“Don't be a tourist / why don't you come on back to the war? / it's just beginning”. Enquanto procura o amor no 1º de Maio em Berlim,
Cecília Giannetti canta There is a War, de Leonard Cohen
A blogosfera literária brasileira entrou em alerta há alguns meses quando um grande projeto literário foi anunciado por uma das maiores editoras brasileiras, a Companhia das Letras. Idealizado por Rodrigo Teixeira, o projeto Amores Expressos quer levar 16 escritores a 16 cidades do mundo por um mês. Xangai, Buenos Aires, Istambul, Lisboa, Berlim, Cairo, São Petersburgo e São Paulo estão entre as cidades escolhidas. Na volta, cada um deles deve escrever uma história de amor ambientada na cidade visitada. Tudo isso em 90 dias.
As discussões mais apimentadas giraram em torno do pedido de apoio ao governo para o projeto, solicitando uma licença fiscal de R$ 1,2 milhão. A lista de escritores convidados foi selecionada pelo idealizador do projeto com a ajuda do escritor João Paulo Cuenca, e houve muito barulho sobre o processo de escolha que juntou um time de experts como Sérgio Sant'Anna, Luiz Ruffato e Marçal Aquino, e escritores inéditos em livro como Antonia Pellegrino e Cecília Giannetti (que está escrevendo um blog “do front”, aqui).
Angélica Freitas, uma das poetas de voz mais destacada na novíssima literatura brasileira escreveu, em março:
acho que muita gente reclama desse projeto porque, bueno, não foi incluída nele. porque nunca vai conseguir pisar no cairo ou em são petersburgo se não for num projeto desses. também tem muita gente neste país que não sabe escrever projeto de captação de recursos. querem dinheiro? ter um bom projeto e se mexer é um começo. mas estou aqui para dizer que é bem fácil viajar. basta pegar um ônibus que te deixe na estrada e estender o polegar. querem material pra escrever? taí a dica. querem viajar de graça? taí a dica.
neugebauer – tome uma xícara de chá
Mas o nível das críticas alcançou níveis ainda maiores quando o escritor Marcelo Mirisola, que não está no projeto, enviou carta a um dos principais jornais brasileiros (Folha de S. Paulo) criticando o projeto e chamando-o de
uma ação entre “amigos de farra”, com “um ou dois figurões acima de qualquer suspeita” para disfarçar.
Polêmica expressa – Todoprosa
A questão do dinheiro público para o financiamento do projeto foi a mais criticada. No Brasil essa polêmica tem ficado cada vez mais insustentável, a ponto de a lei elaborada para estimular a cultura no país ter se transformado em um mau negócio para as artes, bom apenas para as empresas que participam dos projetos com abatimentos sobre impostos ao governo federal. Joca Reiners Terron, que foi para o Cairo, rebateu as críticas em um post intitulado “Queridos Filhos-da-Puta”.
O dinheiro que entrará no meu bolso (R$10 mil pelos direitos de adaptação audiovisual do romance que escreverei …) virá do bolso do Rodrigo Teixeira, dono da produtora RT Features e criador do projeto. A grana que financiará filmes, documentários, extras de dvd ou o que caralho for, virá de um projeto inscrito na Lei Rouanet que está tramitando nos corredores do Ministério da Cultura e, conseqüentemente, ainda não foi aprovado, além da bufunfa que lhe corresponde ainda não ter sido captada. Quando e se for, eu já terei entregue meu romance (cujos direitos de adaptação já foram vendidos) e diretamente (tá tá tá: eu sei, também sou contribuinte; tá tá tá: eu também acho que é chegada a hora de reformas drásticas na Lei Rouanet), não terei mais nada a ver com isso; Entendeu ou quer que eu repita, filho-da-puta?
Hotel Hell
A polêmica provocou uma espécie de racha entre grupos de escritores. Depois do circo montado, Cecília Giannetti, que foi para Berlim e tirou a foto que abre este post, escreveu em seu blog:
Não tenho outra maneira de justificar minha participação neste projeto além de me empenhar em escrever o melhor que eu puder a história que ele pede de mim. A pressão aumenta por estar ao lado de nomes como Sergio Sant'Anna, Lourenço Mutarelli, Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Bernardo Carvalho, nomes de outras gerações que os estreantes e recém-lançados autores incluídos no projeto já lemos e respeitamos. Assustador. Do No Mínimo – Escrevescreve.
