BBC [14], onde ele apresentou uma abordagem de tolerância combinada com a crença de que tudo ficará OK se os países estiverem dispostos a manter o respeito entre si, e em relação à suas especificidades históricas. Na entrevista ele conclama os parceiros para debaterem as áreas de acordo, respeitarem as delicadezas das áreas onde não há acordo, e tratarem de exercer esforço conjunto para que sejam ultrapassados os conflitos do passado em benefício de todos no século 21.

Por outro lado Lula tem evoluído muito em seu estilo de lidar com a mídia, e neste importante quesito demonstra estar mais avançado que seu vizinho histriônico. Parece estar mais atento às mudanças [15] pelas quais está passando a ‘ecologia da mídia’, e parece confiante que a manutenção da postura de abertura [16] tende a trazer-lhe frutos positivos. Nesta dança à três, Lula parece estar ditando o ritmo ao sugerir uma cadência que aceita a diversidade e a improvisação, mais chegado aos malabarismos multifacetados do samba do que à dicotomia previsível da valsa.

Não deixe de ver o vídeo da entrevista de Lula na BBC [17]

PlayPlay [18]