Os meses se passaram e os primeiros escritores começaram a mostrar o trabalho produzido durante as viagens. Seis escritores estão ou já voltaram de seus destinos. Outros dez embarcam nos próximos meses. Os livros ainda demoram a chegar no mercado, mas pode-se acompanhar o caminho do projeto por meio dos blogs dos autores.
Antonio Prata, que já completou a viagem, escreveu em seu blog, de Xangai:
Do outro lado do mundo fica um país gigante chamado China. Nesse país há uma imensa cidade chamada Xangai. Nessa cidade tem uma rua não tão grande assim de nome Shaoxing Lu. No número 76 da Shaoxing Lu há uma viela. No fundo da viela fica um cano.
Se você pegar um avião e viajar 27 horas até a China, descer do avião em Xangai, entrar num táxi, saltar no número 76 da Shaoxing Lu, andar até o fim da viela e abaixar-se, poderá notar que ali naquele cano, na viela do número 76 da Shaoxing Lu, em Xangai, na China, um gato afiou suas unhas.
Do outro lado do mundo – Blog do Antonio Prata
João Paulo Cuenca, que está em Tóquio, descreve em seu blog a experiência de dormir em um hotel cápsula:
Ignoro a advertência ilustrada sobre a proibição de homens tatuados e bêbados – sou um deles – e entro. Recebo uma chave (3021), um roupão e duas toalhas, assim como breves instruções em japonês. Vou ao vestiário e troco de roupa. … Nos banheiros coletivos cheirando a cigarro, velhos japoneses assoam o nariz daquele jeito que só velhos japoneses conseguem assoar o nariz. Reúno coragem e resolvo procurar minha cápsula. Ela fica no terceiro andar (são cinco). Para minha sorte – ou azar, não sei – minha gaveta fica na altura do chão. Acima dela, alguém dorme. E também no andar de cima. No andar de baixo. E nos lados. Nesse hotel cápsula, as gavetas não tem porta, apenas uma pequena cortina de bambu que, além de luz, deixa entrar barulho. Privacidade não há. … Faz calor dentro do caixão. Durmo um sono de seis horas cheio de sobressaltos (acordo toda vez que alguém pisa no corredor) e tenho sonhos bizarros… Dentro do sonho, pego meu caderno de sonhos dentro do sonho e anoto o sonho dentro do sonho. Isso é uma recorrência, aliás, e talvez a melhor literatura que jamais produzirei. Às nove, uma mensagem ressoa dentro da cápsula. Não entendo do que se trata e volto a dormir. Às nove e meia, nova mensagem, e o eco de música clássica pelos corredores. Um homem abre a cortina da minha cápsula abruptamente. O tempo acabou.
Encaixotado – Blog do Cuenca
Daniel Galera, outro jovem escritor do projeto, voltou da viagem que fez a Buenos Aires. No blog, encerra a participação com o post de retorno e dá uma declaração que, de certa forma, resume a polêmica:
Já de volta a São Paulo, ruminando fotos e memórias. Tenho uma história rabiscada na mente. Acho que ela poderia se passar em qualquer lugar, mas se passará em Buenos Aires, uma cidade de carnes tenras, mulheres elegantes e ruas planas que mimam os andarilhos com cafés e livrarias inesgotáveis. (…) Hoje entendo muito melhor uma frase de Bataille que usamos em 2001 para apresentar o selo editorial Livros do Mal ao mundo: “A literatura não é inocente, e, culpada, ela enfim deveria se confessar como tal.” Eu confesso. Confesso tudo. Sou culpado e, nos próximos meses, tentarei redigir mais um capítulo dessa confissão.
De Volta – Blog do Daniel Galera
E nos próximos meses, ainda, outros escritores embarcam para suas viagens. Aqui a lista:
Maio: Amilcar Bettega (Istambul) e Joca Reiners Terron (Cairo).
Junho: Adriana Lisboa (Paris), Chico Mattoso (Havana), Lourenço Mutarelli (Nova York) e Reinaldo Moraes (Cidade do México).
Setembro: Antonia Pellegrino (Mumbai), Bernardo Carvalho (São Petersburgo), Luiz Ruffato (Lisboa), Marçal Aquino (Roma) e Sérgio Sant’Anna (Praga).
Os blogs dos escritores podem ser lidos no site do projeto: Amores Expressos.